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A economia decepcionou, mas é cedo para jogar a toalha

O resultado do PIB divulgado na semana passada coroou o desastre arquitetado pela heterodoxia da “Nova Matriz Econômica”. No último trimestre de 2016, a economia encolheu 0,9% e, no acumulado ano, 3,6%. A demanda doméstica voltou a 2009, como se o governo Dilma não tivesse existido. A partir das informações conhecidas, o G20 – grupo […]

CONSUMO: (Paulo Whitaker/Reuters)
CONSUMO: (Paulo Whitaker/Reuters)
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Celso Toledo

Publicado em 13 de março de 2017 às, 12h57.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 18h21.

O resultado do PIB divulgado na semana passada coroou o desastre arquitetado pela heterodoxia da “Nova Matriz Econômica”. No último trimestre de 2016, a economia encolheu 0,9% e, no acumulado ano, 3,6%. A demanda doméstica voltou a 2009, como se o governo Dilma não tivesse existido. A partir das informações conhecidas, o G20 – grupo das economias mais relevantes – apresentou desempenho semelhante, mas com sinal invertido: cresceu 0,7% e 3,0% em bases comparáveis. Não resta dúvida: o Brasil caiu sozinho por conta das barbeiragens do governo.

Desde setembro último, a política econômica passou a ser pautada de forma convencional por uma equipe de alto gabarito – mas, infelizmente, sob a batuta de um governo que aparenta ser tão desonesto quanto o anterior. O otimismo inicial propiciado pela mudança de rumo murchou rapidamente e, hoje, a expectativa consensual para o crescimento em 2017 gira em torno de 0,5% – um resultado para lá de ridículo quando se tem em vista a base deprimida. Só não mais ridículo do que as análises sugerindo que o pibinho é fruto das políticas “neoliberais” do Temer.

É hora de jogar a toalha? Não necessariamente. Pelo contrário, agora que os cenários panglossianos foram engavetados a favor de uma visão mais sóbria, é provável que tenhamos surpresas favoráveis logo mais. Se não, vejamos.

O que é preciso acontecer para a economia destravar? Antes de responder, deve-se aceitar o pressuposto de que o Brasil continua tão produtivo quanto no passado recente, ou seja, que o potencial anual de crescimento no longo prazo é de algo entre 2,0% e 2,5%. Não é uma hipótese muito restritiva, pois este é o ritmo que não depende de grandes reformas, quase vegetativo, em que a economia não se aproxima da fronteira tecnológica e permanece com as distorções que tornam o capital relativamente mais caro aqui do que fora. É o consenso.

Uma vez aceito este pressuposto, a retomada cíclica depende de duas coisas: (i) confiança e (ii) crédito. Primeiro, é necessário ter confiança de que o governo não morderá os frutos dos investimentos. Um dos pré-requisitos para dormir tranquilo diante de um governo rapace com histórico duvidoso é verificar que ele respeita a restrição orçamentária intertemporal. A confiança em Dilma soçobrou quando ficou claro que ela não ligava a mínima para este detalhe.

A confiança é uma condição necessária. Para ser suficiente, é preciso haver crédito. Sem crédito, a atividade econômica fica asfixiada. Não adianta ser produtivo e ter confiança na responsabilidade do governo se não houver fundos disponíveis para bancar as empreitadas. Resumindo, se o potencial de crescimento do país não tiver mudado, se houver confiança e se o crédito voltar, a retomada passa a ser questão de tempo. O otimismo exagerado que se instalou após o impeachment implicava uma dinâmica mais favorável para a confiança e para o crédito do que a que efetivamente se verificou. Isso não significa que o jogo está perdido.

O que se passa com os termômetros para as principais variáveis?

Como há inúmeros indicadores de confiança, tenho preferência pelo monitoramento de uma média para evitar distorções e minimizar a propensão que temos de selecionar as informações mais ajustadas à história que queremos contar. O índice que acompanho agrega 30 indicadores que fazem parte de sondagens junto a consumidores e empresários de diversos segmentos.

Os números mostram que a confiança exibiu recuperação extraordinária entre abril e setembro do ano passado em antecipação à mudança de governo. Desde então, quando começou a ficar claro que o buraco era mais profundo o indicador parou de melhorar e tem oscilado sem tendência. No patamar em que se encontra atualmente, o índice é coerente com crescimento nulo – daí a frustração de quem imaginava expansão de 2,0% ou mais em 2017.

No tocante ao crédito, uma estatística chave é o prêmio cobrado pelas instituições para emprestar recursos às empresas – cujas escolhas, em última análise, determinam o ciclo econômico. Ele subiu de 12,5 pontos (média entre 2012 e 2014) para um pouco mais de 18% no terceiro trimestre do ano passado. Este patamar é incompatível com a atividade econômica. Quem aceita pagar um juro desses está com a corda no pescoço. Não admira, portanto, um estudo do IBMEC ter mostrado que 22% do total de crédito e títulos no mercado de capitais eram de empresas cujo EBITDA não cobria as despesas financeiras.

O arrasto dessa situação estressada atrapalhou e continua atrapalhando a retomada, apesar da melhora da confiança. Diante disso, onde está a boa notícia?

Ela está no fato de que a inflação encontra-se em queda livre, o que permite ao BC afrouxar a política monetária. A taxa Selic ruma a passos largos para 9,0% ao ano, talvez menos. A última ata do Copom deixou o caminho aberto para uma aceleração do ritmo de distensão da política monetária na próxima reunião – coisa que está ficando cada vez mais provável. Se o passado é um bom guia, o prêmio cobrado das empresas deverá acompanhar a Selic e, dentro de um ano mais ou menos, deverá voltar para perto dos 12% ou 13% de alguns anos atrás. No quarto trimestre de 2016, o prêmio já caiu um pouquinho. Deverá continuar a tendência no primeiro de 2017.

E aí? Pelas minhas contas, se nada mudar com a confiança e com o crédito, o Brasil caminha para mais uma pequena recessão neste ano e certamente no próximo (pelo aumento da incerteza política). Mas as coisas estão mudando. Se o estresse do mercado de crédito estiver caminhando para a normalização, como parece, a economia deve voltar a crescer em ritmo anualizado de 2% no segundo ou terceiro trimestres. O alívio do crédito deverá dar suporte à melhora da confiança e vice-versa. Não é difícil chegar em simulações com crescimento de 3% ou mais para o ano que vem com hipóteses apenas ligeiramente otimistas (que descartam, por exemplo, um cenário de crise externa ou um cataclismo político).

Além disso, a economia não deverá ser afetada negativamente por fatores meteorológicos, como no ano passado. O PIB agropecuário deverá voar em 2017, com efeitos multiplicadores positivos para o restante da economia. E, para terminar, como comentei na semana passada, nossos termos de troca têm melhorado, o que atenua o efeito negativo do fortalecimento do real sobre a geração de caixa dos exportadores. Ou seja, é possível que o setor externo volte a contribuir positivamente ou, pelo menos, não atrapalhe tanto.

O consenso para o crescimento neste ano deve ter chegado ao fundo do poço. Daqui para frente, as projeções devem se estabilizar para o curto prazo e melhorar para o médio.

celsonovo