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A essência das pedaladas

No exercício da tolerância os adversários são os melhores professores. Persuadido por este belo ensinamento do Dalai Lama, invisto um tempo lendo o que escreve a ala “progressista”. Achei particularmente curiosa a coluna do Jânio de Freitas na Folha intitulada “Forma e Conteúdo”, do dia 24 de abril. Defendendo a tese de que Dilma é […]

APOIO AO PT: o governo tratou de forma irresponsável as finanças públicas e comprometeu a estabilidade da moeda? / Paulo Pinto / Agência PT
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Da Redação

Publicado em 2 de maio de 2016 às 13h14.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h24.

No exercício da tolerância os adversários são os melhores professores. Persuadido por este belo ensinamento do Dalai Lama, invisto um tempo lendo o que escreve a ala “progressista”. Achei particularmente curiosa a coluna do Jânio de Freitas na Folha intitulada “Forma e Conteúdo”, do dia 24 de abril.

Defendendo a tese de que Dilma é vítima de uma conspiração, o jornalista afirma que “o golpe não está na forma, está na essência, no argumento, que apenas se vale da forma. E este argumento consiste em, de repente, considerar crime (…) uma prática financeira aceita nos governos anteriores e em atuais governos de Estados”.

Falta-me competência para opinar formalmente sobre qualquer aspecto do processo que, provavelmente, encerrará precocemente o segundo mandato de Dilma. No entanto, no momento em que a discussão passa a envolver verdades essenciais supostamente evidentes, sinto-me à vontade para arriscar palpites sobre algo em tese restrito ao torrão dos juristas.

Afinal, o que é essencial para Chico não é para Francisco.

Os técnicos do Tesouro Nacional começaram a alertar o governo do risco (inclusive jurídico) das chamadas “pedaladas fiscais” em meados de 2013. Na época, o fracasso da política econômica era visível, mas a política fiscal ainda não havia caído em total descrédito apesar da prática de “contabilidade criativa”.

Repleto de certezas e avesso a pareceres técnicos antagônicos, o governo pisou fundo no acelerador. No final de 2015, pagou a bagatela de 72,4 bilhões de reais referentes às manobras feitas para ocultar a verdadeira dimensão do descalabro fiscal. Nunca saberemos, mas, dado o placar apertado da eleição, é lícito conjecturar que a desinformação provocada pelos artifícios pode ter sido decisiva. Vai saber.

É certo que houve “pedaladas” no passado. De acordo com números apresentados na reportagem de Leandra Peres no Valor Econômico, o montante médio anual foi próximo de 6 bilhões de reais entre 1996 e 2002. Este precedente inocenta o governo?

Um juiz apegado a fórmulas diria que sim porque uma pedalada de 1 real é igual a uma pedalada de 1 bilhão. No entanto, a doutrina de Jânio de Freitas recomenda olhar a essência das coisas, descartando conclusões falsas baseadas em formalismos.

A pergunta essencial é: o governo Dilma pode ser considerado responsável do ponto de vista fiscal, não para atender às questiúnculas da lei que leva o nome, mas para convencer nossas avós de que fez o que estava ao alcance para evitar que a sustentabilidade do endividamento do país fosse questionada?

Ainda, caso a resposta seja negativa, sempre pensando no conteúdo e não na forma, pode-se afirmar que o governo tratou de forma irresponsável as finanças públicas, comprometendo a estabilidade da moeda, talvez o principal bem público?

Em quatro anos, o governo transformou superávits primários recorrentes da ordem de 2% do PIB em déficits de 1,5% do PIB, descumprindo sistematicamente as metas comunicadas à sociedade, usando artifícios de ocultação que chegaram a envolver até autorizações com data retroativa no Diário Oficial.

Trata-se de reversão de mais ou menos 250 bilhões de reais que, como é de amplo conhecimento, está na raiz da profunda crise (não apenas econômica) em que o país está mergulhado. O governo não pode alegar que não foi avisado do desastre que estava no horizonte, por agentes internos e externos.

Tendo em vista o conteúdo e não a forma, é possível afirmar que as pedaladas da Dilma foram iguais às feitas por uma administração que, aos trancos e barrancos, criou a Lei de Responsabilidade Fiscal e gerou os superávits que deram sustentação à estabilidade conquistada a duras penas?

Falta-me inteligência para identificar a verdadeira natureza de qualquer coisa e, respeitando opiniões contrárias, temo que ninguém possua o dom – por isso que é bom o “formalismo” de uma democracia baseada em regras. Feita a ressalva, tenho quase certeza de que a essência da situação fiscal produzida nos últimos anos não é nem de rosas, nem de gardênias.

É por isso que, para se defender, o governo prefere não debater o “conteúdo” de sua obra, atendo-se aos procedimentos. O problema é que processos de impedimento são políticos e desconfio que a maior parte da população segue o conselho de Jânio de Freitas e julga o governo pelo que é em sua essência.

celosnovo

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Defendendo a tese de que Dilma é vítima de uma conspiração, o jornalista afirma que “o golpe não está na forma, está na essência, no argumento, que apenas se vale da forma. E este argumento consiste em, de repente, considerar crime (…) uma prática financeira aceita nos governos anteriores e em atuais governos de Estados”.

Falta-me competência para opinar formalmente sobre qualquer aspecto do processo que, provavelmente, encerrará precocemente o segundo mandato de Dilma. No entanto, no momento em que a discussão passa a envolver verdades essenciais supostamente evidentes, sinto-me à vontade para arriscar palpites sobre algo em tese restrito ao torrão dos juristas.

Afinal, o que é essencial para Chico não é para Francisco.

Os técnicos do Tesouro Nacional começaram a alertar o governo do risco (inclusive jurídico) das chamadas “pedaladas fiscais” em meados de 2013. Na época, o fracasso da política econômica era visível, mas a política fiscal ainda não havia caído em total descrédito apesar da prática de “contabilidade criativa”.

Repleto de certezas e avesso a pareceres técnicos antagônicos, o governo pisou fundo no acelerador. No final de 2015, pagou a bagatela de 72,4 bilhões de reais referentes às manobras feitas para ocultar a verdadeira dimensão do descalabro fiscal. Nunca saberemos, mas, dado o placar apertado da eleição, é lícito conjecturar que a desinformação provocada pelos artifícios pode ter sido decisiva. Vai saber.

É certo que houve “pedaladas” no passado. De acordo com números apresentados na reportagem de Leandra Peres no Valor Econômico, o montante médio anual foi próximo de 6 bilhões de reais entre 1996 e 2002. Este precedente inocenta o governo?

Um juiz apegado a fórmulas diria que sim porque uma pedalada de 1 real é igual a uma pedalada de 1 bilhão. No entanto, a doutrina de Jânio de Freitas recomenda olhar a essência das coisas, descartando conclusões falsas baseadas em formalismos.

A pergunta essencial é: o governo Dilma pode ser considerado responsável do ponto de vista fiscal, não para atender às questiúnculas da lei que leva o nome, mas para convencer nossas avós de que fez o que estava ao alcance para evitar que a sustentabilidade do endividamento do país fosse questionada?

Ainda, caso a resposta seja negativa, sempre pensando no conteúdo e não na forma, pode-se afirmar que o governo tratou de forma irresponsável as finanças públicas, comprometendo a estabilidade da moeda, talvez o principal bem público?

Em quatro anos, o governo transformou superávits primários recorrentes da ordem de 2% do PIB em déficits de 1,5% do PIB, descumprindo sistematicamente as metas comunicadas à sociedade, usando artifícios de ocultação que chegaram a envolver até autorizações com data retroativa no Diário Oficial.

Trata-se de reversão de mais ou menos 250 bilhões de reais que, como é de amplo conhecimento, está na raiz da profunda crise (não apenas econômica) em que o país está mergulhado. O governo não pode alegar que não foi avisado do desastre que estava no horizonte, por agentes internos e externos.

Tendo em vista o conteúdo e não a forma, é possível afirmar que as pedaladas da Dilma foram iguais às feitas por uma administração que, aos trancos e barrancos, criou a Lei de Responsabilidade Fiscal e gerou os superávits que deram sustentação à estabilidade conquistada a duras penas?

Falta-me inteligência para identificar a verdadeira natureza de qualquer coisa e, respeitando opiniões contrárias, temo que ninguém possua o dom – por isso que é bom o “formalismo” de uma democracia baseada em regras. Feita a ressalva, tenho quase certeza de que a essência da situação fiscal produzida nos últimos anos não é nem de rosas, nem de gardênias.

É por isso que, para se defender, o governo prefere não debater o “conteúdo” de sua obra, atendo-se aos procedimentos. O problema é que processos de impedimento são políticos e desconfio que a maior parte da população segue o conselho de Jânio de Freitas e julga o governo pelo que é em sua essência.

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