Exame.com
Continua após a publicidade

A eleição é a crônica de um desastre anunciado

A maioria da população rejeita os erros que causaram a tragédia atual, mas ao mesmo tempo é incapaz de se entender

OS CANDIDATOS: seus adversários estão suficientemente próximos do eleitor mediano para tentar apaziguar o país / REUTERS/Nacho Doce/Paulo Whitaker/Leonardo Benassatto/Adriano Machado
OS CANDIDATOS: seus adversários estão suficientemente próximos do eleitor mediano para tentar apaziguar o país / REUTERS/Nacho Doce/Paulo Whitaker/Leonardo Benassatto/Adriano Machado
C
Celso Toledo

Publicado em 17 de setembro de 2018 às, 14h17.

Última atualização em 17 de setembro de 2018 às, 16h12.

O escritor Gabriel García Márquez tem sido invocado com frequência em análises da crise brasileira. Afinal, os toques surreais do teatro político e nosso talento inigualável para montar arapucas que condenam o país ao subdesenvolvimento são temas frequentes na obra do colombiano, como em “Cem Anos de Solidão”, por exemplo.

No entanto, o livro de García Márquez que melhor descreve o dilema que hoje devora o país é a “Crônica de Uma Morte Anunciada”. A novela conta a história de um assassinato injusto e amplamente antecipado que não é evitado por uma inacreditável falha comunitária em que, por frivolidade, malícia ou outro vício, as pessoas lavam as mãos e o pior acontece.

O Brasil está enredado em uma trama semelhante. A maioria da população rejeita os erros que causaram a tragédia atual, mas ao mesmo tempo é incapaz de se entender. O povo intui que é o momento de livrar o país do terceiro-mundismo e dar uma arejada liberal. Não obstante, nenhuma força política moderada é capaz de aglutinar essa percepção, abrindo espaço para que o rumo das eleições seja ditado pelo capo da organização que colocou o país no buraco – da cadeia.

Considerando os votos válidos do último Datafolha, menos de um terço do eleitorado pretende votar em candidatos que simbolizam o atraso. Este é o contingente tradicional que reúne os ignorantes manipulados pelo coronelismo, a intelligentsia festiva que belisca um jabá aqui e outro acolá e o corporativismo que lucra com o atraso do país. Trata-se de uma minoria, mas composta por fanáticos avessos às instituições democráticas e para quem os fins justificam os meios.

Os dois terços restantes querem que o país seja governado por alguém que compreenda a necessidade de por um limite à farra. Desconfiam que o Brasil esteja arriscando experimentar dificuldades semelhantes às que flagelam a Argentina e, no limite, o caos em que se dá o genocídio venezuelano. Não custa lembrar que as adversidades desses países não apareceram da noite para o dia e sim como fruto das escolhas erradas feitas ao longo do tempo e de uma extraordinária insistência nos mesmos equívocos por vários anos.

Diante do consenso sobre o caminho a ser percorrido, o Brasil deveria estar festejando em antecipação ao fato de que, no ano que vem, teríamos no Palácio da Alvorada alguém com legitimidade para dar prosseguimento ao caminho aberto pelo governo atual – que, apesar de ter conseguido estancar a sangria que jorrava sem freio ao assumir, possui todos os elementos para ser odiado e acabou levando a culpa pela crise que assola o país.

O problema é que os dois terços da população que não caem no conto do vigário agem despreocupada e descoordenadamente como se fosse impossível ocorrer o pior. Coletivamente pensam que a simples existência do sentimento contrário às ideias que nos trouxeram até aqui seja suficiente para impedir uma nova vitória da insensatez. Não poderiam estar mais errados.

Uns acreditam ingenuamente que a solução é chutar o pau da barraca e colocar no poder um indivíduo tosco, sem estrutura, que diz ter se convertido ao liberalismo do século 18. Outros afirmam ser a hora de alavancar partidos novos e pouco representativos ou eleger tecnocratas com bom currículo, todos com discursos redondinhos, mas sem a menor chance de vitória. Há também as dissidências que segregam inutilmente o eleitorado, diluindo um consenso que seria mais do que suficiente para endireitar o país.

Nesta toada, o segundo turno confrontará a extrema direita e um candidato esquerdista, possivelmente o representante do partido que causou o retrocesso dos últimos anos. Trata-se de disputa sem resultado favorável. É inacreditável, mas isso está prestes a ocorrer. Os preços dos ativos financeiros refletem neste momento uma nova vitória da esquerda.

O revés não ocorrerá apenas se, na véspera do primeiro turno, o eleitorado de centro agir de forma coordenada, votando no candidato que, dentre os cinco que hoje contestam o autoritarismo e a insensatez econômica, tiver a maior chance de ir para o segundo turno. Esse grupo soma hoje mais ou menos um terço. Qualquer um dos cinco candidatos moderados é capaz de vencer com facilidade o segundo turno e governar o país com lucidez.

Nenhum dos cinco chega a ser a oitava maravilha do mundo, mas estão suficientemente próximos do eleitor mediano para tentar apaziguar o país. A iniciativa de coordenação deveria partir dos próprios candidatos. Os cinco precisariam firmar um acordo em que o mais bem posicionado antes do primeiro turno receberia o apoio dos outros para garantir o predomínio do bom senso. É mais fácil observar uma revoada de burros do que isso acontecer, mas não custa sonhar.

As eleições de 2006 e de 2014 tiveram movimentações expressivas na reta final que sugerem que o eleitor parece entender suficientemente o jogo para votar “estrategicamente”. Seria mais fácil se os políticos ajudassem, mas de qualquer forma ainda há vida e, portanto, esperança. Oxalá, porque aí reside o único fiozinho de esperança que faz com que o enterro do Brasil não esteja escrito na pedra como estava o do infeliz e injustiçado Santiago Nasar.