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A batalha da previdência: possível, necessária e insuficiente

Reformas da previdência geram benefícios difusos e custos concentrados. Boa parte dos favorecidos ainda nem existe e, quando existem, não têm poder de voto. A geração que está para se aposentar, por sua vez, batalhou bastante e fez escolhas que hoje evidentemente são irreversíveis. É fácil para esta camada denunciar de forma convincente o lado […]

JOSÉ DIRCEU: O ex-ministro José Dirceu, que está preso desde agosto de 2015 pela Operação Lava Jato / Vagner Rosário / VEJA.com (Vagner Rosário/VEJA)
DR

Da Redação

Publicado em 13 de fevereiro de 2017 às 18h23.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 17h51.

Reformas da previdência geram benefícios difusos e custos concentrados. Boa parte dos favorecidos ainda nem existe e, quando existem, não têm poder de voto. A geração que está para se aposentar, por sua vez, batalhou bastante e fez escolhas que hoje evidentemente são irreversíveis. É fácil para esta camada denunciar de forma convincente o lado “injusto” das reformas, sobretudo quando se leva em conta o ônus desproporcional e inevitável sobre os menos favorecidos.

A encrenca se complica porque os principais elementos do sistema previdenciário estão abrigados na Constituição e, por isso, somente podem ser alterados com o apoio de três quintos dos deputados e senadores, em duas rodadas. Com base nesta sinopse, se pedíssemos a um observador alienígena um palpite sobre as perspectivas de uma reforma da previdência no Brasil ele certamente seria comedido e, muito provavelmente, pessimista.

Apesar disso, FHC e Lula conseguiram avançar a agenda. Ambos enviaram propostas no começo dos mandatos, no auge das respectivas “luas de mel”. A proposta de FHC foi ambiciosa no escopo e na tentativa de desconstitucionalização da matéria. A tramitação foi atribulada e muita coisa ficou de fora. A versão final levou 1358 dias para ser aprovada. Lula foi menos ambicioso e preferiu concentrar-se no regime dos servidores públicos. Contou com o apoio decisivo da oposição e teve que amargar o surgimento do PSOL. O texto final foi emplacado após 233 dias.

As reformas de FHC e Lula representaram passos importantes, mas insuficientes para garantir a consistência atuarial da previdência e a sustentabilidade das contas públicas. A tarefa de dar um passo a mais caiu no colo de um presidente impopular e abrigado por um telhado de vidro bem fininho – enquanto o país tenta passar a limpo o maior escândalo de corrupção de sua história. O prazo útil para ganhar o jogo é curtíssimo porque a corrida presidencial esquentará logo mais. Será que Temer conseguirá bater o recorde de 233 dias que hoje está com Lula?

A favor dele contam alguns pontos: (i) é relativamente fácil estimular a economia (e colher os dividendos políticos) após uma recessão brutal causada basicamente por incompetência; (ii) a crise profunda propicia um “senso de urgência” na sociedade, favorável à discussão de temas polêmicos; (iii) a oposição saiu enfraquecida do impeachment; (iv) o presidente não deverá ser candidato, dialoga bem com o exército de trapaceiros que ocupa a casa do povo e tem a chance de entrar para a história como autor de um belo gol.

A necessidade da reforma da previdência não deveria suscitar debates. A (falsa) controvérsia se dá pelo jogo de interesses e é muito facilitada pela complexidade do tema, que facilita a invenção de falácias. O mito mais surreal é o de que não há déficit da previdência. O estrago da cortina de fumaça só não é maior porque há contrapontos lúcidos, como a insuspeita defesa da reforma feita por Ricardo Berzoini e José Dirceu na exposição de motivos da PEC que Lula levou ao congresso acompanhado de todos os governadores.

Segundo os ex-ministros, “a modernização e reforma do sistema previdenciário brasileiro desfrutam de posição de destaque como um dos instrumentos de um novo modelo de desenvolvimento que englobe crescimento, emprego e equidade social. Há (…) necessidade de desenhar uma solução estrutural para a questão previdenciária que garanta a proteção social não apenas hoje, mas também para as próximas gerações”. O arrazoado prossegue mencionando a importância da reforma para adequação ao “novo perfil demográfico brasileiro”, para permitir a “melhoria dos resultados fiscais” e, sobretudo, para garantir “que as obrigações decorrentes das previsões constitucionais serão, efetivamente, cumpridas (…) sem privar o restante da sociedade dos recursos necessários para o crescimento e desenvolvimento”.

De forma simples, o problema pode ser resumido da seguinte forma. A previdência abocanha uma parcela substancial do orçamento público e a fatia tende a crescer fortemente porque (i) as pessoas costumam se aposentar relativamente cedo, (ii) estão vivendo cada vez mais e (iii) o país está envelhecendo. Não dá mais para cobrir o rombo emitindo dívida e o espaço para empurrar com a barriga elevando a carga tributária ou correndo atrás de receitas extras é limitado.

Desde o início dos anos 90, aproximadamente dois terços do crescimento do gasto primário do setor público foram para a previdência (um pouco para assistência). Como proporção do PIB, o dispêndio com aposentados é semelhante ao do Japão, mas a proporção de idosos no país asiático é três vezes maior. Penduramos as chuteiras com menos de 60 anos, cerca de 4 ou 5 anos abaixo do que se vê em países desenvolvidos. Esta diferença é colossal.

A bomba relógio demográfica fecha o cenário: atualmente, a fatia de idosos no Brasil corresponde a aproximadamente 12% da população. Em 2026, ela subirá para 17% e, em 2050, para 36%. Evidentemente a parcela economicamente ativa não topará (nem terá como) pagar a conta. Resumindo, o contrato vigente não para em pé. Ou a sociedade aceita a renegociação ordenada dos termos, ou a “solução” virá na marra pela via inflacionária (com consequências sociais perversas). Será preciso apertar o cinto, ganhar eficiência, elevar um pouco a carga tributária e levar a sério a PEC do teto, aprovada no ano passado. A nova PEC da previdência é um passo para tentar evitar que o teto seja ultrapassado. Infelizmente não é suficiente.

Um exercício de simulação feito pela MCM Consultores com premissas convencionais mostra que, sem a reforma, os gastos previdenciários deverão abocanhar um pouco mais do que 1% do PIB em dez anos. A reforma proposta, aplicada na totalidade, seria capaz de estancar o crescimento em algumas circunstâncias. Certamente, no entanto, ela será “desidratada” pelo Congresso, provavelmente na direção de garantir uma transição mais suave.

Se 80% da reforma da previdência proposta for efetivada, a PEC do teto só será cumprida com: (i) adoção de medidas complementares de austeridade que reduzam o crescimento de outras rubricas “obrigatórias” ou (ii) pelo virtual “fechamento” da máquina pública. A crise dos Estados mostra que qualquer uma das duas vias é extremamente difícil social e politicamente. Ou seja, o esforço está apenas começando. O resto da conta terá que ser paga por quem sentar na cadeira em 2018 – se esta pessoa não se eleger negando o problema, é claro.

celsonovo

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Reformas da previdência geram benefícios difusos e custos concentrados. Boa parte dos favorecidos ainda nem existe e, quando existem, não têm poder de voto. A geração que está para se aposentar, por sua vez, batalhou bastante e fez escolhas que hoje evidentemente são irreversíveis. É fácil para esta camada denunciar de forma convincente o lado “injusto” das reformas, sobretudo quando se leva em conta o ônus desproporcional e inevitável sobre os menos favorecidos.

A encrenca se complica porque os principais elementos do sistema previdenciário estão abrigados na Constituição e, por isso, somente podem ser alterados com o apoio de três quintos dos deputados e senadores, em duas rodadas. Com base nesta sinopse, se pedíssemos a um observador alienígena um palpite sobre as perspectivas de uma reforma da previdência no Brasil ele certamente seria comedido e, muito provavelmente, pessimista.

Apesar disso, FHC e Lula conseguiram avançar a agenda. Ambos enviaram propostas no começo dos mandatos, no auge das respectivas “luas de mel”. A proposta de FHC foi ambiciosa no escopo e na tentativa de desconstitucionalização da matéria. A tramitação foi atribulada e muita coisa ficou de fora. A versão final levou 1358 dias para ser aprovada. Lula foi menos ambicioso e preferiu concentrar-se no regime dos servidores públicos. Contou com o apoio decisivo da oposição e teve que amargar o surgimento do PSOL. O texto final foi emplacado após 233 dias.

As reformas de FHC e Lula representaram passos importantes, mas insuficientes para garantir a consistência atuarial da previdência e a sustentabilidade das contas públicas. A tarefa de dar um passo a mais caiu no colo de um presidente impopular e abrigado por um telhado de vidro bem fininho – enquanto o país tenta passar a limpo o maior escândalo de corrupção de sua história. O prazo útil para ganhar o jogo é curtíssimo porque a corrida presidencial esquentará logo mais. Será que Temer conseguirá bater o recorde de 233 dias que hoje está com Lula?

A favor dele contam alguns pontos: (i) é relativamente fácil estimular a economia (e colher os dividendos políticos) após uma recessão brutal causada basicamente por incompetência; (ii) a crise profunda propicia um “senso de urgência” na sociedade, favorável à discussão de temas polêmicos; (iii) a oposição saiu enfraquecida do impeachment; (iv) o presidente não deverá ser candidato, dialoga bem com o exército de trapaceiros que ocupa a casa do povo e tem a chance de entrar para a história como autor de um belo gol.

A necessidade da reforma da previdência não deveria suscitar debates. A (falsa) controvérsia se dá pelo jogo de interesses e é muito facilitada pela complexidade do tema, que facilita a invenção de falácias. O mito mais surreal é o de que não há déficit da previdência. O estrago da cortina de fumaça só não é maior porque há contrapontos lúcidos, como a insuspeita defesa da reforma feita por Ricardo Berzoini e José Dirceu na exposição de motivos da PEC que Lula levou ao congresso acompanhado de todos os governadores.

Segundo os ex-ministros, “a modernização e reforma do sistema previdenciário brasileiro desfrutam de posição de destaque como um dos instrumentos de um novo modelo de desenvolvimento que englobe crescimento, emprego e equidade social. Há (…) necessidade de desenhar uma solução estrutural para a questão previdenciária que garanta a proteção social não apenas hoje, mas também para as próximas gerações”. O arrazoado prossegue mencionando a importância da reforma para adequação ao “novo perfil demográfico brasileiro”, para permitir a “melhoria dos resultados fiscais” e, sobretudo, para garantir “que as obrigações decorrentes das previsões constitucionais serão, efetivamente, cumpridas (…) sem privar o restante da sociedade dos recursos necessários para o crescimento e desenvolvimento”.

De forma simples, o problema pode ser resumido da seguinte forma. A previdência abocanha uma parcela substancial do orçamento público e a fatia tende a crescer fortemente porque (i) as pessoas costumam se aposentar relativamente cedo, (ii) estão vivendo cada vez mais e (iii) o país está envelhecendo. Não dá mais para cobrir o rombo emitindo dívida e o espaço para empurrar com a barriga elevando a carga tributária ou correndo atrás de receitas extras é limitado.

Desde o início dos anos 90, aproximadamente dois terços do crescimento do gasto primário do setor público foram para a previdência (um pouco para assistência). Como proporção do PIB, o dispêndio com aposentados é semelhante ao do Japão, mas a proporção de idosos no país asiático é três vezes maior. Penduramos as chuteiras com menos de 60 anos, cerca de 4 ou 5 anos abaixo do que se vê em países desenvolvidos. Esta diferença é colossal.

A bomba relógio demográfica fecha o cenário: atualmente, a fatia de idosos no Brasil corresponde a aproximadamente 12% da população. Em 2026, ela subirá para 17% e, em 2050, para 36%. Evidentemente a parcela economicamente ativa não topará (nem terá como) pagar a conta. Resumindo, o contrato vigente não para em pé. Ou a sociedade aceita a renegociação ordenada dos termos, ou a “solução” virá na marra pela via inflacionária (com consequências sociais perversas). Será preciso apertar o cinto, ganhar eficiência, elevar um pouco a carga tributária e levar a sério a PEC do teto, aprovada no ano passado. A nova PEC da previdência é um passo para tentar evitar que o teto seja ultrapassado. Infelizmente não é suficiente.

Um exercício de simulação feito pela MCM Consultores com premissas convencionais mostra que, sem a reforma, os gastos previdenciários deverão abocanhar um pouco mais do que 1% do PIB em dez anos. A reforma proposta, aplicada na totalidade, seria capaz de estancar o crescimento em algumas circunstâncias. Certamente, no entanto, ela será “desidratada” pelo Congresso, provavelmente na direção de garantir uma transição mais suave.

Se 80% da reforma da previdência proposta for efetivada, a PEC do teto só será cumprida com: (i) adoção de medidas complementares de austeridade que reduzam o crescimento de outras rubricas “obrigatórias” ou (ii) pelo virtual “fechamento” da máquina pública. A crise dos Estados mostra que qualquer uma das duas vias é extremamente difícil social e politicamente. Ou seja, o esforço está apenas começando. O resto da conta terá que ser paga por quem sentar na cadeira em 2018 – se esta pessoa não se eleger negando o problema, é claro.

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