A alta recente do dólar marca uma mudança de marcha dos mercados?
Agora que a recuperação econômica virou consenso, o mercado tem enfrentado mais dificuldade em encontrar razões para dar sustentação ao otimismo
Publicado em 20 de novembro de 2017 às, 14h07.
And don’t speak too soon for the wheel’s still in spin
(…)
For the times they are a-changin’
Bob Dylan
O preço do dólar é um bom termômetro para avaliar o andamento do cenário econômico, pois reage com rapidez às novidades e é relativamente simples diferenciar os movimentos causados por eventos externos dos suscitados por variações das condições domésticas.
Quando emplaquei o último artigo antes da coluna hibernar por algumas semanas, o dólar oscilava ao redor de R$ 3,15 com variabilidade baixíssima – pouco mais de dois centavos em janelas de 60 dias, algo que não se via desde meados de 2014. Então, a estabilidade repercutia um otimismo nos mercados mundiais que parecia inabalável – e que ainda está aí.
A baixa volatilidade tornava improvável a ocorrência de uma depreciação como a que se verificou a partir de meados de outubro (mesmo levando em conta a imprevisibilidade do câmbio). As oscilações diárias observadas em 2017 sugeriam que a chance de depreciação acumulada de 15 centavos ou mais em vinte dias úteis era de cerca de 10%.
Como explicar a alta do dólar e que presságios ela traz?
De 2016 até setembro passado mais de 90% das variações do preço do dólar puderam ser analisadas a partir de poucas variáveis: (i) uma cesta de moedas que reagem ao noticiário global de forma semelhante ao real, (ii) o prêmio de risco associado ao Brasil e (iii) o diferencial de juro a nosso favor. Um analista que porventura conseguisse prever a trajetória dessas variáveis era capaz de antecipar adequadamente o preço do dólar, cometendo erros pequenos, tipicamente de 2 ou 3 centavos e menores do que 8 centavos em 90% do tempo.
Curiosamente, no entanto, a alta do dólar que teve início na segunda metade de outubro não foi capturada satisfatoriamente por estas variáveis. A cesta de moedas apresentou uma desvalorização modesta, reagindo a forças que a empurraram para sentidos opostos. De um lado, a moeda americana ganhou da maior parte das demais impelida pelos prováveis efeitos inflacionários da política fiscal de Trump, pela reiterada intenção do FED de cumprir suas diretrizes e pelos vaivéns na escolha do substituto de Janet Yellen no comando da instituição.
Esses desdobramentos pressionaram os juros e alguns indicadores de risco global, beneficiando de forma geral o dólar. No entanto, os ganhos contra as moedas semelhantes ao real foram atenuados parcialmente pela resistência dos preços de commodities – que se seguraram apesar da força do dólar. No frigir dos ovos, os fatores externos jogaram apenas moderadamente a favor do Tio Sam, bem menos do que o necessário para explicar a alta da verdinha por aqui.
No plano doméstico, o afrouxamento da política monetária encontrava-se já incorporado aos preços em meados de outubro. De fato, o diferencial de juros a favor do Brasil (em relação à cesta) ficou praticamente constante de lá para cá – não foi isso que explicou o encarecimento do dólar. Mais interessante ainda foi o comportamento do prêmio de risco: apesar dos ruídos de nosso noticiário, ele acabou diminuindo ligeiramente – o que, em tese, deveria ter beneficiado o real.
Ou seja, não houve nenhum fator externo ou doméstico evidente capaz de explicar o tamanho da valorização do dólar no período recente.
O indivíduo clarividente que soubesse exatamente o que iria acontecer com juros, commodities e risco e que tivesse usado as regularidades do passado para prever a evolução do dólar teria errado espetacularmente. Para o nosso amigo, o dólar deveria valer hoje algo em torno de R$ 3,10, não muito diferente do que valia há um mês e meio.
Por que o dólar subiu para R$ 3,30, contrariando os “fundamentos” que até então vinham explicando direitinho o comportamento da taxa de câmbio? Ninguém sabe com precisão. Acredito que o mercado esteja revisando os pesos atribuídos aos fundamentos. Se for isso, o comportamento recente do câmbio pode indicar mudanças de ventos importantes no mercado.
Desconfio que a política de viés inflacionário que o governo americano está perseguindo torna mais verossímil o argumento do FED de que o mercado estaria subestimando o tamanho do ajuste da política monetária encomendado para 2018. Assim, o peso atribuído às variáveis que dependem diretamente da política monetária americana poderia estar aumentando na margem, prejudicando projeções feitas com base no que valeu anteriormente.
Além disso, o Brasil pode estar sofrendo mais do que proporcionalmente em relação à média da cesta porque nela estão moedas de alguns países desenvolvidos, que sofrem menos com as mudanças de expectativas em relação à política monetária americana. A cesta que utilizo há vários anos para controlar os fatores externos inclui as moedas de: África do Sul, Austrália, Canadá, Chile, Cingapura, Colômbia, Coréia, Indonésia, Malásia, Noruega, Peru, Rússia, Tailândia e Taiwan. Muitas dessas moedas são menos susceptíveis aos surtos de volatilidade que chacoalham o real nos períodos de maior mudança.
De resto, agora que a recuperação econômica virou consenso, o mercado tem enfrentado mais dificuldade em encontrar razões para dar sustentação ao otimismo que vinha sobrevivendo a despeito das cobras e lagartos que diariamente têm estampado as capas dos jornais. A economia está crescendo, mas moderadamente e apenas preenchendo ociosidades; os juros caíram e não devem cair muito mais; de resto, o cenário político está conturbado – no tocante às reformas e às eleições. Meus colegas dizem que muitos gringos estariam “realizando lucros” para evitar os solavancos das eleições. A maior “surpresa” positiva que ainda pode vir é do mercado de crédito, mas isso é apenas uma promessa por enquanto.
É inegável que o funcionamento da economia mundial tem desafiado a visão convencional e que o Brasil voltou a ter um futuro. Mas é temerário apostar todas as fichas em cenários que combinam pleno emprego, juros reais baixos e inflação controlada por tempo indefinido no mundo e que pressuponham um amadurecimento expressivo da sociedade brasileira a ponto de evitar uma nova opção pelo atraso. É possível que a alta do dólar no Brasil seja mais um voo de galinha e que o ajuste para valer demore mais para ocorrer. No entanto, a instabilidade na correlação da taxa de câmbio com seus principais “fundamentos” pode sugerir que os tempos já estejam mudando.