A vitória do centro deve ser excluída dos cenários para a eleição?
Dividir o voto moderado entre várias opções, cada uma com menos de 10%, é agir irracionalmente. O eleitor se dará conta disso em tempo de evitar o pior?
Publicado em 24 de setembro de 2018 às, 16h48.
Última atualização em 24 de setembro de 2018 às, 18h12.
Uma das perguntas de um milhão de dólares é saber se a polarização entre a direita e a esquerda está razoavelmente consolidada para o segundo turno de modo a permitir o descarte dos cenários que incluem alguém do centro no embate final. Dizer que Bolsonaro e Haddad devem disputar a presidência é afirmar o óbvio e ululante, pois todas as pesquisas indicam isso. No entanto, essa predisposição do eleitorado prevalecerá até o dia 7? Provavelmente sim, mas talvez não. Ainda é cedo para descartar a ocorrência de uma nova reviravolta.
Até abril, o mercado financeiro considerava a vitória de Alckmin quase certa. A convicção não havia brotado do nada. A população estava cansada da crise e da corrupção e queria uma mudança. Fazia sentido apostar na eleição do candidato de um partido que está longe de ser um monastério, mas que, por estar na oposição há quase duas décadas, não teria como ter participado da roubalheira recente, a maior da história. Além do mais, Alckmin teria ampla coalização e bem mais recursos que os rivais, além de defender o bê-á-bá que estancou a recessão e colocou o país na rota de crescimento novamente.
Esse cenário róseo ignorou que o brasileiro gosta de mitos. Acreditamos que a salvação depende de alguém com coragem para disparar uma “bala de prata” para acabar com todos os males de uma vez, como em 1989. Curtimos também histórias da carochinha que propõem soluções simples, indolores e erradas para problemas complexos. Ao ignorar esse traço que propicia o surgimento dos charlatães, os futurólogos minimizaram a chance dos cenários nefastos que hoje estão sobre a mesa. Assim chegamos à temporada de elaboração de orçamentos com a descoberta de que a realidade é bem mais nebulosa do que se imaginava há poucos meses, evidentemente pressagiando tempos bicudos à frente.
Ok, mas será que agora não se comete o mesmo erro para o outro lado? Ao descartar a possibilidade de vitória da moderação o eleitorado torna isso realidade, desnecessariamente. Existe tempo de perceber o erro e, se isso ocorrer, o resultado pode mudar.
Se o voto surgisse do cérebro, não das entranhas, a chance de vitória de candidatos ruins seria muito menor. A maioria está com raiva e aí mora o perigo. No entanto, muitos compreendem a natureza do jogo. Essa compreensão explica porque, frequentemente, os pleitos produzem reviravoltas na reta final. O fenômeno do “voto útil” é amplamente observado na prática, explicando a razão pela qual as eleições têm desfechos além da margem de erro de pesquisas feitas na véspera. Não porque elas sejam falhas, mas porque o eleitor muda na última hora.
Nesse sentido, os tropeços recentes da extrema direita e a ascensão rápida do candidato que representa o partido que colocou o Brasil na crise podem abrir espaço para a aglutinação das preferências do eleitorado de centro em torno de quem tiver a maior chance de derrotar a insensatez no segundo turno. Apesar da exposição reduzida pela facada, o partido extremista conseguiu pisar feio na bola na semana passada, revelando uma enorme falta de coordenação. Mostrou para o eleitor atento que não está preparado para governar e que terá dificuldades no segundo turno contra um partido que é mestre na desconstrução dos adversários. A ascensão de Haddad, por sua vez, confirmou sua viabilidade e fez muita gente abrir o olho para a grande vacilada que pode premiar o PT por ter arruinado o país.
Parece ter ficado mais claro que o candidato acamado e seu círculo macabro não têm um projeto para o Brasil que pare em pé. Sem vínculos com as melhores universidades, o grupo terá dificuldade de atrair bons quadros. Falta ao líder discernimento para filtrar os inúmeros palpites que provavelmente já está recebendo de abutres que sentem o cheiro de carniça. Dificilmente saberá lidar elegantemente com a parte derrotada, com os outros poderes e com a imprensa. A poupança de todos foi congelada na última vez que embarcamos em uma aventura semelhante.
A vitória da esquerda, por sua vez, implica empossar um monstro com aparência suave e sedutora. O candidato, sensato e certamente mais preparado que a antecessora (o que não chega a ser uma grande vantagem) é peixe fora d’água no partido. Seu papel é dar respeitabilidade à máfia que arrasou a economia em proveito próprio. A alternativa ainda à esquerda é dada por um coronel voluntarista cheio de certezas que se diz “preparado” para governar ao mesmo tempo em que repete as barbaridades que causaram a crise atual. Difere da presidente reeleita em 2014 apenas porque é possível entender o que ele diz.
As duas opções “progressistas” sancionarão o mito de que a crise atual nada teve a ver com os erros monumentais de diagnóstico do passado recente, restando ao país apenas a chance remota de que o presidente tente salvar o próprio mandato por meio de um novo “estelionato eleitoral” que, evidentemente, provocará mais divisão, pobreza e danos às instituições democráticas.
Diante dessa crônica do desastre anunciado, o cenário de esvaziamento parcial dos extremos, especialmente à direita, abrindo espaço para uma aglutinação do centro está longe de ser o mais provável, mas ainda é suficientemente verossímil para merecer ser considerado por quem precisa elaborar planos de contingência para o futuro imediato. É quase certo que se um dos cinco candidatos mais palatáveis chegar ao segundo turno ele deverá vencer a eleição, criando-se um cenário econômico muito favorável no ano que vem. As pesquisas podem facilitar a coordenação dos eleitores se quem tiver mais do que dois neurônios perceber que a única salvação para o país é votar estrategicamente no candidato que, na véspera, tiver mais chance de avançar.
Não é apenas sonho imaginar que alguém que foi suficientemente lúcido para enxergar os engodos da extrema direita e da esquerda perceberá a tempo que votar em um candidato com 3% das preferências apenas para dar uma lição de moral na canalhada que sempre esteve aí é um ato quixotesco que trará grande prejuízo a ele e aos demais. Isso porque o adversário joga com mais competência e pragmatismo, sem qualquer idealismo. Digite no Google e veja a foto do Haddad abraçando o Renan Calheiros, um dos maiores símbolos do atraso do país, que até ontem era um “golpista”. Não há prova mais contundente do desprezo do partido pela verdade e coerência, e do fato de que seu eleitorado fiel votará cegamente em quem o chefão mandar, simplesmente porque não está nem aí para a corrupção. É hora de pensar em novidades?
Dividir o voto moderado entre as várias opções mais razoáveis, cada uma com menos de 10%, é agir irracionalmente. É lícito, portanto, conjeturar que o eleitor se dará conta disso em tempo de evitar o pior. Aquele que for capaz de ver a armadilha precisa responder às pesquisas olhando a fotografia atual, escolhendo o candidato mais bem colocado dentre os cinco que não estão à esquerda e não representam o retrocesso autoritário. Seu voto tem que ser dinâmico e escolhido na véspera. A coordenação tem que vir do eleitor porque se ele esperar o patriotismo do quinteto fantástico é bom que coloque a viola no saco. O importante é que ainda dá para evitar o desastre, que está anunciado, mas não predeterminado.