Exame.com
Continua após a publicidade

A diferença entre Alexander Hamilton e Arno Augustin

A autodenominada “ala progressista” tem um diagnóstico peculiar para a crise fiscal. Para os economistas ligados ao PT, o problema resulta de transferências excessivas ao “capital rentista”. A solução viria com “vontade política” para cortar na raiz a despesa inútil, liberando bilhões para estimular a economia. Implicitamente há a premissa de que o governo consegue estimular […]

ARNO AUGUSTIN: o ex-secretário do Tesouro nunca concordou com a subordinação aos “interesses do capital rentista” / Elza Fiúza/Agência Brasil
ARNO AUGUSTIN: o ex-secretário do Tesouro nunca concordou com a subordinação aos “interesses do capital rentista” / Elza Fiúza/Agência Brasil
C
Celso Toledo

Publicado em 25 de abril de 2016 às, 12h34.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às, 18h31.

A autodenominada “ala progressista” tem um diagnóstico peculiar para a crise fiscal. Para os economistas ligados ao PT, o problema resulta de transferências excessivas ao “capital rentista”. A solução viria com “vontade política” para cortar na raiz a despesa inútil, liberando bilhões para estimular a economia. Implicitamente há a premissa de que o governo consegue estimular o crescimento gastando o dinheiro público, mas isso é considerado um detalhe. Aceito o pressuposto, trata-se de verdadeiro ovo de Colombo para colocar o Brasil na rota certa.

Infelizmente, soluções simples para problemas complexos normalmente estão erradas. Nesse caso, é fácil entender o equívoco. Os poupadores tomam alguns cuidados para evitar calotes quando emprestam seus recursos. É mais confortável trabalhar com devedores com bom histórico, boas referências, pouco endividados e com renda em crescimento. Sejam eles pessoas, empresas ou governos, esses devedores não têm dificuldade de encontrar crédito em condições razoáveis por uma razão simples: os donos do dinheiro competem entre si para tê-los como clientes. Se o crédito for bom, o dinheiro é barato. Se for arriscado, o dinheiro é caro. Evidentemente, quem decide é o dono do recurso.

Os devedores de má qualidade costumam odiar os poupadores pelos juros “abusivos”. Aí está o viés da análise da “ala progressista”: não reconhecer que a qualidade do crédito do governo brasileiro piorou sensivelmente com os fracassos dos últimos anos. Sem esse reconhecimento, resta acreditar que o tamanho dos juros é mesmo fruto de alguma conspiração.

A história americana serve de contraexemplo. Endividado até o pescoço após a Guerra da Independência, o país adotou medidas para desenvolver o mercado de capitais para financiar o setor público. Sob a batuta competente de Alexander Hamilton, as obrigações de guerra foram convertidas em títulos, e mecanismos foram criados para garantir o serviço da dívida — por exemplo, um fundo com receitas de vendas de terras. Hamilton acreditava que o respeito aos contratos e a segurança de que os compromissos seriam honrados eram condições essenciais para desenvolver o mercado da dívida americana.

Desde então, os Estados Unidos nunca deram calote na dívida pública nem renegociaram seus termos. Atualmente, o conceito dos títulos do governo americano é tão elevado que, no ápice da crise financeira, as treasuries foram escolhidas como a opção mais segura. Quando a coisa fica feia, corre-se para os títulos americanos porque eles provavelmente serão honrados.

Infelizmente, a história brasileira é diferente. Experimentos que ainda agradam à “ala progressista” resultaram em diversos calotes ao longo da história. Desde 1800, o país repudiou contratos ou renegociou seus termos com credores externos em nove oportunidades. Em média, a cada cinco anos, o Brasil esteve insolvente em um. Além dos calotes da dívida externa, devem ser incluídos episódios como os expurgos de índices de preços, a inflação crônica e ascendente da segunda metade dos anos 80 e o “confisco” do Plano Collor. Esses eventos são equivalentes a calotes internos.

Não surpreende, portanto, que os credores torçam o nariz para a dívida pública brasileira, especialmente quando a política econômica passa a ser ditada pela “ala progressista”. De 2003 a 2012, contrariando a cartilha do PT, os governos Lula e Dilma pouparam recursos para controlar a elevação do endividamento, registrando superávits primários da ordem de 3%. O Brasil ganhou selo de bom pagador e a conta de juros caiu de 8,4% do PIB para 4,5% do PIB.

Alexander Hamilton não teria feito melhor. Mas o secretário do Tesouro era Arno Augustin, que nunca concordou com a subordinação brasileira aos “interesses do capital rentista”. Em 2012, o governo apostou as fichas numa política coerente com o pensamento “progressista”, inaugurando com festa a “nova matriz econômica”.

Acreditava-se que a economia de recursos que dava previsibilidade aos compradores de títulos públicos era um grande desperdício. Manobras contábeis foram usadas para fingir respeito à Lei de Responsabilidade Fiscal e bilhões de reais foram distribuídos com o objetivo declarado de promover o desenvolvimento.

Os superávits primários desapareceram, os agentes econômicos perderam a confiança na política econômica, a economia passou a encolher e a inflação saiu do controle. A conta de juros subiu para 10,3% do PIB. Feito o estrago, a “ala progressista” insiste em afirmar que o fracasso é fruto de uma conspiração e continua pregando “vontade política” para livrar o Brasil dos “rentistas”. Para esse segmento da sociedade, progresso equivale a dobrar a aposta numa fórmula que acabou com as economias da Argentina e da Venezuela e colocou o Brasil na pior recessão desde 1930.

celosnovo