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Sadia reacende o marketing bullying

A dor de cabeça da vez já tem nome: “Luis Augusto”, um presunto “genérico”, isolado e feio, preterido por todos. No ar desde a última sexta-feira (15.07) a nova campanha publicitária da Sadia “Não leve Luis Augusto por Sadia” aposta em uma fórmula que sempre merece muita atenção dos profissionais de marketing e já gerou polêmicas antológicas no Brasil. Quem se lembra do “Bráulio”? Há mais de vinte anos uma […] Leia mais

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Branding, Consumo e Negócios

Publicado em 20 de julho de 2016 às, 18h30.

Última atualização em 24 de fevereiro de 2017 às, 07h33.

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A dor de cabeça da vez já tem nome: “Luis Augusto”, um presunto “genérico”, isolado e feio, preterido por todos. No ar desde a última sexta-feira (15.07) a nova campanha publicitária da Sadia “Não leve Luis Augusto por Sadia” aposta em uma fórmula que sempre merece muita atenção dos profissionais de marketing e já gerou polêmicas antológicas no Brasil.

Quem se lembra do “Bráulio”?

Há mais de vinte anos uma das inúmeras e “inventivas” campanhas do Ministério da Saúde para a conscientização do uso camisinha resolveu apostar em um tom direto, com diálogos de extrema franqueza, porém, articulados entre um homem e seu próprio órgão sexual, apelidado criativamente de “Bráulio”.

A ideia da agência de propaganda (Master, salvo engano) fez muito barulho há época e causou reclamações em setores conservadores diversos. Polêmicas de valores a parte, evidente que quem mais se incomodou com o filme foram os milhares de “Bráulios” do país e suas famílias, que passaram a ser alvo de chacotas e brincadeiras na mesma proporção da imensa repercussão da campanha, que pelo bem ou pelo mal, talvez os dois juntos, marcou época no Brasil e no mercado publicitário.

[youtube https://www.youtube.com/watch?v=rKpUQKnjKJc?feature=oembed&w=810&h=608%5D

O imbróglio foi tamanho a ponto do então ministro da Saúde, Adib Jatene, chegar a declarar que poderia haver uma ou outra reação negativa, mas que não haveria alteração. Fazendo coro ao discurso oficial, em reportagem da Folha de São Paulo de setembro de 1995, o diretor do Grupo pela Vidda, chegou a declarar que “A gravidade da epidemia de AIDS não pode esperar discussões menores”. A fúria dos Bráulios só aumentou e chegaram mesmo a sugerir um novo nome para o personagem da propaganda: Adib. Fatos inusitados, mas verdadeiros.

“Luis Augusto”: mais de um milhão de views e debate dividido

Inscrito no canal oficial da Sadia no YouTube há pouco mais de quatro dias o novo vídeo promocional  da Sadia já tem mais de 1.182 milhão de views, mas amarga uma repercussão dividida, que deve estar preocupando os dirigentes da empresa  e deixando tensos os profissionais envolvidos. Até o momento os likes e unlikes eram 50% para cada lado aproximadamente.

Entretanto, a julgar pelos primeiros comentários dos consumidores, as próximas ações devem desembocar invariavelmente em representações e reclamações no Conar e Procon, respectivamente. Entre as centenas de manifestações até o momento, até um grupo de WhatsApp já havia sido criado para endossar uma petição coletiva contra a Sadia.

Em 1996, a campanha do “Bráulio” teve vida curta e foi retirada do ar no meio de sua polêmica, mas seus efeitos se provaram duradouros e alimentam brincadeiras e  influenciam decisões judiciais (de alteração de nome a indenizações) até hoje. Independente da semelhança entre as duas propagandas algumas diferenças fundamentais entre as peças merecem ser analisadas.

Este novo filme da Sadia trata de um produto de consumo e não uma causa social o que, ao menos em tese, diminuiria os argumentos dos possíveis defensores como ocorreu no passado. Além disso, temos uma empresa privada imputando uma carga negativa com adjetivos depreciativos para um nome próprio aleatório. Mesmo na campanha da década de 90, essa relação era consequente da comparação, não havia ofensas diretas, apenas implícitas, o foco era outro.

Ainda é cedo para definir, mas é provável que estejamos presenciando o mais emblemático deslize de marketing do presunto Sadia. É oportuno lembrar que estamos falando do embutido ícone do Brasil, um símbolo de propagandas que marcaram época e permanecem até hoje na memória afetiva de milhões de consumidores.

“Zuêra” ou “Sacanagem”?

Em 2014 o Procon-RJ mandou retirar os ovos de páscoa da Lacta, Bis Xtra+Chocolate das prateleiras por conterem uma embalagem polêmica, onde o consumidor (leia-se crianças) podiam personalizá-la com adesivos que tinham o objetivo de “sacanear” o amigo, com palavras como “morto de fome,” “nerd”, “chute-me” entre outras

“A Páscoa possui uma mensagem de paz e confraternização e essa campanha manda sacanear os outros? Quem elaborou essa campanha é sem noção”, disparou a então secretária estadual de Proteção e Defesa do Consumidor em matéria do O Estado de S. Paulo de abril de 2014.

No início do ano participei de uma mesa redonda sobre tendências no branding e conheci um profissional envolvido nessa polêmica campanha da Mondelez, de 2014. Segundo ele, muitos envolvidos foram contra os termos da campanha antes de seu lançamento, já prevendo possíveis crises de imagem e prejuízos financeiros, sobretudo pela tradução. No caso, as palavras “zuêra” e “sacanagem” estavam sendo usadas como sinônimos, o que segundo ele “era sensivelmente diferente em intensidade no nosso país”.

Independente das opiniões sobre exageros ou não cometidos nestas propagandas, o fato é que eles custam caro aos envolvidos. Se por um lado há o prejuízo emocional (imensurável), por outro, há o financeiro e institucional para as empresas. No caso da Sadia os próximos capítulos dessa história estão sendo desenhados neste exato momento e ainda será preciso contabilizar (e separar) os lucros (se é que existirão) dos prejuízos…

Fabricio Trevisan é Gestor de Comunicação Corporativa e Consultor de Branding e Inovação