A economia descarrilou?
Os leitores dessa coluna sabem que nunca engoli o “otimismo” que passou a predominar nos comentários econômicos quando a confiança dos agentes iniciou uma reação – se é que dá para chamar de otimistas projeções de crescimento que chegaram a 2% após uma retração acumulada de 8%. Mesmo assim, fiquei surpreso com o tamanho do […]
Da Redação
Publicado em 28 de novembro de 2016 às 12h39.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h14.
Os leitores dessa coluna sabem que nunca engoli o “otimismo” que passou a predominar nos comentários econômicos quando a confiança dos agentes iniciou uma reação – se é que dá para chamar de otimistas projeções de crescimento que chegaram a 2% após uma retração acumulada de 8%. Mesmo assim, fiquei surpreso com o tamanho do esmorecimento ocorrido recentemente.
A vaca foi para o brejo?
Não existe definição universal do que seria exatamente o brejo, mas dá para afirmar que a deterioração do cenário deve-se a fatores externos e domésticos que tendem a incomodar por mais um tempo. Se for verdade que o fundo do poço não está longe, sair do buraco será uma azáfama épica.
A dificuldade principal reside na interdependência entre o cenário econômico e o político. Se a economia estivesse bem, a política tenderia a dar mais suporte à retomada, gerando um ciclo virtuoso. Com a economia tropeçando, aumenta o risco de que a política também atrapalhe.
Como se não bastasse, muitos de nossos representantes tentam desesperadamente salvar o pescoço e isso tende a mudar incentivos e prioridades. Para completar, o quadro externo está também conturbado. Seria estranho se, neste cipoal, a economia brasileira iniciasse uma trajetória de recuperação livre de vaivens.
A perda de dinamismo da economia global tem se revelado persistente. A produtividade dos países ricos patina por razões estruturais e circunstanciais. No primeiro grupo, destacam-se o envelhecimento das populações e o fato de que o progresso técnico, além de descontínuo, tem efeitos colaterais que tendem a causar fissuras.
Circunstancialmente, os deslocamentos provocados pela reorganização das economias após a crise financeira, além de recessivos, têm evocado um pessimismo nostálgico facilmente explorável por oportunistas. Na medida em que a onda retrocede e as economias se fecham, reforça-se a perda de dinamismo que ocorreria normalmente.
Fortalece-se, portanto, a ideia de que o resultado da eleição americana piorou as perspectivas da economia mundial mesmo que o novo presidente revele-se mais razoável que o candidato – o que parece provável. Neste contexto, não dá para saber onde nem quando, mas a chance de haver novos eventos desfavoráveis à globalização é elevada.
E a China? A China pode ser uma esperança para o longo prazo se a Roda da Fortuna desfizer a trama maquinada no Século XV, quando o gigante asiático resolveu adotar uma política isolacionista abrindo espaço para a ascensão do Ocidente. Sob este prisma, o avanço do nacionalismo protecionista é uma oportunidade de ouro para os chineses empatarem o jogo – saberemos daqui uns dois ou três séculos.
Enquanto isso, no médio prazo, é mais provável que a China seja fonte de dissabores porque a combinação de queda de produtividade, bolha de crédito e fragmentação crescente de fontes de financiamento lembram em muitos aspectos duas palavras: Lehman e Brothers.
Mesmo que não ocorra um colapso, evitá-lo implicará crescimento bem menor do que os 6% visados pelo governo. Isso será suficiente para chacoalhar o mundo – especialmente nações como o Brasil. É claro que o dia do juízo final poderá ser empurrado com a barriga e há evidências sugerindo que o governo está determinado em manter a roda girando – vide as intervenções para manter controladas as taxas de juros no mercado interbancário.
Mas, seguindo a frase mais famosa de Herbert Stein, aquilo que não pode continuar para sempre um dia acaba. Para a Economist Intelligence Unit, o tranco virá em 2018. Na verdade, nem eles acreditam piamente na aposta porque, se acreditassem, ajustariam o cenário para os outros países de acordo com a premissa para a China. Mas é possível que eles estejam certos e a mera existência dessa possibilidade atrapalha a recuperação da economia global no presente.
E a Europa? O experimento do Euro tem exigido do ponto de vista político um senso de união que soa cada vez mais irrealista. No entanto, sem o mínimo de fraternidade, as coisas perdem sentido do ponto de vista econômico. O superávit externo da Alemanha é de quase 9% do PIB e esta poupança gigantesca não serve para aliviar os estresses nos países deficitários – algo que ocorre naturalmente na relação econômica entre, digamos, São Paulo e Piauí.
A Itália, por exemplo, tem um segmento relevante de sua indústria que é moderna e viável, mas que é estrangulada pelas restrições históricas do país, agravadas por um Euro forte demais para dar conta do “Custo-Itália” – algo evidentemente frustrante. O sistema bancário precisa de ajuda, mas as regras do clube não permitem que isso seja feito sem que os credores das instituições paguem uma parte. Este desenho faz sentido em países como Alemanha, França, Holanda e Espanha em que os donos da grana são “investidores qualificados”. Na Itália, os papéis são carregados pela Nonna e pelo Nonno, criando um impasse político quase intransponível.
É fácil entender porque muitos italianos estão perdendo a paciência com os argumentos dos economistas e preferindo dar ouvidos aos palpites econômicos de comediantes – tendência que, diga-se, também é crescente no Brasil. Pelo andar da carruagem, dada a aposta arriscada do Primeiro Ministro em uma reforma constitucional discutível, pode ser que em breve os italianos sejam chamados a votar se a país deverá ou não continuar a usar a moeda comum. Se essa consulta ocorrer, será surpreendente ser for favorável ao Euro.
O bom senso coletivo corre o risco de fraquejar também em outros países “sistemicamente relevantes”. Neste panorama externo complicado, o governo brasileiro tentará tirar da cartola uma Reforma da Previdência, ainda desconhecida, mas que passará com facilidade apenas ser for irrelevante. A aprovação de um projeto minimamente eficaz seria tarefa difícil até para um governo recém eleito com mandato para encaminhá-lo. Não é o caso.
Tropeços e hesitações seriam previsíveis em um governo que, apesar de disposto a endireitar a economia, dependesse de gente suspeita em um país que parece determinado a passar a limpo o passado de roubalheiras, o que é positivo. Não há como negar, no entanto, que as incertezas geradas pela purgação têm o efeito indesejável de atrapalhar a recuperação da economia.
A desorganização provocada pelo colapso das principais empreiteiras agrava o estresse do crédito. Produtividade baixa e ociosidade elevada não propiciam investimentos. A bala de prata representada pela possibilidade de atrair o setor privado a deslanchar projetos de infraestrutura parece estar na geladeira. Tudo isso fica pior com o sistema político acuado pela justiça.
Difícil esperar que o quadro seja qualitativamente distinto deste no futuro próximo. Não será necessariamente desastroso, pode até ser um pouco melhor, mas não muito. Respondendo a pergunta do título: a economia não descarrilou. Ela simplesmente não entrou nos trilhos.
Os leitores dessa coluna sabem que nunca engoli o “otimismo” que passou a predominar nos comentários econômicos quando a confiança dos agentes iniciou uma reação – se é que dá para chamar de otimistas projeções de crescimento que chegaram a 2% após uma retração acumulada de 8%. Mesmo assim, fiquei surpreso com o tamanho do esmorecimento ocorrido recentemente.
A vaca foi para o brejo?
Não existe definição universal do que seria exatamente o brejo, mas dá para afirmar que a deterioração do cenário deve-se a fatores externos e domésticos que tendem a incomodar por mais um tempo. Se for verdade que o fundo do poço não está longe, sair do buraco será uma azáfama épica.
A dificuldade principal reside na interdependência entre o cenário econômico e o político. Se a economia estivesse bem, a política tenderia a dar mais suporte à retomada, gerando um ciclo virtuoso. Com a economia tropeçando, aumenta o risco de que a política também atrapalhe.
Como se não bastasse, muitos de nossos representantes tentam desesperadamente salvar o pescoço e isso tende a mudar incentivos e prioridades. Para completar, o quadro externo está também conturbado. Seria estranho se, neste cipoal, a economia brasileira iniciasse uma trajetória de recuperação livre de vaivens.
A perda de dinamismo da economia global tem se revelado persistente. A produtividade dos países ricos patina por razões estruturais e circunstanciais. No primeiro grupo, destacam-se o envelhecimento das populações e o fato de que o progresso técnico, além de descontínuo, tem efeitos colaterais que tendem a causar fissuras.
Circunstancialmente, os deslocamentos provocados pela reorganização das economias após a crise financeira, além de recessivos, têm evocado um pessimismo nostálgico facilmente explorável por oportunistas. Na medida em que a onda retrocede e as economias se fecham, reforça-se a perda de dinamismo que ocorreria normalmente.
Fortalece-se, portanto, a ideia de que o resultado da eleição americana piorou as perspectivas da economia mundial mesmo que o novo presidente revele-se mais razoável que o candidato – o que parece provável. Neste contexto, não dá para saber onde nem quando, mas a chance de haver novos eventos desfavoráveis à globalização é elevada.
E a China? A China pode ser uma esperança para o longo prazo se a Roda da Fortuna desfizer a trama maquinada no Século XV, quando o gigante asiático resolveu adotar uma política isolacionista abrindo espaço para a ascensão do Ocidente. Sob este prisma, o avanço do nacionalismo protecionista é uma oportunidade de ouro para os chineses empatarem o jogo – saberemos daqui uns dois ou três séculos.
Enquanto isso, no médio prazo, é mais provável que a China seja fonte de dissabores porque a combinação de queda de produtividade, bolha de crédito e fragmentação crescente de fontes de financiamento lembram em muitos aspectos duas palavras: Lehman e Brothers.
Mesmo que não ocorra um colapso, evitá-lo implicará crescimento bem menor do que os 6% visados pelo governo. Isso será suficiente para chacoalhar o mundo – especialmente nações como o Brasil. É claro que o dia do juízo final poderá ser empurrado com a barriga e há evidências sugerindo que o governo está determinado em manter a roda girando – vide as intervenções para manter controladas as taxas de juros no mercado interbancário.
Mas, seguindo a frase mais famosa de Herbert Stein, aquilo que não pode continuar para sempre um dia acaba. Para a Economist Intelligence Unit, o tranco virá em 2018. Na verdade, nem eles acreditam piamente na aposta porque, se acreditassem, ajustariam o cenário para os outros países de acordo com a premissa para a China. Mas é possível que eles estejam certos e a mera existência dessa possibilidade atrapalha a recuperação da economia global no presente.
E a Europa? O experimento do Euro tem exigido do ponto de vista político um senso de união que soa cada vez mais irrealista. No entanto, sem o mínimo de fraternidade, as coisas perdem sentido do ponto de vista econômico. O superávit externo da Alemanha é de quase 9% do PIB e esta poupança gigantesca não serve para aliviar os estresses nos países deficitários – algo que ocorre naturalmente na relação econômica entre, digamos, São Paulo e Piauí.
A Itália, por exemplo, tem um segmento relevante de sua indústria que é moderna e viável, mas que é estrangulada pelas restrições históricas do país, agravadas por um Euro forte demais para dar conta do “Custo-Itália” – algo evidentemente frustrante. O sistema bancário precisa de ajuda, mas as regras do clube não permitem que isso seja feito sem que os credores das instituições paguem uma parte. Este desenho faz sentido em países como Alemanha, França, Holanda e Espanha em que os donos da grana são “investidores qualificados”. Na Itália, os papéis são carregados pela Nonna e pelo Nonno, criando um impasse político quase intransponível.
É fácil entender porque muitos italianos estão perdendo a paciência com os argumentos dos economistas e preferindo dar ouvidos aos palpites econômicos de comediantes – tendência que, diga-se, também é crescente no Brasil. Pelo andar da carruagem, dada a aposta arriscada do Primeiro Ministro em uma reforma constitucional discutível, pode ser que em breve os italianos sejam chamados a votar se a país deverá ou não continuar a usar a moeda comum. Se essa consulta ocorrer, será surpreendente ser for favorável ao Euro.
O bom senso coletivo corre o risco de fraquejar também em outros países “sistemicamente relevantes”. Neste panorama externo complicado, o governo brasileiro tentará tirar da cartola uma Reforma da Previdência, ainda desconhecida, mas que passará com facilidade apenas ser for irrelevante. A aprovação de um projeto minimamente eficaz seria tarefa difícil até para um governo recém eleito com mandato para encaminhá-lo. Não é o caso.
Tropeços e hesitações seriam previsíveis em um governo que, apesar de disposto a endireitar a economia, dependesse de gente suspeita em um país que parece determinado a passar a limpo o passado de roubalheiras, o que é positivo. Não há como negar, no entanto, que as incertezas geradas pela purgação têm o efeito indesejável de atrapalhar a recuperação da economia.
A desorganização provocada pelo colapso das principais empreiteiras agrava o estresse do crédito. Produtividade baixa e ociosidade elevada não propiciam investimentos. A bala de prata representada pela possibilidade de atrair o setor privado a deslanchar projetos de infraestrutura parece estar na geladeira. Tudo isso fica pior com o sistema político acuado pela justiça.
Difícil esperar que o quadro seja qualitativamente distinto deste no futuro próximo. Não será necessariamente desastroso, pode até ser um pouco melhor, mas não muito. Respondendo a pergunta do título: a economia não descarrilou. Ela simplesmente não entrou nos trilhos.