Exame.com
Continua após a publicidade

Oliver e Atala: as novas vítimas da BRF e JBS

É muito comum se discutir o quanto as celebridades e personalidades podem agregar às marcas. Também se discute o quanto elas podem prejudicar as marcas, quando se envolvem em polêmicas, casos de dopings e até problemas com a justiça. Mas muitas vezes nos esquecemos que as celebridades são marcas em si, e essas marcas devem ser gerenciadas com cuidado, para que o prestígio e reconhecimento conquistados não se esvaiam da […] Leia mais

B
Branding, Consumo e Negócios

Publicado em 12 de julho de 2016 às, 11h52.

Última atualização em 24 de fevereiro de 2017 às, 07h35.

É muito comum se discutir o quanto as celebridades e personalidades podem agregar às marcas. Também se discute o quanto elas podem prejudicar as marcas, quando se envolvem em polêmicas, casos de dopings e até problemas com a justiça.

Mas muitas vezes nos esquecemos que as celebridades são marcas em si, e essas marcas devem ser gerenciadas com cuidado, para que o prestígio e reconhecimento conquistados não se esvaiam da noite para o dia. Quase nunca nos lembramos das celebridades do passado, que ficam relegados a quadros do tipo “por onde anda você” de sites de fofoca e canais de televisão.

A verdade é que o mercado pode ser muito mais cruel com a marca de uma celebridade do que com a marca de um produto ou serviço. Ainda que estão longe de serem commodities, é incrivelmente intensa a disputa neste mercado. O grande esportista de hoje perde espaço para o novo na temporada seguinte. O ator disputado pelos filmes de Hollywood some no próximo ano. A cantora sensação do carnaval passado não consegue mais encher nem uma pequena casa de shows no carnaval seguinte.

Ficar no topo por um tempo longo é tão desafiador quanto construir marcas globais multibilionárias. As marcas são mais estáveis, mais tangíveis. Elas oferecem produtos e serviços que acompanham os consumidores por certos momentos da vida. As celebridades são produzidas e consumidas pela mídia cotidiana, que sempre busca a nova sensação do momento, descartando com facilidade, sem se despedir daquelas que deixam para trás.

Por isso, além de buscar a exposição constante, as celebridades que querem vender suas marcas para produtos e serviços devem buscar as exposições certas. Isso significa se resguardar de aparecer em certos lugares e situações, enquanto continuam incessantemente na mídia. É uma arte rara.

Para que isso aconteça, além de ter que se negar convites para aparições e participações, deve-se escolher quais marcas endossar. Quando uma celebridade aparece impulsionando uma marca, ela une sua imagem a essa marca, e assim como a marca pode sofrer caso a celebridade incorra em problemas, a celebridade pode sofrer se os valores e práticas da marca não forem iguais aos seus.

Jamie Oliver e Alex Atala são celebridades que demoraram anos para se construírem. Atala foi um dos mais premiados chefs do Brasil e seu restaurante, o DOM, se tornou mundialmente conhecido. Ele chegou a estar cotado em 4º lugar no conceituado ranking da revista londrina “Restaurant”, voltada para chefs e proprietários de restaurante. Desde 2006, quando entrou no ranking na 50ª posição, o DOM permanece na lista. Segundo o site do restaurante “Atala supera as fronteiras da cozinha e atua como cidadão responsável, valorizando o pequeno produtor, incentivando jovens profissionais e apoiando projetos de terceiro setor.” Em Junho, Alex se tornou garoto propaganda da Seara, marca da JBS, a maior produtora de proteína animal do Brasil.

Atala

Alex Atala em foto da campanha da Seara, num campo onde não são produzidos frangos

Jamie Oliver sempre foi um “showman”. Foi descoberto por uma produtora de programas culinários em 1996 e desde então é um dos chefs mais midiáticos do mundo. Além de milhares de programas em diferentes formatos, Jamie tem dezenas de livros culinários e é um sucesso mundial. Ainda que sua fama venha da maneira despretensiosa e fácil de fazer culinária, Jamie ficou ainda mais famoso entre 2012 e 2013, quando liderou uma campanha contra a utilização de hidróxido de amônia na fabricação de carnes usada por grandes redes como o McDonald´s. Chamado de “Chef ativista”, ele também atacou a maneira como a indústria de alimentos reutiliza partes que deveriam ser descartadas de animais para fazer produtos como nuggets, por exemplo, que podem conter gordura, pele, cartilagem, vísceras, ossos, cabeça e pernas dos animais.

Jamie Oliver é a estrela do “Saber Alimenta”, programa da Sadia, a maior empresa de alimentos e a maior produtora de nuggets do Brasil, que segundo o site da empresa “…é o projeto pedagógico que ensina as crianças a serem protagonistas na mudança dos hábitos alimentares dentro de casa e cria uma relação mais próxima delas com os alimentos saudáveis”.

Foto do site da Sadia, com Jamie Oliver, onde nenhum produto da Sadia é mostrado

Alex e Jamie devem saber mais do que qualquer um a dificuldade de se tornar uma celebridade num meio tão concorrido como o de Chefs. E o quanto é difícil se manter em evidência num mundo recheado de novos restaurantes, novos chefs e novos shows de culinária. Também devem saber o quanto vale o seu endosso a um produto ou serviço. Imagina-se que eles, acompanhado de suas equipes, devem fazer um rigoroso controle de onde e quando aparecer.

Mas ao emprestar suas imagens à Seara e à Sadia, eles estão endossando todas as práticas que essas empresas tem. Se isso está ligado somente ao projeto específico ao qual eles fazem parte, não importa. Seus admiradores, críticos e consumidores não irão diferenciar o projeto “Saber alimenta” das práticas que são comuns à produção e fabricação dos alimentos da Sadia. Da mesma maneira, não irão diferenciar o programa “hoje tem frango” da Seara com os demais alimentos da linha de produtos da marca. Qualquer assunto relacionado à essas empresas serão automaticamente ligados às figuras dos chefs. E a infeliz realidade é que eles são bastante diferentes das propagadas nas duas campanhas, e muito diferentes do que os chefs parecem ter sempre tentado defender durante toda sua carreira.

Frango

Foto de André Campos/Repórter Brasil sobre o trabalho dos “colocadores de frango em caixa”, em um post do blog do Sakamoto, completo aqui

Em tempo, vale-se ressaltar que é diferente a percepção das pessoas quando elas são impactadas por outros porta-vozes da marca, como Rodrigo Faro e Fátima Bernardes. Os dois não são especialistas no mercado. Emprestam suas imagens para trazer uma maior repercussão e certa confiabilidade à mensagem, mas não são supostos especialistas capazes de avaliar as práticas e os produtos das empresas. Dificilmente um erro da marca pode levar a um problema profundo para suas imagens pessoais, pois o vínculo é mais fraco.

Já com os chefs, não é a mesma coisa. Atala e Oliver foram contratados especialmente pelo poder de endosso que possuem. Eles foram pagos para avalizar e aprovar as práticas de produção, fabricação e comercialização de produtos. E serão responsabilizados pelas claras contradições que esses projetos parecem ter, desde esse início. Nessa guerra entre os gigantes BRF e JBS, a próxima vítima poderá ser Jaimie Oliver e Alex Atala.