A 'plataformização' do mercado bancário
Entenda o que é Banking as a Platform, ou simplesmente BaaP, e como as expectativas dos consumidores deverão mudar diante deste conceito
Gabriel Rubinsteinn
Publicado em 28 de novembro de 2020 às 09h52.
Última atualização em 28 de novembro de 2020 às 19h27.
Por mais que os bancos tenham avançado ao longo dos anos em relação à utilização de canais digitais, durante muito tempo essas instituições mantiveram praticamente inalterada a essência do seu modelo de desenvolvimento e distribuição vertical de produtos. Via de regra, as soluções ofertadas eram criadas dentro de casa e vendidas por meio de seus próprios canais. Contudo, drásticas mudanças são esperadas neste sentido, já que o campo de batalha está bem diferente daquele onde as grandes instituições financeiras reinavam soberanas e no qual as barreiras de entrada para novos entrantes eram altíssimas.
No final dos anos 90, vimos o surgimento das fintechs, startups que desenvolviam soluções financeiras específicas, com grande foco no cliente, e que utilizavam o potencial de escala proporcionada pela internet para atingir um grande público de forma mais barata do que os bancos. Essas empresas se expandiram fortemente, à medida que os custos de tecnologia foram sendo reduzidos ano após ano e os reguladores ao redor do mundo criavam regulamentações com o intuito de melhor acomodar novos entes no sistema financeiro. Além disso, passamos a observar movimentos de abertura de APIs (interfaces de programação de aplicações) acontecendo de forma voluntária e regulada (via Open Banking) em mercados do mundo todo, o que passou a permitir diferentes integrações entre prestadores de serviços e bancos, subvertendo a lógica dos sistemas verticalizados que imperava até então.
Essa combinação de elementos trouxe um cenário de maior competição e fez com que os bancos começassem a repensar seus modelos de atuação.
O mundo “as a service” toma o mercado financeiro
Conforme nos movemos para uma realidade bancária menos vertical, vemos que algumas instituições financeiras tradicionais e fintechs estão lançando mão de abordagens nas quais ofertam sua capacidade e expertise como um serviço para outras companhias, de forma flexível e sob demanda.
Um modelo que vem sendo explorado por instituições financeiras é a atuação em banking as a service (BaaS), no qual possibilitam a atividade de novos entrantes no mercado por meio de prestação de soluções de tecnologia e de interface regulatória, sendo um grande atalho e, muitas vezes, a alternativa mais viável no ponto de vista de custo-benefício para quem quer começar a ofertar serviços financeiros. Do lado de quem presta o serviço, há instituições que o fazem como atividade principal ou como uma linha adicional de negócio, algo que financeiras e bancos de pequeno e médio porte têm adotado. Vale ressaltar que boa parte da nova leva de “Bancos Digitais” utilizam hoje algum tipo de provedor de BaaS, e esse é atualmente um mercado bastante aquecido em âmbito global.
Já do lado das fintechs, há também a atuação em um modelo similar ao mencionado anteriormente, que por sua vez foi batizado de fintech as a service (FaaS), onde esses players proveem módulos de soluções para terceiros que variam desde crédito à investimentos, por exemplo, contendo toda a inteligência de negócio, capacidade de análise de dados e experiência do usuário desenvolvidas por essas companhias. Os clientes mais comuns deste tipo de serviço são desde startups de múltiplos segmentos até mesmo outras fintechs. A Transferwise, unicórnio do ramo de remessas internacionais, é um bom exemplo de empresa que, além de atuar diretamente junto aos seus clientes, terceiriza sua tecnologia e expertise para outros players interessados em adicionar uma nova solução ao seu portifólio. É bom ressaltar que os acordos para tornar um modelo de FaaS possível podem envolver divisão de receita ou a cobrança de uma taxa por utilização do serviço.
A popularização do BaaS e do FaaS mostra que essas novas abordagens estão prosperando e dando novos contornos à indústria financeira, onde diferentes papéis podem ser assumidos pelos bancos e fintechs. Essa abertura de visão e de possibilidades no setor acabou trazendo mais uma tese interessante que está ganhando corpo mundialmente, o Banking as a Platform (BaaP).
O Banco como “Plataforma”
O conceito de plataformas no mundo da tecnologia foi possibilitado graças às APIs e se baseia na construção de um ecossistema integrado de negócios, no qual múltiplos agentes criam soluções que são ofertadas dentre de um mesmo ambiente. Grandes empresas de tecnologia como a Amazon e o Google formaram seus impérios desta forma, acabando por influenciar também outros segmentos.
O Banking as a Platform bebe nessa fonte e se traduz em um modelo no qual o banco (ou outra instituição financeira) agrega serviços digitais de terceiros ao seu portifólio, ofertando-os em seus canais. Neste pacote, não estão incluídos apenas produtos financeiros, mas outras soluções diversas que possam facilitar a vida do cliente final. Em plataformas assim podemos também ter a presença de provedores de BaaS e FaaS, habitando esse ecossistema.
O neobank britânico Starling Bank é um exemplo de instituição que definiu o seu modelo de posicionamento como o de uma plataforma que resolve múltiplas dores dos seus clientes. Sua interface para empresas possui integrações com soluções de terceiros que vão desde seguro contra inadimplência de faturas emitidas até aplicativos para gestão de recursos humanos e ferramentas de assessoria jurídica, dentre várias outras.
Falar sobre a adoção de uma estratégia de BaaP é bem mais fácil do que efetivamente executar, especialmente quando olhamos para a realidade dos grandes bancos que carregam o peso do seu legado e possuem um caminho longo no sentido de reestruturarem suas operações e fazerem a transição para esse novo contexto. É bom ressaltar, contudo, que uma boa parte do alto escalão está ciente dessa necessidade de mudança.
Em 2019 a The Economist Intelligence Unit conduziu uma pesquisa junto a 405 executivos globais do mercado financeiro, que foram questionados sobre qual seria a principal maneira como eles viam a evolução do modelo de negócios digital dos bancos de varejo até o ano de 2025. Dentre os entrevistados, 41% disseram acreditar que os bancos deverão desenvolver verdadeiros ecossistemas digitais, oferecendo serviços bancários e não bancários próprios e de terceiros para seus clientes e para outras organizações. Já 28% acreditam que as instituições devem manter sua própria oferta de produtos e se tornarem agregadores de produtos bancários e não bancários de terceiro. Completando o restante das opiniões, 17% acreditam que devem desenvolver uma proposta de atuação de nicho para os seus próprios clientes, 13% entendem que irão se transformar em agregadores de produtos e serviços de terceiros (atuando apenas desta forma) e 2% dos entrevistados acreditam que não haverá mudança alguma.
A maior parte dos executivos da pesquisa (69%) possuem uma visão de futuro que está em linha com o conceito de Banking as a Platform, e uma grande fatia dentro deste grupo espera que os bancos desenvolvam ecossistemas complexos, que lembram a realidade de superapps como o Wechat, os quais precisariam de doses cavalares de tecnologia, espírito colaborativo e encorajamento regulatório para serem de fato desenvolvidos até 2025.
No futuro, um papel mais amplo para os bancos
A entrada de empresas de diferentes setores (como telecom, tecnologia, varejo, dentre outros) no mercado financeiro também irá modificar bastante a percepção dos clientes, que passarão a enxergar boa parte dos serviços financeiros como commodities. É nesse momento em que os bancos que não alterarem sua estratégia correm sérios riscos.
Será cada vez mais esperado pelos consumidores que as diferentes plataformas com as quais ele se relaciona agreguem e facilitem diversos aspectos da sua vida de forma harmônica, através de um grande entendimento de seus dados e da oferta proativa realizada nos momentos certos. Um exemplo interessante vem do neobank britânico Revolut, que consegue entender se você está em uma estação de Esqui (via geolocalização) e oferece um microsseguro diário contra acidentes pessoais ao custo de 1 Euro por dia.
Os bancos de varejo precisarão ter uma atuação bem mais ampla do que têm hoje, tornando-se uma espécie de concierge digital para as pessoas físicas, sendo capazes de te entregar valor inclusive em recomendações de compras ou sugestões de novos restaurantes para conhecer. Já na linha pessoa jurídica, precisarão estar muito próximos das plataformas de ERP para anteciparem necessidades das empresas e proporem operações com base nas informações processadas e nas projeções geradas em tempo real.
Na era das plataformas o modelo de atuação se caracteriza muito mais pela conexão do que pelo controle da cadeia de valor, sendo que essa realidade encontra grande sinergia com o ambiente de open finance que está para se estabelecer em breve no país. Esse atributo, por si só, mexe profundamente com conceitos ainda enraizados nos incumbentes. Em um relatório sobre o tema assinado pela Mckinsey, a mensagem sobre os riscos da inação diante deste novo cenário é bem clara: “A mudança raramente é confortável, mas como a evolução do mercado ilustra, as forças da mudança são inevitáveis. Os bancos estarão mais bem posicionados se antecipando e definindo a tendência, ao invés de vez de travar uma batalha inútil para repeli-la.”
Por mais que os bancos tenham avançado ao longo dos anos em relação à utilização de canais digitais, durante muito tempo essas instituições mantiveram praticamente inalterada a essência do seu modelo de desenvolvimento e distribuição vertical de produtos. Via de regra, as soluções ofertadas eram criadas dentro de casa e vendidas por meio de seus próprios canais. Contudo, drásticas mudanças são esperadas neste sentido, já que o campo de batalha está bem diferente daquele onde as grandes instituições financeiras reinavam soberanas e no qual as barreiras de entrada para novos entrantes eram altíssimas.
No final dos anos 90, vimos o surgimento das fintechs, startups que desenvolviam soluções financeiras específicas, com grande foco no cliente, e que utilizavam o potencial de escala proporcionada pela internet para atingir um grande público de forma mais barata do que os bancos. Essas empresas se expandiram fortemente, à medida que os custos de tecnologia foram sendo reduzidos ano após ano e os reguladores ao redor do mundo criavam regulamentações com o intuito de melhor acomodar novos entes no sistema financeiro. Além disso, passamos a observar movimentos de abertura de APIs (interfaces de programação de aplicações) acontecendo de forma voluntária e regulada (via Open Banking) em mercados do mundo todo, o que passou a permitir diferentes integrações entre prestadores de serviços e bancos, subvertendo a lógica dos sistemas verticalizados que imperava até então.
Essa combinação de elementos trouxe um cenário de maior competição e fez com que os bancos começassem a repensar seus modelos de atuação.
O mundo “as a service” toma o mercado financeiro
Conforme nos movemos para uma realidade bancária menos vertical, vemos que algumas instituições financeiras tradicionais e fintechs estão lançando mão de abordagens nas quais ofertam sua capacidade e expertise como um serviço para outras companhias, de forma flexível e sob demanda.
Um modelo que vem sendo explorado por instituições financeiras é a atuação em banking as a service (BaaS), no qual possibilitam a atividade de novos entrantes no mercado por meio de prestação de soluções de tecnologia e de interface regulatória, sendo um grande atalho e, muitas vezes, a alternativa mais viável no ponto de vista de custo-benefício para quem quer começar a ofertar serviços financeiros. Do lado de quem presta o serviço, há instituições que o fazem como atividade principal ou como uma linha adicional de negócio, algo que financeiras e bancos de pequeno e médio porte têm adotado. Vale ressaltar que boa parte da nova leva de “Bancos Digitais” utilizam hoje algum tipo de provedor de BaaS, e esse é atualmente um mercado bastante aquecido em âmbito global.
Já do lado das fintechs, há também a atuação em um modelo similar ao mencionado anteriormente, que por sua vez foi batizado de fintech as a service (FaaS), onde esses players proveem módulos de soluções para terceiros que variam desde crédito à investimentos, por exemplo, contendo toda a inteligência de negócio, capacidade de análise de dados e experiência do usuário desenvolvidas por essas companhias. Os clientes mais comuns deste tipo de serviço são desde startups de múltiplos segmentos até mesmo outras fintechs. A Transferwise, unicórnio do ramo de remessas internacionais, é um bom exemplo de empresa que, além de atuar diretamente junto aos seus clientes, terceiriza sua tecnologia e expertise para outros players interessados em adicionar uma nova solução ao seu portifólio. É bom ressaltar que os acordos para tornar um modelo de FaaS possível podem envolver divisão de receita ou a cobrança de uma taxa por utilização do serviço.
A popularização do BaaS e do FaaS mostra que essas novas abordagens estão prosperando e dando novos contornos à indústria financeira, onde diferentes papéis podem ser assumidos pelos bancos e fintechs. Essa abertura de visão e de possibilidades no setor acabou trazendo mais uma tese interessante que está ganhando corpo mundialmente, o Banking as a Platform (BaaP).
O Banco como “Plataforma”
O conceito de plataformas no mundo da tecnologia foi possibilitado graças às APIs e se baseia na construção de um ecossistema integrado de negócios, no qual múltiplos agentes criam soluções que são ofertadas dentre de um mesmo ambiente. Grandes empresas de tecnologia como a Amazon e o Google formaram seus impérios desta forma, acabando por influenciar também outros segmentos.
O Banking as a Platform bebe nessa fonte e se traduz em um modelo no qual o banco (ou outra instituição financeira) agrega serviços digitais de terceiros ao seu portifólio, ofertando-os em seus canais. Neste pacote, não estão incluídos apenas produtos financeiros, mas outras soluções diversas que possam facilitar a vida do cliente final. Em plataformas assim podemos também ter a presença de provedores de BaaS e FaaS, habitando esse ecossistema.
O neobank britânico Starling Bank é um exemplo de instituição que definiu o seu modelo de posicionamento como o de uma plataforma que resolve múltiplas dores dos seus clientes. Sua interface para empresas possui integrações com soluções de terceiros que vão desde seguro contra inadimplência de faturas emitidas até aplicativos para gestão de recursos humanos e ferramentas de assessoria jurídica, dentre várias outras.
Falar sobre a adoção de uma estratégia de BaaP é bem mais fácil do que efetivamente executar, especialmente quando olhamos para a realidade dos grandes bancos que carregam o peso do seu legado e possuem um caminho longo no sentido de reestruturarem suas operações e fazerem a transição para esse novo contexto. É bom ressaltar, contudo, que uma boa parte do alto escalão está ciente dessa necessidade de mudança.
Em 2019 a The Economist Intelligence Unit conduziu uma pesquisa junto a 405 executivos globais do mercado financeiro, que foram questionados sobre qual seria a principal maneira como eles viam a evolução do modelo de negócios digital dos bancos de varejo até o ano de 2025. Dentre os entrevistados, 41% disseram acreditar que os bancos deverão desenvolver verdadeiros ecossistemas digitais, oferecendo serviços bancários e não bancários próprios e de terceiros para seus clientes e para outras organizações. Já 28% acreditam que as instituições devem manter sua própria oferta de produtos e se tornarem agregadores de produtos bancários e não bancários de terceiro. Completando o restante das opiniões, 17% acreditam que devem desenvolver uma proposta de atuação de nicho para os seus próprios clientes, 13% entendem que irão se transformar em agregadores de produtos e serviços de terceiros (atuando apenas desta forma) e 2% dos entrevistados acreditam que não haverá mudança alguma.
A maior parte dos executivos da pesquisa (69%) possuem uma visão de futuro que está em linha com o conceito de Banking as a Platform, e uma grande fatia dentro deste grupo espera que os bancos desenvolvam ecossistemas complexos, que lembram a realidade de superapps como o Wechat, os quais precisariam de doses cavalares de tecnologia, espírito colaborativo e encorajamento regulatório para serem de fato desenvolvidos até 2025.
No futuro, um papel mais amplo para os bancos
A entrada de empresas de diferentes setores (como telecom, tecnologia, varejo, dentre outros) no mercado financeiro também irá modificar bastante a percepção dos clientes, que passarão a enxergar boa parte dos serviços financeiros como commodities. É nesse momento em que os bancos que não alterarem sua estratégia correm sérios riscos.
Será cada vez mais esperado pelos consumidores que as diferentes plataformas com as quais ele se relaciona agreguem e facilitem diversos aspectos da sua vida de forma harmônica, através de um grande entendimento de seus dados e da oferta proativa realizada nos momentos certos. Um exemplo interessante vem do neobank britânico Revolut, que consegue entender se você está em uma estação de Esqui (via geolocalização) e oferece um microsseguro diário contra acidentes pessoais ao custo de 1 Euro por dia.
Os bancos de varejo precisarão ter uma atuação bem mais ampla do que têm hoje, tornando-se uma espécie de concierge digital para as pessoas físicas, sendo capazes de te entregar valor inclusive em recomendações de compras ou sugestões de novos restaurantes para conhecer. Já na linha pessoa jurídica, precisarão estar muito próximos das plataformas de ERP para anteciparem necessidades das empresas e proporem operações com base nas informações processadas e nas projeções geradas em tempo real.
Na era das plataformas o modelo de atuação se caracteriza muito mais pela conexão do que pelo controle da cadeia de valor, sendo que essa realidade encontra grande sinergia com o ambiente de open finance que está para se estabelecer em breve no país. Esse atributo, por si só, mexe profundamente com conceitos ainda enraizados nos incumbentes. Em um relatório sobre o tema assinado pela Mckinsey, a mensagem sobre os riscos da inação diante deste novo cenário é bem clara: “A mudança raramente é confortável, mas como a evolução do mercado ilustra, as forças da mudança são inevitáveis. Os bancos estarão mais bem posicionados se antecipando e definindo a tendência, ao invés de vez de travar uma batalha inútil para repeli-la.”