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O ESG é uma preocupação que está tirando seu sono? Calma, nada mudou

O ESG não é uma evolução da sustentabilidade empresarial, mas sim a própria sustentabilidade empresarial

O termo ESG, cunhado em 2004, Surgiu de uma provocação do secretário-geral da ONU Kofi Annan a 50 CEOs de grandes instituições financeiras (manusapon kasosod/Getty Images)
RC

Rodrigo Caetano

Publicado em 8 de outubro de 2020 às 06h30.

Última atualização em 8 de outubro de 2020 às 12h52.

Muitos líderes empresariais têm me procurado – na maioria das vezes com grande ansiedade –, buscando ajuda para tentar enquadrar a sua empresa aos critérios ESG . Alguns não estão preocupados em entender a essência da sigla, apenas sabem que precisam se adequar, dada a grande pressão do mercado financeiro . Pois bem, falo aqui para os gestores das empresas. Vejo que há uma avalanche de informações ESG e uma dificuldade de entendimento, pois a grande maioria dos artigos publicados em jornais e revistas são voltados ao setor financeiro, quase que um diálogo entre fundos, gestoras e bancos. Isso promoveu uma correria desesperada no mercado brasileiro, um verdadeiro barata-voa.

O acrônimo ESG - do inglês ambiental, social e governança - foi cunhado numa publicação, de 2004, do Pacto Global da ONU, em parceria com o Banco Mundial, chamada Who Cares Wins. Surgiu de uma provocação do secretário-geral da ONU Kofi Annan a 50 CEOs de grandes instituições financeiras, sobre como integrar fatores sociais, ambientais e de governança no mercado de capitais. Na mesma época, a UNEP-FI lançou o relatório Freshfield, que mostrava a importância da integração de fatores ESG para avaliação financeira. Esses movimentos serviram de fundamentos para a criação, em 2006, do PRI (Princípios do Investimento Responsável), que hoje possui mais de 3 mil signatários, com ativos sob gestão que ultrapassam USD 100 trilhões – em 2019, o PRI cresceu em torno de 20%.

Portanto, ESG não é uma evolução da sustentabilidade empresarial, mas sim a própria sustentabilidade empresarial! No Brasil, devido ao aquecimento do tema, muitos falam numa transição de um termo para o outro, como se fossem coisas distintas. Não são! Mesmo objeto, visto e trabalhado por diferentes atores. Esse detalhe terminológico e de perspectiva mais atrapalha do que ajuda, pois quando os executivos começam a entender a sustentabilidade e a importância da sua presença dentro das estratégias de negócios, ficam com a impressão que tudo mudou e chegou algo novo.

De maneira muito simplista, o que uma empresa precisa fazer é entender, com suas partes interessadas, quais são seus impactos negativos e positivos na sociedade e agir sobre eles. É necessário minimizar os negativos e potencializar os positivos, assim como equacionar os prejuízos já provocados. Além disso, as organizações têm que observar e trabalhar os anseios da população, buscando uma atuação cidadã, no âmbito da empresa e dos líderes empresariais. Isso é o que precisa ser feito hoje e sempre. Então, para os gestores nada mudou em termos de responsabilidade.  ESG é o olhar do setor financeiro sobre essas questões.

Lancemos mão de um exemplo muito simplificado para materializar, uma usina hidrelétrica. O empreendedor deve observar 12 critérios de desempenho, segundo a IHA (International Hydropower Association), o Banco Mundial e o IFC: avaliação e gestão ambiental e social; condições de trabalho; qualidade da água; impactos na comunidade e segurança da infraestrutura; reassentamento; biodiversidade e espécies Invasivas; população indígena; herança cultural; governança e aquisições; reporte e consulta às partes interessadas; recurso hidrológico; mitigação e resiliência às mudanças climáticas. O setor financeiro irá analisar esses aspectos, os chamando de fatores ESG. O empresário trabalha essas questões dentro de “casa”, utilizando o termo sustentabilidade.

Ah! Nada mudou mesmo? Mudou. E muito. Todas as partes interessadas estão mais atentas e demandantes de maior performance socioambiental e de governança e, ainda, atrelada a resultados financeiros vistosos. Vários defendem que a sustentabilidade pode entregar um melhor resultado financeiro já no curto prazo, outros dizem que só é possível ver esses ganhos no longo prazo e, alguns, imbuídos de impressionante anacronismo - perdoem a crítica -, dizem que traz apenas prejuizo. Fato é, busquem os esquadros e as pranchetas: propósito e lucro são indissossiáveis.

Houve um acumulo de conhecimento enorme ao longo das últimas décadas. Quantifica-se o resultado da maior diversidade e inclusão, utiliza-se satélites para calcular o impacto de operações em diferentes biomas, precifica-se a mudança do clima hoje e no futuro. Além disso, muitas ferramentas foram desenvolvidas para a internalização de fatores sociais, ambientais e de governança da estratégia e operação das empresas. Dentro do Pacto, percebemos uma busca crescente das empresas pela sustentabilidade. Neste ano, 210 novas organizações passaram a se comprometer com os nossos 10 Princípios, e acabamos de atingir a marca de 1 mil membros no Brasil. Evidente também a tendência global. O Green Deal Europeu estabelece medidas para adoção da Agenda 2030 e do acordo de Paris, tornando a Europa neutra em impacto sobre o clima em 2050. China e Rússia, países com visões distintas, também estão desenvolvendo políticas para conter o aumento da temperatura da terra. E este movimento é muito mais intenso.

Observamos crescente número de boycotts a produtos e empresas brasileiras. Neste ano, o fundo soberano norueguês desinvestiu em três companhias do Brasil e nos títulos do país. Amigos CEOs vêm relatando um aumento na dificuldade de exportar para a Europa em razão da sustentabilidade. O acordo Mercosul-União Europeia está em cheque. Recentemente, a maioria dos eurodeputados aprovou texto pedindo para que o documento não seja ratificado, pois existe uma grande preocupação com as questões ambientais brasileiras.

Há uma busca maior por investimentos sustentáveis em todas as faixas etárias, mesmo considerando a distância intergeracional, resultado dos valores e visões de mundo distintos, o apetite por investimentos mais sustentáveis só aumenta nos últimos anos: 54% dos baby boomers tendem a optar por este tipo de investimento, representatividade que sobe para 78% nos millennials e 84% na geração Z. E as gerações que mais buscam a sustentabilidade terão os recursos financeiros em pouco tempo. O fenômeno Great Wealth Transfer (a grande transferência de riqueza) aponta que nos próximos 25 anos, nos EUA, haverá uma transferência de USD 68 trilhões dos baby boomers para os millennials. Trouxe um breve pot-pourri de argumentos, mas seguirei com artigos nessa coluna para aprofundar e evidenciar esse novo momento da economia global.

Na era da hipertransparência e hiperconectividade não é opção ficar alheio às demandas da sociedade. Se você já adota as melhores práticas de sustentabilidade, encha o peito e vá ao mercado lançar mão dos numerosos instrumentos financeiros para fatores ESG e orgulhe-se diante do seu Conselho de Administração pelo reconhecimento das agências de rating e outras instituições. Se você não internalizou a sustentabilidade, corra! O mercado está nervoso e a sociedade, vocal e ruidosa.

Carlo Pereira, diretor-executivo da Rede Brasil do Pacto Global

Muitos líderes empresariais têm me procurado – na maioria das vezes com grande ansiedade –, buscando ajuda para tentar enquadrar a sua empresa aos critérios ESG . Alguns não estão preocupados em entender a essência da sigla, apenas sabem que precisam se adequar, dada a grande pressão do mercado financeiro . Pois bem, falo aqui para os gestores das empresas. Vejo que há uma avalanche de informações ESG e uma dificuldade de entendimento, pois a grande maioria dos artigos publicados em jornais e revistas são voltados ao setor financeiro, quase que um diálogo entre fundos, gestoras e bancos. Isso promoveu uma correria desesperada no mercado brasileiro, um verdadeiro barata-voa.

O acrônimo ESG - do inglês ambiental, social e governança - foi cunhado numa publicação, de 2004, do Pacto Global da ONU, em parceria com o Banco Mundial, chamada Who Cares Wins. Surgiu de uma provocação do secretário-geral da ONU Kofi Annan a 50 CEOs de grandes instituições financeiras, sobre como integrar fatores sociais, ambientais e de governança no mercado de capitais. Na mesma época, a UNEP-FI lançou o relatório Freshfield, que mostrava a importância da integração de fatores ESG para avaliação financeira. Esses movimentos serviram de fundamentos para a criação, em 2006, do PRI (Princípios do Investimento Responsável), que hoje possui mais de 3 mil signatários, com ativos sob gestão que ultrapassam USD 100 trilhões – em 2019, o PRI cresceu em torno de 20%.

Portanto, ESG não é uma evolução da sustentabilidade empresarial, mas sim a própria sustentabilidade empresarial! No Brasil, devido ao aquecimento do tema, muitos falam numa transição de um termo para o outro, como se fossem coisas distintas. Não são! Mesmo objeto, visto e trabalhado por diferentes atores. Esse detalhe terminológico e de perspectiva mais atrapalha do que ajuda, pois quando os executivos começam a entender a sustentabilidade e a importância da sua presença dentro das estratégias de negócios, ficam com a impressão que tudo mudou e chegou algo novo.

De maneira muito simplista, o que uma empresa precisa fazer é entender, com suas partes interessadas, quais são seus impactos negativos e positivos na sociedade e agir sobre eles. É necessário minimizar os negativos e potencializar os positivos, assim como equacionar os prejuízos já provocados. Além disso, as organizações têm que observar e trabalhar os anseios da população, buscando uma atuação cidadã, no âmbito da empresa e dos líderes empresariais. Isso é o que precisa ser feito hoje e sempre. Então, para os gestores nada mudou em termos de responsabilidade.  ESG é o olhar do setor financeiro sobre essas questões.

Lancemos mão de um exemplo muito simplificado para materializar, uma usina hidrelétrica. O empreendedor deve observar 12 critérios de desempenho, segundo a IHA (International Hydropower Association), o Banco Mundial e o IFC: avaliação e gestão ambiental e social; condições de trabalho; qualidade da água; impactos na comunidade e segurança da infraestrutura; reassentamento; biodiversidade e espécies Invasivas; população indígena; herança cultural; governança e aquisições; reporte e consulta às partes interessadas; recurso hidrológico; mitigação e resiliência às mudanças climáticas. O setor financeiro irá analisar esses aspectos, os chamando de fatores ESG. O empresário trabalha essas questões dentro de “casa”, utilizando o termo sustentabilidade.

Ah! Nada mudou mesmo? Mudou. E muito. Todas as partes interessadas estão mais atentas e demandantes de maior performance socioambiental e de governança e, ainda, atrelada a resultados financeiros vistosos. Vários defendem que a sustentabilidade pode entregar um melhor resultado financeiro já no curto prazo, outros dizem que só é possível ver esses ganhos no longo prazo e, alguns, imbuídos de impressionante anacronismo - perdoem a crítica -, dizem que traz apenas prejuizo. Fato é, busquem os esquadros e as pranchetas: propósito e lucro são indissossiáveis.

Houve um acumulo de conhecimento enorme ao longo das últimas décadas. Quantifica-se o resultado da maior diversidade e inclusão, utiliza-se satélites para calcular o impacto de operações em diferentes biomas, precifica-se a mudança do clima hoje e no futuro. Além disso, muitas ferramentas foram desenvolvidas para a internalização de fatores sociais, ambientais e de governança da estratégia e operação das empresas. Dentro do Pacto, percebemos uma busca crescente das empresas pela sustentabilidade. Neste ano, 210 novas organizações passaram a se comprometer com os nossos 10 Princípios, e acabamos de atingir a marca de 1 mil membros no Brasil. Evidente também a tendência global. O Green Deal Europeu estabelece medidas para adoção da Agenda 2030 e do acordo de Paris, tornando a Europa neutra em impacto sobre o clima em 2050. China e Rússia, países com visões distintas, também estão desenvolvendo políticas para conter o aumento da temperatura da terra. E este movimento é muito mais intenso.

Observamos crescente número de boycotts a produtos e empresas brasileiras. Neste ano, o fundo soberano norueguês desinvestiu em três companhias do Brasil e nos títulos do país. Amigos CEOs vêm relatando um aumento na dificuldade de exportar para a Europa em razão da sustentabilidade. O acordo Mercosul-União Europeia está em cheque. Recentemente, a maioria dos eurodeputados aprovou texto pedindo para que o documento não seja ratificado, pois existe uma grande preocupação com as questões ambientais brasileiras.

Há uma busca maior por investimentos sustentáveis em todas as faixas etárias, mesmo considerando a distância intergeracional, resultado dos valores e visões de mundo distintos, o apetite por investimentos mais sustentáveis só aumenta nos últimos anos: 54% dos baby boomers tendem a optar por este tipo de investimento, representatividade que sobe para 78% nos millennials e 84% na geração Z. E as gerações que mais buscam a sustentabilidade terão os recursos financeiros em pouco tempo. O fenômeno Great Wealth Transfer (a grande transferência de riqueza) aponta que nos próximos 25 anos, nos EUA, haverá uma transferência de USD 68 trilhões dos baby boomers para os millennials. Trouxe um breve pot-pourri de argumentos, mas seguirei com artigos nessa coluna para aprofundar e evidenciar esse novo momento da economia global.

Na era da hipertransparência e hiperconectividade não é opção ficar alheio às demandas da sociedade. Se você já adota as melhores práticas de sustentabilidade, encha o peito e vá ao mercado lançar mão dos numerosos instrumentos financeiros para fatores ESG e orgulhe-se diante do seu Conselho de Administração pelo reconhecimento das agências de rating e outras instituições. Se você não internalizou a sustentabilidade, corra! O mercado está nervoso e a sociedade, vocal e ruidosa.

Carlo Pereira, diretor-executivo da Rede Brasil do Pacto Global

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