A economia parece ter murchado. Por quê? Tem cura?
As expectativas para o crescimento da economia em 2017 perderam brilho nas últimas semanas. O ajuste até o momento é pequeno e não deve ser motivo de insônia – a sobriedade das projeções econômicas de forma geral não muda com estas variações marginais para um lado ou para o outro. Mas não deixa de ser […]
Publicado em 7 de novembro de 2016 às, 16h47.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 18h43.
As expectativas para o crescimento da economia em 2017 perderam brilho nas últimas semanas. O ajuste até o momento é pequeno e não deve ser motivo de insônia – a sobriedade das projeções econômicas de forma geral não muda com estas variações marginais para um lado ou para o outro. Mas não deixa de ser um incômodo, seja à sustentação do clima relativamente positivo que tem caracterizado a evolução de preços de ativos, seja à manutenção de algumas narrativas que, corretas na direção, parecem descontar demasiadamente os riscos existentes.
Tenho o hábito de acompanhar um grupo bem restrito de indicadores que abrangem ângulos distintos da atividade econômica. Após estudar os vaivéns de centenas de dados, observei que a média de 16 variáveis representa bem o todo – minha amostra inclui números da indústria, comércio, serviços, rendimentos, emprego, ociosidade, confiança, tributação e comércio exterior. Não é a oitava maravilha, mas não foge muito ao que usualmente se faz para tomar o pulso da conjuntura, ofício em que, quase sempre, menos é mais.
Os dados de setembro, ainda incompletos, estão apontando chance de 75% de que o PIB tenha caído 0,6% ou mais entre julho e setembro. O risco não computado de imprevistos, sempre significativo, é um pouco maior porque os dados das Contas Nacionais são revisados no terceiro trimestre e, a depender da revisão, as leituras sobre o presente e o futuro próximo podem mudar um pouco. Ainda assim, apesar da fumaça, será uma grande surpresa se no fim deste mês o IBGE não confirmar a desconfiança de que o ciclo recessivo foi um pouco pior do que o esperado e que o sinal definitivo de reversão ainda está para aparecer.
É verdade que uma contração econômica no trimestre passado é algo que se encontra “no preço” há um bom tempo. Mesmo assim, a queda do PIB, se confirmada, aumenta a pressão sobre o governo ao coroar uma sequência de frustrações que tem levado até mesmo os economistas mais conservadores a revisarem projeções para baixo. Sendo honesto, é perfeitamente possível que o futuro venha a mostrar que essas decepções foram, na verdade, distúrbios descolados da verdadeira tendência – coisa que vira e mexe ocorre com a trajetória das variáveis econômicas de um mês para o outro. O problema é que, em tese, o momento atual deveria estar sendo brindado com surpresas na outra direção, que ratificassem a melhora do sentimento dos agentes.
Neste quesito, as novidades também deixaram um pouco a desejar. A média dos diversos indicadores de confiança disponíveis sugere o registro de uma piora de humor no mês passado, a primeira desde que a onda começou a virar há seis meses. Neste caso, o sinal é mais preocupante do que a frustração dos índices de atividade por duas razões. A primeira, de cunho técnico, é que os ruídos de curtíssimo prazo da (média da) confiança tendem a ser menores, tornando mais nítido o sinal das mudanças de direção.
A segunda diz respeito à composição desbalanceada da recuperação da confiança nos últimos meses. De modo geral, os agentes encontram-se esperançosos com o futuro, mas reclamam das condições reais desfavoráveis. A derrapada de outubro pode indicar desgaste de parte da esperança, diante do que parece ser uma virada menos linear e mais demorada no presente. Se for isso, a confiança deve continuar caindo em novembro.
Em conversas com colegas, percebo que o alívio pós-impedimento começa a dar lugar a certa ansiedade. A manutenção de um fluxo favorável de notícias é imprescindível para sustentar travessias complicadas como a que o Brasil tem pela frente. A retomada do crescimento, que depende da melhora da confiança, é essencial para garantir a aprovação de reformas, sem as quais não haverá crescimento. Cada frustração, mesmo que pequena, reforça a retórica da “ala progressista” contrária às reformas, solapando as bases que podem dar tração à retomada. Na verdade, esse problema de consistência temporal explica a inexistência de projeções realmente otimistas para o curto prazo. O risco é o consenso começar a migrar para um terreno mais claramente pessimista, com tendência a se auto alimentar.
A economia patina e pode ser só um susto. Se não for, qual seria a razão?
O mundo passa por um “interregno benigno” segundo o presidente do BC. A expressão é feliz porque, de fato, a combinação de crescimento morno com liquidez abundante é instantaneamente favorável ao Brasil e demais emergentes. Por outro lado, pausas têm vida curta por definição e os ventos que hoje sopram a favor atrapalharão a qualquer momento. A situação do crédito na China, objeto de meu comentário na semana passada, é apenas um dos riscos capazes de entornar o caldo. A chance de uma zebra nas eleições americanas e de soluços com bancos europeus são também exemplos de coisas improváveis, mas não impossíveis, que causam insegurança e dificultam a recuperação da economia brasileira.
Na frente doméstica, a situação estressada do crédito é o grande abacaxi. Economistas que há pouco tempo estavam confortáveis com os possíveis efeitos benéficos da recuperação da confiança sobre o crescimento começam a perguntar se a crise atual não poderia ser caracterizada como um tipo específico de recessão, mais dura de roer. Referem-se ao problema conhecido por “balance sheet recession” ou “recessão de balanços”. A estagnação da economia japonesa nos anos 90 e, mais recentemente, a reação decepcionante das economias avançadas após a crise seriam exemplos dessa doença, que se manifesta quando o objetivo do setor privado como um todo passa a ser a minimização de passivos e que, se combinada com contração fiscal, pode se transformar em uma depressão.
A discussão é interessante e envolve, a meu ver, duas boas e uma má notícia. A primeira boa é que há uma distância razoável separando o que ocorre no Brasil atualmente do que se deu no Japão nos anos 90 e nos EUA e Reino Unido mais recentemente – faltam evidências para caracterizar a recessão brasileira como uma “recessão de balanços”. A má é que o estresse no mercado de crédito é um problema sério, que certamente está atrapalhando a recuperação da economia e poderá ser fonte de solavancos e decepções de curto prazo. A outra notícia boa é que há uma solução relativamente simples para o problema: reduzir o juro. Volto ao tema na semana que vem.