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As perspectivas para o cenário fintech em 2021

Em 2020, as fintechs mostraram sua resiliência e atraíram mais de US$ 1 bilhão em investimentos. Veja o que pode acontecer no setor em 2021

 (MR.Cole_Photographer/Getty Images)
(MR.Cole_Photographer/Getty Images)
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Bruno Diniz

Publicado em 6 de janeiro de 2021 às, 11h16.

Última atualização em 12 de janeiro de 2021 às, 18h01.

À medida que nos despedimos de um dos mais imprevisíveis anos de todos os tempos, voltamos nossos olhos para frente e buscamos ponderar sobre o que nos aguarda no próximo ciclo. Pensando no ambiente fintech e em inovações financeiras, 2020 representou um marco, por introduzir importantes mudanças regulatórias e de infraestrutura (com o sandbox regulatório, open banking e o Pix), além de escancarar a via digital como meio principal de consumo de serviços financeiros em uma realidade que exigiu baixo contato em função da pandemia.

As fintechs mostraram sua resiliência (e — por que não? —, antifragilidade) e atraíram mais de 1 bilhão de dólares, segundo a consultoria Distrito, um verdadeiro feito diante do contexto geral.

Alguns desses movimentos de investimentos, combinados com tendências globais e possibilidades que estão sendo destravadas pelo regulador, nos dão algumas pistas do que esperar em 2021. E é isso que vamos explorar a seguir.

Desdobramentos de movimentos iniciados em 2020

Neste ano de 2021, certamente teremos uma aceleração da utilização dos pagamentos digitais, tanto em função da sedimentação de novos hábitos impostos pelo Covid-19, quanto pelo crescimento da utilização do Pix, ao passo que a nova ferramenta é disseminada e ganha escala. A multiplicidade de casos de uso mostra o potencial do Pix em ocupar várias frentes, disputando espaço com diferentes instrumentos, indo desde boletos a cartões e transferências.

Enquanto estudos conduzidos pela Oliver Wyman e Boanerges e Cia prevêem que em 2030 esse meio de pagamento representará em torno de 22% a 24% do mercado (respectivamente), vale lembrar que, na Índia, o sistema UPI (similar ao nosso em vários aspectos) saiu de 1% de representatividade no mix total de pagamentos do país em 2017 para cerca de 24% em 2019 – e isso em uma realidade pré-pandemia. Empresas de telefonia e concessionárias de energia já começam a fomentar o uso da solução, acrescentando-a como alternativa para pagamentos de contas. Contudo, são as varejistas tradicionais, os players do e-commerce e, sobretudo, as PMEs, que terão um papel fundamental no avanço do sistema de pagamentos instantâneos.

Em 2021 devemos ver também mais ensaios no desenvolvimento de novas soluções via Pix. Ainda em 2020, o Banco Bradesco passou a ofertar crédito a partir da utilização da ferramenta, enquanto o Banco do Brasil possibilitou o uso do Pix através do Whatsapp. À medida que o Banco Central liberar mais funcionalidades, como o Pix Cobrança que está previsto para março, teremos um terreno fértil para a criação de outras novas e interessantes possibilidades que deverão ser exploradas por mais participantes do mercado.

No ano que passou tivemos também a criação dos sandboxes regulatórios pela CVM, pela SUSEP e pelo Banco Central. Os sandboxes são ambientes para testes de soluções inovadoras, nos quais os empreendedores aplicam para participar e desenvolvem seus projetos com a supervisão direta do regulador, que flexibiliza requisitos regulatórios no intuito de permitir que suas soluções sejam ofertadas inicialmente para um grupo limitado de clientes, para depois operarem de forma ampla (caso completem o processo com sucesso). O sandbox da SUSEP já está em funcionamento e recebeu diversas Insurtechs que buscam revolucionar o mercado de seguros, como a Pier, Komus, 88i, dentre outras.

As chamadas para projetos nos sandboxes da CVM e Banco Central já foram anunciadas e em breve conheceremos as iniciativas escolhidas. Prevejo que devemos ter entre os candidatos soluções voltadas para tokenização de ativos (aplicando a tecnologia Blockchain para tal), projetos de novas bolsas de valores, iniciativas de hipoteca reversa, dentre outras. As fronteiras do mercado financeiro serão testadas ao longo de 2021, trazendo novos horizontes para empreendedores e usuários.

Falando em Insurtechs, esse é um subsegmento que deve ficar aquecido no país. Em 2020, o mercado presenciou o IPO da Insurtech norte-americana Lemonade (focada em seguros para locadores, locatários e pets) na New York Stocks Exchange (NYSE). Além disso, vimos a Hippo (especializada em seguros residenciais) levantar 350 milhões de dólares e a Metromile (focada em seguros de automóvel por KM rodado) planejar sua estreia na Nasdaq.

Em outras partes do mundo como na Índia, onde há um baixo percentual de pessoas seguradas (assim como no Brasil), o super-app PayTM adquiriu uma seguradora para entrar nesse mercado e a Amazon passou a distribuir microsseguros de saúde e de bicicleta à preços acessíveis. Esses são alguns sinais de que temos muito o que explorar sobre essa tese por aqui, tanto que o Nubank já se movimentou para ofertar esse produto em sua plataforma e a insurtech Pier (seguradora digital para carros e celulares) recebeu 14,5 milhões de dólares em investimentos em novembro de 2020 para expandir suas operações – além de ser uma das empresas participantes do sandbox da SUSEP. Há muito o que ser feito na democratização dos seguros no Brasil e talvez estejamos no timing ideal para fazer isso.

A hora da verdade para os novos entrantes

Os diversos braços financeiros digitais criados em 2020 irão mostrar a que vieram em um novo cenário de hiperespecialização, no qual determinados nichos serão bombardeados por iniciativas de conhecidos players de fora do mercado financeiro. Soluções financeiras digitais voltadas para pessoas físicas pertencentes à base da pirâmide (Banqi, da Via Varejo), restaurantes (Ifood), Bares (Donus, da Ambev), Logística (Target), e várias outras, já entraram em campo.

Além dessas, mais uma enxurrada de iniciativas deverá desembarcar no próximo ano, impulsionadas pelo movimento chamado “embedded finance” (ou finanças embutidas) que tanto teve espaço esse ano e que se caracteriza pela possibilidade de permitir que agentes de diversos segmentos façam ofertas financeiras. Será interessante ver o armamento que os entrantes utilizarão, sobretudo na combinação de ofertas financeiras e não financeiras, e como os bancos tradicionais, que estão de olho nesse movimento de peças no tabuleiro, irão reagir.

As empresas que prestam serviços de Banking as a Service (BaaS), que foram responsáveis por acelerar o movimento “embedded finance” em 2020, também devem ganhar ainda mais destaque no próximo ano. Companhias como Fitbank, Iugu, Conductor, Zoop e Swap receberam investimentos significativos e brilharam em 2020. Em um ambiente cada vez mais “plataformizado” a relevância desses players ficará maior, afinal, eles são os principais fornecedores de “armas” nessa nova guerra. Devemos ver mais investimentos e operações de fusões e aquisições nesse terreno.

Companhias focada em infraestrutura para open banking também devem voar alto, conforme o mercado se prepara para uma virada de chave com o Open Banking regulamentado pelo Banco Central. Várias empresas deste segmento entraram no radar dos investidores e dos bancos, que buscam sair na frente e aproveitar oportunidades de um mercado financeiro cada vez mais integrado e apoiado na utilização de dados para a customização de soluções e experiências. Grande parte dos players tradicionais não está preparada tecnicamente e culturalmente para as mudanças trazidas por um cenário de open banking. Sendo assim, haverá um espaço gigantesco para empresas como a Quanto e a Belvo, por exemplo, que atuam diretamente neste mercado.

Tendências em outros subsegmentos

Olhando particularmente para o mercado de investimentos, há um grande mar a ser desbravado nos chamados “investimentos alternativos”. Plataformas de investimentos em startups, tais como a Captable e a SMU, têm tudo para crescer, ancoradas no impulso da nova economia e na busca de diversificação pelo investidor.

Abrindo o leque, existem possibilidades adicionais em ativos judiciais, de energia, agrícolas e até royalties de músicas, ofertadas por plataformas como a Bloxs e a Hurst. Não podemos nos esquecer dos criptoativos, que também entraram forte no radar dos investidores, acompanhados pela popularização do Bitcoin (que atingiu cotação recorde no final de 2020). Nesse terreno, destacam-se tanto as fintechs tradicionais do setor, como o Mercado Bitcoin, BitcoinTrade e a Foxbit, quanto outras mais novas, como a Nox Bitcoin e a Bitfy.

Dentre as tendências globais no mercado de crédito que devem se intensificar por aqui temos as soluções de antecipação de salário, mercado onde atuam a Xerpay e a Creditas. Lá fora a categoria é ampla e tem englobado um subsegmento chamado “Payroll fintech”. Além disso, dado alguns movimentos de fusões e aquisições que ocorreram junto à fintechs de crédito de modo geral em 2020 (como a compra da Antecipa pela XP e da fusão entre Adianta e Liber Capital), devemos ver mais atividades similares pela frente, indicando o início de uma consolidação dentro deste grupo.

Já olhando para bancos digitais, haverá uma corrida para ocupar espaços junto às PMEs, uma categoria que, por muito tempo, sofreu com a falta de alternativas. Desafiantes como o BTG+ Business, Cora, Linker e Conta Simples devem pisar no acelerador e mostrar seus diferenciais para facilitar a vida dos pequenos empreendedores – e trazer um novo nível de competição a esse mercado.

Uma nova era de inovações

2020 marcou o início de um novo momento no mercado financeiro, mostrando que as fintechs aguentam o tranco e, mais do que nunca, se apresentam como alternativas palpáveis para um número maior de usuários. É importante considerar, inclusive, que muitas pessoas aprenderam a utilizar serviços financeiros digitais recentemente por necessidade, seja para evitar contato no auge da pandemia ou para receber os auxílios governamentais.

Analisando a história das fintechs, temos a crise de 2008 como uma importante ocasião que ajudou na formação e no desenvolvimento de novas soluções financeiras no início deste movimento.

Passando agora pela crise causada pela pandemia do Covid-19, vemos o ecossistema fintech novamente impulsionado por uma adversidade, porém em um momento mais maduro e pronto para dar um salto em popularidade e impacto na vida das pessoas. Daqui para frente já não há mais dúvidas, as fintechs vieram para ficar, e esse é só o começo de uma nova era de competição e inovação no mercado financeiro.