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A queda recente da bolsa americana “corrigiu” os preços?

O alvoroço recente marca o início do fim do ciclo de alta? É impossível ter certeza, mas sobram argumentos dos dois lados

DR

Da Redação

Publicado em 26 de fevereiro de 2018 às 12h05.

A bolsa americana despencou entre os dias 26 de janeiro e 8 de fevereiro – o índice S&P 500, que captura as oscilações de preços das principais empresas, caiu cerca de 10%. O VIX ou “índice do medo” disparou. Ele é baseado em contratos futuros de ações e mede o intervalo mais provável de oscilação do S&P 500 um ano à frente.

O VIX fica confinado entre 10% e 20% aproximadamente dois terços do tempo – vinha oscilando muito perto do patamar inferior desde o início de 2017. O gato sobe no telhado entre 20% e 30%. São eventos improváveis, que ocorrem com uma chance em quatro, geralmente sem maiores consequências.

Quando ultrapassa os 30% a história é outra. Isso ocorre com probabilidade menor do que 10% e pode ser o prenúncio de uma reversão de tendência do mercado. Pois bem. Há duas semanas ele registrou 37%, altura observada apenas uma vez nos últimos seis anos. A última se deu em agosto de 2015 na esteira de turbulências vindas da China.

A poeira baixou nos últimos dias, a bolsa recuperou metade do tombo e todos respiram aliviados. O VIX permanece relativamente alto, mas na fronteira entre o cinturão verde e o amarelo. No entanto, o cheiro de enxofre ainda é forte porque o risco de sobrevalorização dos ativos financeiros é considerado um dos grandes perigos à retomada da economia mundial.

O alvoroço recente marca o início do fim do ciclo de alta?

Evidentemente ninguém tem certeza. Há sempre compradores e vendedores a qualquer preço em um mercado competitivo. Barganhas e bolhas são identificadas apenas com o benefício da história. O melhor que se pode fazer é listar os argumentos de um lado e de outro, sempre convincentes, e deixar que cada um forme a própria opinião.

Uma forma conveniente de organizar o raciocínio é lembrar que o valor da bolsa deve ser igual ao fluxo dos dividendos das empresas trazido a valor presente pela taxa de retorno de ativos seguros acrescida de um “prêmio” para compensar os riscos inerentes ao investimento em ações.

Esse esquema permite identificar as condições que precisam ser satisfeitas para justificar os preços praticados e, portanto, os vetores que podem empurrá-los para cima ou para baixo. Escrevi um texto em outubro passado com esse jeitão. Vale relembrar o argumento.

Uma inspeção casual da história sugere que, mesmo após a “correção” recente, o valor da bolsa implica torcer pela ocorrência de uma combinação de eventos que destoam de padrões observados no passado. Nesse sentido a correção foi parcial.

A lucratividade das empresas não acompanhou o crescimento da economia americana em boa parte do pós-guerra. Com boa vontade, dá para dizer que os lucros passaram a recuperar lentamente o terreno perdido a partir dos anos 90, mas com volatilidade em torno da tendência de longo prazo pelo menos duas vezes maior do que a verificada nos quarenta anos anteriores. Com base nisso é razoável partir do pressuposto que os lucros acompanharão o crescimento do PIB aos trancos e barrancos. Qual é o crescimento potencial do PIB no longo prazo?

A economia americana vem apresentando desempenho decente, mas a produtividade total dos fatores (PTF), que é o verdadeiro motor do crescimento no longo prazo, vem caindo ao longo do tempo – a PTF é uma medida da eficiência com que a economia usa seus fatores produtivos. Dos anos 50 até a crise financeira, a PTF costumou crescer em torno de 1,5% ao ano. Após a crise, o ritmo caiu aproximadamente para a metade.

A projeção oficial apartidária do governo americano é de aceleração lenta da PTF nos próximos dez anos, porém sem a recuperação do ritmo que prevaleceu antes da crise. Esta premissa e o fato de que a demografia tende a ajudar menos no futuro implicam cenário de crescimento econômico substancialmente menor do que o verificado no passado, da ordem de 2% ao ano. Os lucros acompanharão esse ritmo.

Para avaliar a bolsa é preciso trazer essa expectativa a valor presente. O mercado projeta que os títulos do tesouro americano pagarão juro real de aproximadamente 1% no longo prazo, muito menos do que na média do período histórico que estamos considerando. Vamos, por ora, admitir que essa seja a melhor premissa para a taxa de juro “livre” de risco.

O pulo do gato é aquilatar o prêmio que deve ser acrescido a esta taxa para avaliar o fluxo de lucros sem tratá-los como se fossem líquidos e certos. Com exceção da saudosa Mãe Dinah, que nos aguarda na quarta dimensão, desconheço quem poderia ser capaz de dizer com precisão o valor desse prêmio. Na falta de guia mais confiável resta inferir o parâmetro a partir do comportamento passado do mercado.

Conhecemos a lucratividade realizada das empresas, a que preço as ações foram negociadas e o rendimento médio de operações com títulos públicos no passado. Supondo que o mercado acerta na média é possível inferir o prêmio consistente com a relação efetivamente observada entre o preço e o lucro das ações (PL) em cada instante.

Historicamente, o prêmio oscilou entre 5,5% e 6,5% dependendo do conceito de PL utilizado para fazer os cálculos. No artigo de outubro usei o PL “ajustado pelo ciclo” que é o preferido pelo

Nobel Robert Schiller – ele foi um dos que avisou que havia exageros nos anos 2000. Recebi algumas críticas de colegas que alegaram que essa escolha pode exagerar o potencial de sobrevalorização do mercado. No intuito de agradar a torcida, faço agora as contas usando o PL sem ajustes. De fato a conclusão muda quantitativamente. Não qualitativamente.

Se o prêmio de risco usado para descontar o fluxo de lucros futuros for consistente com o PL “seco” observado no passado, a bolsa estaria ainda uns 10% acima do preço “justo” supondo que os lucros crescerão 2% ao ano e que a taxa de juro real “livre” de risco será de 1% em termos reais.

Os otimistas evidentemente questionam essas premissas. Quem acha que a bolsa ainda vai subir argumenta que os lucros crescerão mais, que os juros permanecerão eternamente baixos e que não há razão para ser tão cauteloso no desconto dos fluxos. Quem está ressabiado vai naturalmente pelo caminho oposto.

Exponho as duas teses na semana que vem e, quem sabe, arrisco um palpite. Qualquer que seja o cenário é bom estar preparado para novos surtos de volatilidade no futuro.

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A bolsa americana despencou entre os dias 26 de janeiro e 8 de fevereiro – o índice S&P 500, que captura as oscilações de preços das principais empresas, caiu cerca de 10%. O VIX ou “índice do medo” disparou. Ele é baseado em contratos futuros de ações e mede o intervalo mais provável de oscilação do S&P 500 um ano à frente.

O VIX fica confinado entre 10% e 20% aproximadamente dois terços do tempo – vinha oscilando muito perto do patamar inferior desde o início de 2017. O gato sobe no telhado entre 20% e 30%. São eventos improváveis, que ocorrem com uma chance em quatro, geralmente sem maiores consequências.

Quando ultrapassa os 30% a história é outra. Isso ocorre com probabilidade menor do que 10% e pode ser o prenúncio de uma reversão de tendência do mercado. Pois bem. Há duas semanas ele registrou 37%, altura observada apenas uma vez nos últimos seis anos. A última se deu em agosto de 2015 na esteira de turbulências vindas da China.

A poeira baixou nos últimos dias, a bolsa recuperou metade do tombo e todos respiram aliviados. O VIX permanece relativamente alto, mas na fronteira entre o cinturão verde e o amarelo. No entanto, o cheiro de enxofre ainda é forte porque o risco de sobrevalorização dos ativos financeiros é considerado um dos grandes perigos à retomada da economia mundial.

O alvoroço recente marca o início do fim do ciclo de alta?

Evidentemente ninguém tem certeza. Há sempre compradores e vendedores a qualquer preço em um mercado competitivo. Barganhas e bolhas são identificadas apenas com o benefício da história. O melhor que se pode fazer é listar os argumentos de um lado e de outro, sempre convincentes, e deixar que cada um forme a própria opinião.

Uma forma conveniente de organizar o raciocínio é lembrar que o valor da bolsa deve ser igual ao fluxo dos dividendos das empresas trazido a valor presente pela taxa de retorno de ativos seguros acrescida de um “prêmio” para compensar os riscos inerentes ao investimento em ações.

Esse esquema permite identificar as condições que precisam ser satisfeitas para justificar os preços praticados e, portanto, os vetores que podem empurrá-los para cima ou para baixo. Escrevi um texto em outubro passado com esse jeitão. Vale relembrar o argumento.

Uma inspeção casual da história sugere que, mesmo após a “correção” recente, o valor da bolsa implica torcer pela ocorrência de uma combinação de eventos que destoam de padrões observados no passado. Nesse sentido a correção foi parcial.

A lucratividade das empresas não acompanhou o crescimento da economia americana em boa parte do pós-guerra. Com boa vontade, dá para dizer que os lucros passaram a recuperar lentamente o terreno perdido a partir dos anos 90, mas com volatilidade em torno da tendência de longo prazo pelo menos duas vezes maior do que a verificada nos quarenta anos anteriores. Com base nisso é razoável partir do pressuposto que os lucros acompanharão o crescimento do PIB aos trancos e barrancos. Qual é o crescimento potencial do PIB no longo prazo?

A economia americana vem apresentando desempenho decente, mas a produtividade total dos fatores (PTF), que é o verdadeiro motor do crescimento no longo prazo, vem caindo ao longo do tempo – a PTF é uma medida da eficiência com que a economia usa seus fatores produtivos. Dos anos 50 até a crise financeira, a PTF costumou crescer em torno de 1,5% ao ano. Após a crise, o ritmo caiu aproximadamente para a metade.

A projeção oficial apartidária do governo americano é de aceleração lenta da PTF nos próximos dez anos, porém sem a recuperação do ritmo que prevaleceu antes da crise. Esta premissa e o fato de que a demografia tende a ajudar menos no futuro implicam cenário de crescimento econômico substancialmente menor do que o verificado no passado, da ordem de 2% ao ano. Os lucros acompanharão esse ritmo.

Para avaliar a bolsa é preciso trazer essa expectativa a valor presente. O mercado projeta que os títulos do tesouro americano pagarão juro real de aproximadamente 1% no longo prazo, muito menos do que na média do período histórico que estamos considerando. Vamos, por ora, admitir que essa seja a melhor premissa para a taxa de juro “livre” de risco.

O pulo do gato é aquilatar o prêmio que deve ser acrescido a esta taxa para avaliar o fluxo de lucros sem tratá-los como se fossem líquidos e certos. Com exceção da saudosa Mãe Dinah, que nos aguarda na quarta dimensão, desconheço quem poderia ser capaz de dizer com precisão o valor desse prêmio. Na falta de guia mais confiável resta inferir o parâmetro a partir do comportamento passado do mercado.

Conhecemos a lucratividade realizada das empresas, a que preço as ações foram negociadas e o rendimento médio de operações com títulos públicos no passado. Supondo que o mercado acerta na média é possível inferir o prêmio consistente com a relação efetivamente observada entre o preço e o lucro das ações (PL) em cada instante.

Historicamente, o prêmio oscilou entre 5,5% e 6,5% dependendo do conceito de PL utilizado para fazer os cálculos. No artigo de outubro usei o PL “ajustado pelo ciclo” que é o preferido pelo

Nobel Robert Schiller – ele foi um dos que avisou que havia exageros nos anos 2000. Recebi algumas críticas de colegas que alegaram que essa escolha pode exagerar o potencial de sobrevalorização do mercado. No intuito de agradar a torcida, faço agora as contas usando o PL sem ajustes. De fato a conclusão muda quantitativamente. Não qualitativamente.

Se o prêmio de risco usado para descontar o fluxo de lucros futuros for consistente com o PL “seco” observado no passado, a bolsa estaria ainda uns 10% acima do preço “justo” supondo que os lucros crescerão 2% ao ano e que a taxa de juro real “livre” de risco será de 1% em termos reais.

Os otimistas evidentemente questionam essas premissas. Quem acha que a bolsa ainda vai subir argumenta que os lucros crescerão mais, que os juros permanecerão eternamente baixos e que não há razão para ser tão cauteloso no desconto dos fluxos. Quem está ressabiado vai naturalmente pelo caminho oposto.

Exponho as duas teses na semana que vem e, quem sabe, arrisco um palpite. Qualquer que seja o cenário é bom estar preparado para novos surtos de volatilidade no futuro.

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