O último suspiro da indústria do tabaco
Até meados dos anos 90, fazer uma campanha para marcas de tabaco era sonho de muitos publicitários. Pudera. Donos de grandiosas verbas de mídia, e gigantescas verbas de produção, os cigarros são produtos que não tem nenhum tipo de benefício funcional. Portanto, sua diferenciação tinha que ser construída por argumentos emocionais e simbólicos, advindos das ideias que os publicitários transmitiam com suas propagandas. Passar essa mensagem era um trabalho privilegiado, […] Leia mais
Da Redação
Publicado em 27 de julho de 2016 às 10h11.
Última atualização em 24 de fevereiro de 2017 às 07h33.
Até meados dos anos 90, fazer uma campanha para marcas de tabaco era sonho de muitos publicitários. Pudera. Donos de grandiosas verbas de mídia, e gigantescas verbas de produção, os cigarros são produtos que não tem nenhum tipo de benefício funcional.
Portanto, sua diferenciação tinha que ser construída por argumentos emocionais e simbólicos, advindos das ideias que os publicitários transmitiam com suas propagandas. Passar essa mensagem era um trabalho privilegiado, e atiçava a criatividade e interesse dos publicitários pela necessidade da criação de mensagens sofisticadas, metáforas complexas e a ausência de ter que se incluir nos discursos as frases “chatas e funcionais” de qualquer outro produto.
Mas o valor das marcas de tabaco não vinha apenas daí. Ele havia sido criado muitos anos antes, logo no início da revolução industrial. Com um produto fácil de se produzir, e extremamente rentável, os donos das indústrias de tabaco foram os primeiros e maiores clientes da indústria da propaganda e relações públicas, recrutando os melhores profissionais destes mercados para adicionar valor aos seus tubos de alcatrão e nicotina.
Uma das primeiras ações que podem ser chamadas de “Relações Públicas” vieram dessas marcas, numa ação que ficou conhecida como “ torches of freedom ”. A ação foi desenvolvida por Edward Bernays, sobrinho de Sigmund Freud e tido por muitos como o criador da própria expressão “Relações Públicas”. Nesta ação, Bernays tinha como objetivo fazer com que o cigarro passasse a ser consumidor por mulheres, um tabu nos anos 30. E ele fez isso ao associa-lo à busca pela independência feminina, transformando o “fumar em público” em uma ação de apoio à essa busca pela independência (ele mesmo conta essa história aqui, numa entrevista em inglês).
É notória a parceria entre a indústria do tabaco e o cinema em Hollywood, o que possibilitou a construção do mito do consumo do tabaco como um produto que trazia sofisticação, glamour, poder e conquista. Presente em milhares de filmes e na boca das mais proeminentes estrelas do cinema, ele continuou a aparecer como um protagonistas ao final de cenas de ação, depois de relações sexuais, e consumido junto com bebidas alcoólicas em festas glamorosas em muitos filmes a partir dos anos 30 e até, ao menos, o início dos anos 2000.
Essas ações, suportadas por grandes investimentos em propaganda, fez do uso do tabaco um rito de passagem para a vida adulta, um ato de rebeldia, um símbolo de sofisticação e se transformou numa verdadeira expressão da personalidade daqueles que eram fumantes. Cada marca representava um símbolo que era aproveitado pelos seus consumidores para construir sua própria personalidade.
Em relação aos malefícios do produto, desde os anos 60 se sabia que o uso contínuo do tabaco podia ser relacionado a doenças. Nos anos 70, alguns tipos de restrições à comercialização e consumo do tabaco começaram a ser definidos pelos legisladores americanos. A partir de 1996, isso chegou também no Brasil, com o aumento das restrições até a efetiva proibição de qualquer tipo de propaganda de marcas de cigarro em qualquer evento ou meio, à exceção dos locais de vendas dos produtos, ainda assim com diversas restrições ao tipo de mensagem. Mas o principal golpe ainda estava por vir.
Ainda que proibido de se fazer propaganda, o consumo dos produtos continuava estável. Afinal, a imagem de um produto não está condicionada somente à propaganda ativamente feita por ele. A visualização de outros usando o produto foi fundamental para que a imagem do cigarro continuasse a ser positiva e atraente.
De todas as proibições feitas, uma das mais danosa à imagem do cigarro foi a proibição do consumo em bares e restaurantes. Era comum até meados dos anos 2000 que se começasse a fumar dentro de festas e casas noturnas. Num ambiente frequentado essencialmente por jovens, o cigarro tinha um papel preponderante na imagem que eles gostariam de construir dentro daqueles ambientes. Ainda que o consumo já começasse a mostrar sinais de diminuição, ele ainda persistia. Afinal, todos os faziam. E mesmo a minoria que não o fazia, não escapava de voltar para casa cheirando fumaça.
Ao se proibir o consumo dentro desses lugares, o cigarro foi rapidamente perdendo a sua razão de ser. Se não era possível utiliza-lo como uma “ torch of freedom ” contemporânea dentro desses ambientes, o cigarro passou a ser relegado àqueles tão viciados que teriam que se ausentar do convívio para poder fazer uso do produto. E essa imagem começou a ser incrivelmente depreciativa.
Se no passado, os jovens orgulhosos exibiam maços de cigarro em cima de mesas de trabalho ou das faculdades, atualmente eles são escondidos, e seus usuários censurados quando retornam aos seus lugares com o inconfundível cheiro de fumaça.
Se o esclarecimento dos malefícios do cigarro pouco fez para que a população parasse de fumar, a transformação da sua simbologia se mostrou incrivelmente eficaz para que os benefícios do cigarro parassem de existir. E provou que a imagem de uma marca está intimamente associada à imagem de seus usuários. Quando pessoas desejáveis, e formadoras de opinião, pararam de se valer do cigarro para construir sua imagem, o interesse pelo produto deixou de existir.
A indústria do tabaco ainda tenta uma das suas algumas últimas cartadas para tentar se manter em evidência. A última, e triste, tentativa é a campanha feita para tentar se incutir na opinião pública que o aumento do imposto do cigarro aumenta a pirataria. Os anúncios, assinados pelo Fórum Nacional contra a Pirataria (FNCP) convenientemente usa apenas o exemplo do cigarro, ainda que também represente a indústria de óculos, brinquedos, relógios, roupas, filmes, material esportivo, medicamentos, entre outros. As campanhas estão sendo julgadas pelo Conar por supostamente induzirem ao tabagismo.
O cigarro é um grande exemplo de toda uma indústria, e de suas poderosas marcas, que foram construídas e destruídas pelo poder da opinião pública. Um exemplo que demonstra o poder do consumidor na construção das simbologias das marcas, e que vale a pena ser estudado por todos que possuem interesse nas relações de consumo e de marcas.
Marcos Bedendo é professor de marketing e branding e sócio consultor da Brandwagon, consultoria de marca e inovação
Até meados dos anos 90, fazer uma campanha para marcas de tabaco era sonho de muitos publicitários. Pudera. Donos de grandiosas verbas de mídia, e gigantescas verbas de produção, os cigarros são produtos que não tem nenhum tipo de benefício funcional.
Portanto, sua diferenciação tinha que ser construída por argumentos emocionais e simbólicos, advindos das ideias que os publicitários transmitiam com suas propagandas. Passar essa mensagem era um trabalho privilegiado, e atiçava a criatividade e interesse dos publicitários pela necessidade da criação de mensagens sofisticadas, metáforas complexas e a ausência de ter que se incluir nos discursos as frases “chatas e funcionais” de qualquer outro produto.
Mas o valor das marcas de tabaco não vinha apenas daí. Ele havia sido criado muitos anos antes, logo no início da revolução industrial. Com um produto fácil de se produzir, e extremamente rentável, os donos das indústrias de tabaco foram os primeiros e maiores clientes da indústria da propaganda e relações públicas, recrutando os melhores profissionais destes mercados para adicionar valor aos seus tubos de alcatrão e nicotina.
Uma das primeiras ações que podem ser chamadas de “Relações Públicas” vieram dessas marcas, numa ação que ficou conhecida como “ torches of freedom ”. A ação foi desenvolvida por Edward Bernays, sobrinho de Sigmund Freud e tido por muitos como o criador da própria expressão “Relações Públicas”. Nesta ação, Bernays tinha como objetivo fazer com que o cigarro passasse a ser consumidor por mulheres, um tabu nos anos 30. E ele fez isso ao associa-lo à busca pela independência feminina, transformando o “fumar em público” em uma ação de apoio à essa busca pela independência (ele mesmo conta essa história aqui, numa entrevista em inglês).
É notória a parceria entre a indústria do tabaco e o cinema em Hollywood, o que possibilitou a construção do mito do consumo do tabaco como um produto que trazia sofisticação, glamour, poder e conquista. Presente em milhares de filmes e na boca das mais proeminentes estrelas do cinema, ele continuou a aparecer como um protagonistas ao final de cenas de ação, depois de relações sexuais, e consumido junto com bebidas alcoólicas em festas glamorosas em muitos filmes a partir dos anos 30 e até, ao menos, o início dos anos 2000.
Essas ações, suportadas por grandes investimentos em propaganda, fez do uso do tabaco um rito de passagem para a vida adulta, um ato de rebeldia, um símbolo de sofisticação e se transformou numa verdadeira expressão da personalidade daqueles que eram fumantes. Cada marca representava um símbolo que era aproveitado pelos seus consumidores para construir sua própria personalidade.
Em relação aos malefícios do produto, desde os anos 60 se sabia que o uso contínuo do tabaco podia ser relacionado a doenças. Nos anos 70, alguns tipos de restrições à comercialização e consumo do tabaco começaram a ser definidos pelos legisladores americanos. A partir de 1996, isso chegou também no Brasil, com o aumento das restrições até a efetiva proibição de qualquer tipo de propaganda de marcas de cigarro em qualquer evento ou meio, à exceção dos locais de vendas dos produtos, ainda assim com diversas restrições ao tipo de mensagem. Mas o principal golpe ainda estava por vir.
Ainda que proibido de se fazer propaganda, o consumo dos produtos continuava estável. Afinal, a imagem de um produto não está condicionada somente à propaganda ativamente feita por ele. A visualização de outros usando o produto foi fundamental para que a imagem do cigarro continuasse a ser positiva e atraente.
De todas as proibições feitas, uma das mais danosa à imagem do cigarro foi a proibição do consumo em bares e restaurantes. Era comum até meados dos anos 2000 que se começasse a fumar dentro de festas e casas noturnas. Num ambiente frequentado essencialmente por jovens, o cigarro tinha um papel preponderante na imagem que eles gostariam de construir dentro daqueles ambientes. Ainda que o consumo já começasse a mostrar sinais de diminuição, ele ainda persistia. Afinal, todos os faziam. E mesmo a minoria que não o fazia, não escapava de voltar para casa cheirando fumaça.
Ao se proibir o consumo dentro desses lugares, o cigarro foi rapidamente perdendo a sua razão de ser. Se não era possível utiliza-lo como uma “ torch of freedom ” contemporânea dentro desses ambientes, o cigarro passou a ser relegado àqueles tão viciados que teriam que se ausentar do convívio para poder fazer uso do produto. E essa imagem começou a ser incrivelmente depreciativa.
Se no passado, os jovens orgulhosos exibiam maços de cigarro em cima de mesas de trabalho ou das faculdades, atualmente eles são escondidos, e seus usuários censurados quando retornam aos seus lugares com o inconfundível cheiro de fumaça.
Se o esclarecimento dos malefícios do cigarro pouco fez para que a população parasse de fumar, a transformação da sua simbologia se mostrou incrivelmente eficaz para que os benefícios do cigarro parassem de existir. E provou que a imagem de uma marca está intimamente associada à imagem de seus usuários. Quando pessoas desejáveis, e formadoras de opinião, pararam de se valer do cigarro para construir sua imagem, o interesse pelo produto deixou de existir.
A indústria do tabaco ainda tenta uma das suas algumas últimas cartadas para tentar se manter em evidência. A última, e triste, tentativa é a campanha feita para tentar se incutir na opinião pública que o aumento do imposto do cigarro aumenta a pirataria. Os anúncios, assinados pelo Fórum Nacional contra a Pirataria (FNCP) convenientemente usa apenas o exemplo do cigarro, ainda que também represente a indústria de óculos, brinquedos, relógios, roupas, filmes, material esportivo, medicamentos, entre outros. As campanhas estão sendo julgadas pelo Conar por supostamente induzirem ao tabagismo.
O cigarro é um grande exemplo de toda uma indústria, e de suas poderosas marcas, que foram construídas e destruídas pelo poder da opinião pública. Um exemplo que demonstra o poder do consumidor na construção das simbologias das marcas, e que vale a pena ser estudado por todos que possuem interesse nas relações de consumo e de marcas.
Marcos Bedendo é professor de marketing e branding e sócio consultor da Brandwagon, consultoria de marca e inovação