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Lupa Nutricional impacta o branding de alimentos

Entenda o que muda com o uso do desenho de uma lupa nas embalagens, que passará a ser obrigatório em outubro

Close-up shot of female hand putting a red bell pepper into a mesh grocery bag. Shopping with eco-friendly shopping bag for a sustainable lifestyle. (Getty Images/Getty Images)
DR

Da Redação

Publicado em 7 de junho de 2022 às 15h07.

Por Marcos Bedendo*

A partir de outubro desse ano começa a ser obrigatório, na parte da frente das embalagens, o uso do desenho de uma lupa destacando a eventual presença de altos teores de sódio, açúcar adicionado e gordura saturada. As empresas afetadas se movimentam para ajustar o design de suas embalagens, trazendo o destaque obrigatório enquanto mantém o impacto visual nos seus diferenciais de produtos. Mas mais do que encontrar o espaço correto para a inclusão da lupa no design da embalagem, é preciso entender que a entrada da Lupa é mais do que uma alteração técnica. Ela também impacta a estratégia.

Exemplo do elemento da “lupa” que deverá constar dos produtos com elevado teor de açúcar adicionado, gordura saturada ou sódio (Marcos Bedendo/Reprodução)

 

Imagens elaboradas pelo LabDSI da UFPR com a inclusão da lupa numa embalagem fictícia (LabDSI / UFPR/Reprodução)

A lupa é considerada uma advertência ao consumidor, que poderá avaliar melhor a qualidade dos alimentos e entender quais podem ser considerados mais ou menos saudáveis. O impacto prático da lupa potencialmente será que, ao ser confrontado com a lupa na embalagem de um produto, o consumidor passe a ter a ideia de que aquele produto é nocivo à saúde, ou mais nocivo do que outro produto que não tenha o mesmo ícone na embalagem. E isso traz implicações importantes para a estratégia de certos produtos.

Uma das possiblidades é reduzir o teor de açúcar, gordura e sódio para evitar a inclusão da lupa. Mas como isso pode afetar negativamente produtos que trabalham fortemente a questão de indulgência no seu consumo? A alteração de sabor pode levar a rejeição por parte de consumidores.

E como os consumidores irão consumir produtos indulgentes com a adição da lupa? Será que eles irão diminuir a frequência de consumo? Que elementos e discurso deverão ser incluídos na marca para que ela possa indicar momentos e situações propícias para o consumo, ou até mesmo um discurso de moderação? E de que maneira ela pode fazer isso, seguindo o tom de voz da marca e o relacionamento que já possui com os seus consumidores?

Contudo talvez os maiores impactos devam ocorrer com os produtos que, apesar de suas categorias, usam um discurso de saudabilidade, ou de “menor nocividade”. Ao ser obrigado a usar a lupa, será que os consumidores continuarão a confiar em suas promessas? Dado que tanto o produto indulgente como o “mais saudável” possui os mesmos avisos, não seria questão de deixar de lado a promessa do saudável e se entregar à indulgência?

A sustentação de um discurso negativamente correlacionado é bastante complexa - no caso a correlação negativa de produto saudável junto com a lupa que indica alto teor de gordura, açúcar ou sódio. Ocorrerá uma dissonância entre o discurso da marca e o uso da lupa, e nesse caso, como a marca deveria se alterar para suportar essa situação? E o que esperar da reação dos consumidores?

É clara a diferença de um alimento e de um cigarro, mas um paralelo dessa situação aconteceu no final dos anos 90, quando o entendimento dos malefícios do cigarro levou a construção de uma tentativa de um discurso de “baixos teores”, ou seja, de um cigarro que fosse menos nocivo que o produto tradicional. A situação, quando analisada no atual contexto, soa ridícula. A marca Free, que sempre se apoio no discurso de “baixos teores” enfatizava a sua posição com o slogan “questão de bom senso”, enquanto logo na sequência o ministério da saúde advertia que “fumar provoca diversos males à sua saúde”. O comercial pode ser visto no Youtube através desse link.

Embalagens dos cigarros “light”, supostamente menos ruins para a saúde, e que continham no verso os mesmos avisos do Ministério da Saúde encontrados nas suas versões regulares (Marco Bedendo/Reprodução)

Novamente, é importante referendar que alimentos não são cigarros. Afinal, mesmo com níveis mais altos de açúcar, gorduras ou sódio um alimento tem uma função nutricional. Mas é preciso evitar discursos incoerentes, incompletos ou ingênuos. Afinal, o uso da lupa irá gerar um novo patamar de discussão no mercado. E as marcas de alimentos devem estar preparadas para isso.

*Marcos Bedendo é professor de branding e marketing da ESPM-SP, FIA, PUC-RS e Ibmec, e sócio consultor da Brandwagon consultoria de branding e pesquisa de mercado.

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Por Marcos Bedendo*

A partir de outubro desse ano começa a ser obrigatório, na parte da frente das embalagens, o uso do desenho de uma lupa destacando a eventual presença de altos teores de sódio, açúcar adicionado e gordura saturada. As empresas afetadas se movimentam para ajustar o design de suas embalagens, trazendo o destaque obrigatório enquanto mantém o impacto visual nos seus diferenciais de produtos. Mas mais do que encontrar o espaço correto para a inclusão da lupa no design da embalagem, é preciso entender que a entrada da Lupa é mais do que uma alteração técnica. Ela também impacta a estratégia.

Exemplo do elemento da “lupa” que deverá constar dos produtos com elevado teor de açúcar adicionado, gordura saturada ou sódio (Marcos Bedendo/Reprodução)

 

Imagens elaboradas pelo LabDSI da UFPR com a inclusão da lupa numa embalagem fictícia (LabDSI / UFPR/Reprodução)

A lupa é considerada uma advertência ao consumidor, que poderá avaliar melhor a qualidade dos alimentos e entender quais podem ser considerados mais ou menos saudáveis. O impacto prático da lupa potencialmente será que, ao ser confrontado com a lupa na embalagem de um produto, o consumidor passe a ter a ideia de que aquele produto é nocivo à saúde, ou mais nocivo do que outro produto que não tenha o mesmo ícone na embalagem. E isso traz implicações importantes para a estratégia de certos produtos.

Uma das possiblidades é reduzir o teor de açúcar, gordura e sódio para evitar a inclusão da lupa. Mas como isso pode afetar negativamente produtos que trabalham fortemente a questão de indulgência no seu consumo? A alteração de sabor pode levar a rejeição por parte de consumidores.

E como os consumidores irão consumir produtos indulgentes com a adição da lupa? Será que eles irão diminuir a frequência de consumo? Que elementos e discurso deverão ser incluídos na marca para que ela possa indicar momentos e situações propícias para o consumo, ou até mesmo um discurso de moderação? E de que maneira ela pode fazer isso, seguindo o tom de voz da marca e o relacionamento que já possui com os seus consumidores?

Contudo talvez os maiores impactos devam ocorrer com os produtos que, apesar de suas categorias, usam um discurso de saudabilidade, ou de “menor nocividade”. Ao ser obrigado a usar a lupa, será que os consumidores continuarão a confiar em suas promessas? Dado que tanto o produto indulgente como o “mais saudável” possui os mesmos avisos, não seria questão de deixar de lado a promessa do saudável e se entregar à indulgência?

A sustentação de um discurso negativamente correlacionado é bastante complexa - no caso a correlação negativa de produto saudável junto com a lupa que indica alto teor de gordura, açúcar ou sódio. Ocorrerá uma dissonância entre o discurso da marca e o uso da lupa, e nesse caso, como a marca deveria se alterar para suportar essa situação? E o que esperar da reação dos consumidores?

É clara a diferença de um alimento e de um cigarro, mas um paralelo dessa situação aconteceu no final dos anos 90, quando o entendimento dos malefícios do cigarro levou a construção de uma tentativa de um discurso de “baixos teores”, ou seja, de um cigarro que fosse menos nocivo que o produto tradicional. A situação, quando analisada no atual contexto, soa ridícula. A marca Free, que sempre se apoio no discurso de “baixos teores” enfatizava a sua posição com o slogan “questão de bom senso”, enquanto logo na sequência o ministério da saúde advertia que “fumar provoca diversos males à sua saúde”. O comercial pode ser visto no Youtube através desse link.

Embalagens dos cigarros “light”, supostamente menos ruins para a saúde, e que continham no verso os mesmos avisos do Ministério da Saúde encontrados nas suas versões regulares (Marco Bedendo/Reprodução)

Novamente, é importante referendar que alimentos não são cigarros. Afinal, mesmo com níveis mais altos de açúcar, gorduras ou sódio um alimento tem uma função nutricional. Mas é preciso evitar discursos incoerentes, incompletos ou ingênuos. Afinal, o uso da lupa irá gerar um novo patamar de discussão no mercado. E as marcas de alimentos devem estar preparadas para isso.

*Marcos Bedendo é professor de branding e marketing da ESPM-SP, FIA, PUC-RS e Ibmec, e sócio consultor da Brandwagon consultoria de branding e pesquisa de mercado.

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