A herança maldita e o potencial de crescimento no curto prazo
É mais do que razoável supor que uma parte do terreno perdido com o “apagão” dos últimos dois anos poderá ser recuperada sem grandes esforços – mas nem tudo voltará no curto prazo
Da Redação
Publicado em 27 de novembro de 2017 às 11h09.
O ministro Meirelles está otimista. Segundo informações veiculadas recentemente na imprensa, ele atribui chance elevada de uma surpresa favorável no crescimento de 2018 – atualmente, o consenso entre os economistas é de expansão modesta, ao redor de 2,5%. Seu cenário é baseado na constatação de que existe uma enorme capacidade produtiva não utilizada na economia. Bastaria ligar as máquinas e botar o pessoal para trabalhar para crescer mais. Para ele, não será surpresa uma “virada histórica”, com crescimento de 4% ou mais.
Faz sentido? Sim, mas há pegadinhas.
O potencial produtivo de uma economia é uma grandeza não observável diretamente e que, portanto, precisa ser estimada. Os métodos variam em sofisticação e nenhum é isento de problemas, especialmente quando a tarefa é saber o tamanho da ociosidade “em tempo real” – é trivial magnificar os ciclos com o correr dos anos. Esse foi o tema de minha tese de doutoramento, defendida em um passado remoto. As coisas não mudaram substancialmente desde então.
Feita a ressalva, é mais do que razoável supor que uma parte do terreno perdido com o “apagão” dos últimos dois anos poderá ser recuperada sem grandes esforços. A forma mais rudimentar para se chegar a essa conclusão é olhar para o mercado de trabalho. Cerca de 3,5 milhões de pessoas (!) foram empurradas para o desemprego entre o final de 2014 e 2016. Um massacre desse tamanho em tão pouco tempo não pode ser “estrutural”.
É verdade que uma parte não desprezível do contingente deve-se ao ajuste à realidade de setores que foram artificialmente inflados pela política econômica – esses empregos não serão recuperados. A outra parte é representada pelos que perderam o emprego em razão do ambiente de desconfiança produzido pelo governo. Esse pessoal tende a arrumar trabalho mais facilmente na esteira da normalização das expectativas – algo que já está ocorrendo.
O tamanho do “hiato do produto”, nome que se dá à diferença entre o PIB efetivo e o potencial, pode ser também inferido indiretamente pela comparação do desempenho da economia brasileira com o de países economicamente parecidos. É a melhor forma de isolar a influência do fim do “boom” das matérias primas, que teve impacto negativo sobre os países exportadores e que serviu de desculpa pelos então formuladores da política econômica para justificar o que de resto deveria ser o fruto de suas barbeiragens.
O gráfico abaixo compara a evolução do PIB por habitante brasileiro com a média dos países exportadores de commodities – 36 nações segundo o Fórum Mundial. Até o final dos anos 70, a renda brasileira convergiu à dos pares, sobretudo nos anos do “milagre”. A crise dos anos 80 afetou todo mundo e assinalou o início de um período turbulento no Brasil, marcado por dificuldades do balanço de pagamentos e tentativas fracassadas de estabilizar a inflação.
O gráfico mostra que, apesar das idas e vindas desse período, a renda brasileira seguiu de perto a de nossos semelhantes. Após a flutuação cambial, em 1999, os desempenhos foram praticamente idênticos. Surfamos de mãos dadas a onda favorável produzida pela inserção da China no mercado global; sentimos apenas uma “marolinha” durante a crise financeira e; unidos, amargamos a desaceleração do crescimento mundial a partir de 2011. O fato é que passamos quase 35 anos bem agarradinhos de modo que, em 2014, as rendas eram quase idênticas.
A economia brasileira colapsou sozinha em 2015 e 2016, rompendo o padrão que sobreviveu por uma geração. É claro que a abertura da “boca de jacaré” teve origem nos equívocos, desperdícios e rapinas propiciados pelo intervencionismo estatizante do governo Dilma. Usando estimativas consensuais para o PIB dos diversos países, nossa renda está hoje cerca de 10% abaixo do que deveria estar se tivéssemos conseguido evitar os erros brutais cometidos nos últimos anos.
A ociosidade que abre espaço para um crescimento maior no ano que vem e que é mencionada pelo ministro Meirelles para justificar seu otimismo é a parte reversível desse tombo relativo monumental de 10%. É claro que uma parcela relevante não poderá ser recuperada, pois não dá para apagar os efeitos nocivos da contabilidade criativa, dos créditos e subsídios mal aplicados, do voluntarismo na definição de preços-chave e demais atrocidades.
Ainda assim, por maior que tenha sido o prejuízo permanente legado aos brasileiros, o fosso que se abriu em relação a países economicamente semelhantes tem também um componente temporário, comum em recessões “normais”, derivado do fato de que a economia é um sistema de vasos comunicantes – um tropeço aqui gera um soluço lá e assim por diante. O espaço que pode ser recuperado no curto prazo refere-se a esta parte, bastando para isso a adoção consistente de políticas econômicas convencionais e um pouco de paciência.
O melhor método para separar a herança maldita da ociosidade temporária é, a meu ver, a aplicação de um “filtro” que leve em conta o dano dos últimos anos sem ignorar os progressos do passado mais distante. No frigir dos ovos, o desenho desse filtro envolve um grau de arbitrariedade, mas a escolha não é 100% independente da evidência disponível. Pelas minhas contas, o “hiato” atual está entre 4% e 5% – 4,4% só para o leitor ficar com a impressão de que pratico uma ciência exata.
Meus companheiros da MCM e da LCA, com metodologias muito mais sofisticadas do que a minha, chegam a hiatos, respectivamente, de 6% e 7%. Colegas de profissão falam em qualquer coisa entre 4% e 8%. Misturando tudo, conjeturo salomonicamente que o buraco seja de 5%, ou, em outras palavras, que seja possível reverter metade da devastação que nos foi presenteada.
A pegadinha é que o crescimento do ano que vem depende do tamanho do buraco e da velocidade em que o hiato será fechado e não há uma lei da física que nos dê um parâmetro imutável para isso. Implicitamente, o ministro entende que ela será mais rápida do que sugere o consenso. Tendo a concordar com ele, como escrevi no início de setembro, mas isso não está ainda garantido, conforme a análise da semana que vem. Não perca.
O ministro Meirelles está otimista. Segundo informações veiculadas recentemente na imprensa, ele atribui chance elevada de uma surpresa favorável no crescimento de 2018 – atualmente, o consenso entre os economistas é de expansão modesta, ao redor de 2,5%. Seu cenário é baseado na constatação de que existe uma enorme capacidade produtiva não utilizada na economia. Bastaria ligar as máquinas e botar o pessoal para trabalhar para crescer mais. Para ele, não será surpresa uma “virada histórica”, com crescimento de 4% ou mais.
Faz sentido? Sim, mas há pegadinhas.
O potencial produtivo de uma economia é uma grandeza não observável diretamente e que, portanto, precisa ser estimada. Os métodos variam em sofisticação e nenhum é isento de problemas, especialmente quando a tarefa é saber o tamanho da ociosidade “em tempo real” – é trivial magnificar os ciclos com o correr dos anos. Esse foi o tema de minha tese de doutoramento, defendida em um passado remoto. As coisas não mudaram substancialmente desde então.
Feita a ressalva, é mais do que razoável supor que uma parte do terreno perdido com o “apagão” dos últimos dois anos poderá ser recuperada sem grandes esforços. A forma mais rudimentar para se chegar a essa conclusão é olhar para o mercado de trabalho. Cerca de 3,5 milhões de pessoas (!) foram empurradas para o desemprego entre o final de 2014 e 2016. Um massacre desse tamanho em tão pouco tempo não pode ser “estrutural”.
É verdade que uma parte não desprezível do contingente deve-se ao ajuste à realidade de setores que foram artificialmente inflados pela política econômica – esses empregos não serão recuperados. A outra parte é representada pelos que perderam o emprego em razão do ambiente de desconfiança produzido pelo governo. Esse pessoal tende a arrumar trabalho mais facilmente na esteira da normalização das expectativas – algo que já está ocorrendo.
O tamanho do “hiato do produto”, nome que se dá à diferença entre o PIB efetivo e o potencial, pode ser também inferido indiretamente pela comparação do desempenho da economia brasileira com o de países economicamente parecidos. É a melhor forma de isolar a influência do fim do “boom” das matérias primas, que teve impacto negativo sobre os países exportadores e que serviu de desculpa pelos então formuladores da política econômica para justificar o que de resto deveria ser o fruto de suas barbeiragens.
O gráfico abaixo compara a evolução do PIB por habitante brasileiro com a média dos países exportadores de commodities – 36 nações segundo o Fórum Mundial. Até o final dos anos 70, a renda brasileira convergiu à dos pares, sobretudo nos anos do “milagre”. A crise dos anos 80 afetou todo mundo e assinalou o início de um período turbulento no Brasil, marcado por dificuldades do balanço de pagamentos e tentativas fracassadas de estabilizar a inflação.
O gráfico mostra que, apesar das idas e vindas desse período, a renda brasileira seguiu de perto a de nossos semelhantes. Após a flutuação cambial, em 1999, os desempenhos foram praticamente idênticos. Surfamos de mãos dadas a onda favorável produzida pela inserção da China no mercado global; sentimos apenas uma “marolinha” durante a crise financeira e; unidos, amargamos a desaceleração do crescimento mundial a partir de 2011. O fato é que passamos quase 35 anos bem agarradinhos de modo que, em 2014, as rendas eram quase idênticas.
A economia brasileira colapsou sozinha em 2015 e 2016, rompendo o padrão que sobreviveu por uma geração. É claro que a abertura da “boca de jacaré” teve origem nos equívocos, desperdícios e rapinas propiciados pelo intervencionismo estatizante do governo Dilma. Usando estimativas consensuais para o PIB dos diversos países, nossa renda está hoje cerca de 10% abaixo do que deveria estar se tivéssemos conseguido evitar os erros brutais cometidos nos últimos anos.
A ociosidade que abre espaço para um crescimento maior no ano que vem e que é mencionada pelo ministro Meirelles para justificar seu otimismo é a parte reversível desse tombo relativo monumental de 10%. É claro que uma parcela relevante não poderá ser recuperada, pois não dá para apagar os efeitos nocivos da contabilidade criativa, dos créditos e subsídios mal aplicados, do voluntarismo na definição de preços-chave e demais atrocidades.
Ainda assim, por maior que tenha sido o prejuízo permanente legado aos brasileiros, o fosso que se abriu em relação a países economicamente semelhantes tem também um componente temporário, comum em recessões “normais”, derivado do fato de que a economia é um sistema de vasos comunicantes – um tropeço aqui gera um soluço lá e assim por diante. O espaço que pode ser recuperado no curto prazo refere-se a esta parte, bastando para isso a adoção consistente de políticas econômicas convencionais e um pouco de paciência.
O melhor método para separar a herança maldita da ociosidade temporária é, a meu ver, a aplicação de um “filtro” que leve em conta o dano dos últimos anos sem ignorar os progressos do passado mais distante. No frigir dos ovos, o desenho desse filtro envolve um grau de arbitrariedade, mas a escolha não é 100% independente da evidência disponível. Pelas minhas contas, o “hiato” atual está entre 4% e 5% – 4,4% só para o leitor ficar com a impressão de que pratico uma ciência exata.
Meus companheiros da MCM e da LCA, com metodologias muito mais sofisticadas do que a minha, chegam a hiatos, respectivamente, de 6% e 7%. Colegas de profissão falam em qualquer coisa entre 4% e 8%. Misturando tudo, conjeturo salomonicamente que o buraco seja de 5%, ou, em outras palavras, que seja possível reverter metade da devastação que nos foi presenteada.
A pegadinha é que o crescimento do ano que vem depende do tamanho do buraco e da velocidade em que o hiato será fechado e não há uma lei da física que nos dê um parâmetro imutável para isso. Implicitamente, o ministro entende que ela será mais rápida do que sugere o consenso. Tendo a concordar com ele, como escrevi no início de setembro, mas isso não está ainda garantido, conforme a análise da semana que vem. Não perca.