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Pugliesi, os “novos especialistas” e a propaganda no sec. XXI

O Conar, no inicio do mês, abriu um processo para investigar a publicidade velada no blog da Gabriela Pugliesi (veja aqui). Este processo abre discussões muito maiores do que a simples punição ou não de Pugliesi, ou se é legitimo ou não ela fazer propaganda de outras empresas e marcas. Ele traz à tona e problematiza uma discussão sobre a publicidade no século XXI. Propaganda tem uma definição clara: é um […] Leia mais

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Branding, Consumo e Negócios

Publicado em 27 de abril de 2016 às, 18h29.

Última atualização em 24 de fevereiro de 2017 às, 07h41.

O Conar, no inicio do mês, abriu um processo para investigar a publicidade velada no blog da Gabriela Pugliesi (veja aqui). Este processo abre discussões muito maiores do que a simples punição ou não de Pugliesi, ou se é legitimo ou não ela fazer propaganda de outras empresas e marcas. Ele traz à tona e problematiza uma discussão sobre a publicidade no século XXI.

Pugliese

Print do blog da Gabriela Pugliesi. Ao acessar, era possível ver a exibição de marcas One & Only Rheethi Rah, um Hotel na Maldívias, SunMax e New Balance, entre outras.

Propaganda tem uma definição clara: é um espaço comprado num veículo de mídia para que uma empresa comunique seus produtos ou serviços. Como o espaço é controlado pelo produtor da mensagem – a empresa anunciante – imagina-se que a mensagem seja sempre positiva. Nós, consumidores do século XXI, como estamos acostumados com esse tipo de mensagem, aplicamos a ela certos filtros: sabemos que a mensagem é positiva, sabemos que é exagerada, e sabemos as claras intenções que as empresas tem ao anunciar.

Por isso, ainda que gostemos das imagens, sabemos que o hambúrguer não será exatamente igual ao da foto, que o cabelo não fica exatamente igual ao da modelo, e que não se irá usar o carro 4×4 para subir trilhas em montanhas. A clara distinção de que estamos vendo um anuncio nos ajuda a lidar com a influência que ele traz, e por isso o anunciar é absolutamente normal e legal.

A queixa do Conar se apoia justamente neste fato: se vemos um produto em exposição e não sabemos que se trata de uma propaganda, não aplicamos esses “filtros” e, portanto, o ato se torna uma propaganda desleal. Com a atual migração das mídias tradicionais, como jornais e revistas, para sites de internet, perde-se a referência do que é editorial e do que é propaganda, fazendo com que essas ações se tornem cada vez mais comuns. Os sites das blogueiras se transformam em grandes plataformas de merchandising, mas como os consumidores não o percebem como tal, se configura a propaganda desleal.

As blogueiras conseguem ter o poder de indicação de produtos ou serviços para suas “leitoras-seguidoras”. A relação de indicação é aquela que temos com dois tipos de pessoas: amigos ou parentes que confiamos, e o “especialista”. Ambas bastante poderosas.

A indicação de um amigo ou parente é importante porque ele viveu uma experiência anterior que o credencia a dizer se ela foi boa ou ruim. A indicação tem credibilidade porque é imparcial. “Vou te dar uma dica de uma experiência bacana que vivi”. Se esta dica foi comprada pelo anunciante, ela pode até parecer imparcial, mas não é. Ela é publicidade velada. As blogueiras simulam o papel da indicação da amiga com os seus seguidores.

A indicação de um especialista é ainda mais grave. Um “especialista” é alguém que, por algum motivo, conseguiu uma posição distintiva que o credencia a opinar sobre a qualidade de certos produtos. São chamados de “especialistas” por possuírem o conhecimento necessário para dizer ao consumidor as características reais de cada produto num mercado.

No passado, era preciso ser alguém com um claro conhecimento do tema, muitas vezes até acadêmico, e com certa reverencia de seus pares para que se conquistasse o poder de influenciar outros. O maestro premiado podia julgar os novos compositores, o enólogo reconhecido estava apto a classificar os vinhos, o doutor em literatura julgava os novos livros. Mas no nosso mundo contemporâneo, sobrecarregado de informações, basta uma simples explosão viral de compartilhamentos para que alguém se converta num especialista instantâneo.

Ao se transformar num especialista instantâneo, com pouca relação com a categoria a qual está julgando, os “novos especialistas” são mais corrompíveis. Eles possuem menos envolvimento com aquilo que julgam, e estão mais susceptíveis a venderem os seus espaços. A credibilidade conquistada não significa muito, pois eles a conquistaram por acaso, e não em função de anos de dedicação. Assim é a Pugliesi: ela é uma “nova especialista” que não tem envolvimento com o mercado de nutrição e educação física. Ela não ama esses mercados. Ela simplesmente percebeu que tinha poder de influência, e que podia trocar essa influência por dinheiro.

O especialista, por possuir dedicação e amor ao mercado, ainda que tenha resultados financeiros em função da sua especialidade, o faz de maneira diferente. Ele vende sua exposição, mas não vende sua opinião. Ou seja, ele cobra para fazer colunas, livros, palestras, cursos, e até propagandas, mas ele não costuma vender sua opinião. Aliás, se ele o fizer, rapidamente perde o seu status de especialista entre seus pares, num sistema de “auto-regulamentação”. Isso não impede, caso ele se torne uma celebridade, de fazer propagandas de outros produtos não correlatos, como a recente campanha dos cozinheiros do MasterChef para o Bradesco.

Jacquin

Erick Jacquin indicando os serviços digitais do Bradesco

Os blogueiros como a Pugliesi conseguem influenciar um grande contingente de pessoas que os seguem e que dão a eles credibilidade. E as marcas, ávidas por encontrar novos espaços para conseguirem se afirmar, perceberam nestes um mercado barato e com alta credibilidade. A dica com ares de especialista cria uma intimidade e um relacionamento instantâneo entre a marca, a blogueira e os consumidores difícil de reproduzir nas mídias mais tradicionais.

O que o Conar pode fazer contra a Pugliesi, e outros blogueiros, é muito pouco. Primeiro porque é difícil provar que a publicidade velada foi feita. Depois, em função da infinidade de novos “especialistas” que surgem a cada dia, o Conar vai ser sempre insuficiente para punir a todos.

O único que tem esse poder, sempre ele, é o consumidor. Este consumidor já aprendeu a não ser manipulado pelos exageros da publicidade, e por isso dá a ela pouca credibilidade. Mas ele ainda parece não ter conseguido aprender a escolher melhor os seus especialistas. Para que isso possa ser feito, a reação dos “especialistas reais” é essencial, como as associações de nutricionistas e professores de educação física tem feito contra a Pugliesi e as outras “fit girls”.

E quanto aos anunciantes? Eles não poderiam simplesmente não anunciar nesse tipo de site? A resposta é sim. Mas a verdade é que os profissionais de marketing, por mais que possam se sentir constrangidos por usar essas estratégias, são cobrados por resultados. E se as blogueiras funcionam, eles vão continuar investindo. As marcas só vão deixar de investir quando os consumidores pararem de dar credibilidade às opiniões dos “novos especialistas”.

 

Marcos Bedendo é professor de marketing e branding da ESPM-SP, e consultor da Brandwagon Consultoria de Branding e Inovação.