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Dados ruins aceleram o caos: adoção de Inteligência Artificial exige base sólida

O ponto de partida é a governança de dados, com definição de responsáveis, critérios de qualidade, glossários unificados e processos contínuos de validação

 (Imagem criada por ferramenta de IA/Freepik)

(Imagem criada por ferramenta de IA/Freepik)

Breno Barros
Breno Barros

CTO e VP de Soluções Digitais da Falconi

Publicado em 26 de junho de 2025 às 18h39.

A adoção da inteligência artificial (IA) é vista por muitas organizações como um caminho inevitável. Em meio à pressão por inovação, há uma aceleração crescente na implementação de agentes de IA para responder a desafios operacionais, aprimorar a tomada de decisão e gerar ganhos de produtividade. No entanto, essa pressa esconde um risco estrutural profundo: a baixa qualidade dos dados. Ignorar a necessidade de uma base sólida de dados antes da incorporação da IA pode não apenas comprometer os resultados esperados, como também provocar um caos organizacional difícil de reverter.
Dados de má qualidade têm um impacto financeiro real e amplamente documentado. Um levantamento da The CFO mostra que 89% do alto escalão da área financeira tomam decisões mensais com base em dados imprecisos ou incompletos, sendo que a Gartner estima o custo médio da má qualidade dos dados para uma organização em torno de US$ 12,9 milhões por ano. Já a Experian aponta que esses dados falhos podem corroer até 25% da receita potencial de uma empresa.
Claramente, não se trata, portanto, de um problema periférico, mas de uma disfunção estrutural que compromete desde a operação até o posicionamento estratégico das empresas. Mas mesmo diante desse cenário, muitas organizações seguem implementando agentes de IA sem a preparação técnica e estrutural adequada.
O resultado é a automação de processos com insumos defeituosos e insuficientes, o que amplia erros em escala e compromete a confiabilidade dos mesmos. O uso indiscriminado de IA sem a devida governança dos dados cria um ciclo vicioso: modelos treinados com informações incorretas geram insights falhos que, por sua vez, orientam decisões equivocadas e retroalimentam a base com mais distorções. O que era para ser eficiência se transforma em complexidade operacional, ruído decisório e perda de credibilidade.
Essa é uma armadilha que, uma vez instalada, demanda recursos significativos para ser corrigida. Além disso, há um componente humano muitas vezes negligenciado: a sobrecarga dos líderes diante de dados que não traduzem insights claros – logo não podem ser tornar decisões automatizadas pelas agentes. Muitos CFOs já relatam um estado de “decision fatigue”, a fadiga causada pelo excesso de informações conflitantes ou de baixa qualidade.
Inserir sistemas de IA nesse ambiente, sem resolver as distorções de base, amplia a pressão sobre as lideranças e deteriora a confiança no uso da tecnologia como apoio à tomada de decisão. Afinal, adotar inteligência artificial de forma estratégica é algo que exige uma visão disciplinada e de longo prazo. Não se trata de buscar soluções milagrosas nem de correr atrás do modelo mais avançado do mercado. Trata-se, antes, de construir um caminho de “microvitórias”.
O ponto de partida é a governança de dados, com definição de responsáveis, critérios de qualidade, glossários unificados e processos contínuos de validação. A partir daí, é possível estruturar pilotos de IA aplicados a casos de uso específicos, com impacto direto e mensurável, como previsão de demanda ou automação de conciliações financeiras.
Essas iniciativas devem ser acompanhadas de métricas rigorosas. Medir a acurácia dos modelos, a redução de erros, o tempo economizado e o retorno sobre o investimento é fundamental para validar o valor das soluções adotadas e guiar os próximos passos. A expansão dos sistemas de IA só se justifica após esse ciclo de aprendizado, sempre sustentada por uma base de dados cada vez mais sólida e governada. Empresas que seguem esse caminho já colhem resultados expressivos.
A mensagem que emerge desse cenário é clara: acelerar a adoção de inteligência artificial sem resolver a base dos dados não é um atalho para inovação, mas uma rota para o caos. A ilusão de que a IA pode compensar falhas estruturais é perigosa. O que diferencia empresas bem-sucedidas na jornada de transformação digital não é a velocidade com que adotam novas tecnologias, mas a disciplina com que constroem os alicerces para que essas tecnologias possam entregar valor real.
Nesse sentido, os dados não são apenas insumos técnicos. Eles são ativos estratégicos que demandam cuidado, responsabilidade e visão sistêmica. Quem trata os dados com rigor hoje colherá inteligência competitiva amanhã.
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