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Lula e Bolsonaro: Dá para comparar?

Marketing não é só pirotecnia, truques e efeito de luz podem até ter efeito momentâneo mas se basear apenas nisso é certeza de suicídio de reputação

Podcast A+ debate a corrida presidencial (Paulo Whitaker e Rodolfo Buhrer/Reuters)
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marianamartucci

Publicado em 11 de março de 2021 às 17h47.

Última atualização em 11 de março de 2021 às 19h17.

Sim, política e polarização. Hoje, porém, proponho exercitar a crítica ao invés de opilar o fígado e pensar as duas figuras públicas sob o ponto de vista da comunicação, especificamente da construção e manutenção de marcas.

Não vamos falar de embalagens, estratégias, discurso, campanhas, tutoriais de redes sociais, etc mas de algo muito mais profundo e difícil de se conquistar: consistência. É claro, que isso envolve todas as opções anteriores e muito mais, porém a base de tudo é o propósito que envolve cada um desses movimentos.

É muito comum, mais do que deveria, encontrar dirigentes de todo o tipo de organização, pública ou privada, apostando (a palavra é essa mesma) recursos e energias de comunicação em ações mirabolantes, aparentemente eficazes, porém com efeitos degenerativos mais adiante, sem qualquer fio condutor entre elas.

É funk que está bombando? Então vamos fazer. Agora é o “eco friendly”? Então vamos fazer um funk da preservação. E não é apenas o apego desesperado às tendências, mas também as inesperadas e contraditórias guinadas de posicionamento que costumam dinamitar confiança e aderência do público.

Em menos de 24h o Governo Federal promoveu mudança de posicionamento radical sobre vacinas e uso de máscaras e anunciou a demissão do secretário especial de comunicação, Fabio Wajngarten, ações que deixaram a população confusa e sua base de apoio dividida.

Aqui, farei um adendo, trata-se de uma inestimável e positiva guinada, o Brasil nesse mesmo dia bateu o recorde de 2.218 mortes por covid-19, não há o que se discutir sob a luz da ciência no que diz respeito à vacinação.

Porém, a conversa é sobre consistência de marcas e ontem, logo após a coletiva do ex-presidente, o jornalista Felipe Moura Brasil tentou equiparar supostas semelhanças entre Lula e Bolsonaro em um tweet, que terminava por concluir: “suas semelhanças dizem mais que diferenças”.

O Jornalismo Wando, colunista do The Intercept Brasil, também usou a rede para questionar “quem vende a ideia de que Bolsonaro e Lula são dois lados de uma mesma moeda”. Para ficar apenas no quesito ataques à Imprensa, o perfil lembrou que “o questionamento e a crítica também fazem parte da liberdade jornalística”.

Em seu discurso de ontem (10.03) é difícil sustentar que Lula apostou em uma verborragia pejorativa, mas sim que questionou e criticou o que foi dito pela imprensa . Não fez ataques pessoais. Não ofendeu. Não ameaçou cortar verbas. Assim como nas posições de marca como você faz é mais determinante do que simplesmente aquilo que você faz. Não fosse isso a Coca-Cola seria apenas água com açúcar e corante.

Essas diferenças de posturas sutis, como o pedido de licença para a retirada das máscaras, a demonstração  de empatia ao colocar seu problema pessoal atrás da tragédia coletiva, mas principalmente a capacidade narrativa de envolver pessoas em um projeto maior, um objetivo de prosperidade real transmitem consistência.

De forma oposta o  fato de a equipe presidencial aparecer em coletiva utilizando as proteções e mudando discurso de repente, logo após um ano de desdém e, coincidentemente, apenas após essa sinalização de caminho pela “concorrência”, tem efeito contrário e enfraquecem a relação de confiança, até mesmo diante de um público (eleitorado) mais cativo.

É nesse ponto que quero propor o raciocínio, se fossem empresas, ou instituições, ou mesmo marcas de consumo. Do ponto de vista da consistência, da aderência e da defesa de marca, quem estaria em vantagem para ampliar mercado?

É inegável que ambos conseguiram conquistar ideologicamente corações e mentes, por caminhos diferentes e, aparentemente com potencial de longevidade distintos. Porém, o que se percebe é que enquanto Lula cresce há décadas, mesmo após crises profundas, Bolsonaro desidrata, após uma ascensão meteórica, em muito sustentada pela carona em um vácuo, mas não em um propósito coletivo claro. Seria o “funk da preservação” que muitos dirigentes optam, para logo em seguida mudar um bossa-nova, como se nada houvesse acontecido. Funciona mas não perdura.

Como na lenda já bastante repetida e supostamente atribuída o rei de Portugal D. João V, em que o monarca  ao visitar a vila de  Mafra, em Lisboa, perguntava a alguns pedreiros o que eles estavam fazendo. Enquanto alguns respondiam: “Estou quebrando pedras” ou “Estou lixando madeira” um deles, o mais simples que misturava a cal, respondeu “Estou construindo uma catedral”.

É claro que algumas marcas de consumo extrapolam a dose e viram motivo de piada, com razão. Muitas vezes um sabonete é apenas um sabonete, não a salvação do planeta. Porém, para a consistência de marcas, instituições ou pessoas, que atuam na esfera das ideias, além de sinalizar para algum propósito maior é preciso inspirar o caminho de sua busca e se manter firme ao propósito, se possível, sem se perder definitivamente em modismos ou atalhos atraentes, principalmente no campo das lideranças políticas. Não é fácil.

*Fabricio Trevisan é especialista em Comunicação Corporativa e Gestão de Imagem e sócio fundador da Agência Ímer.Siga a Ímer para novos projetos e oportunidades de carreirano LinkedIn.

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Sim, política e polarização. Hoje, porém, proponho exercitar a crítica ao invés de opilar o fígado e pensar as duas figuras públicas sob o ponto de vista da comunicação, especificamente da construção e manutenção de marcas.

Não vamos falar de embalagens, estratégias, discurso, campanhas, tutoriais de redes sociais, etc mas de algo muito mais profundo e difícil de se conquistar: consistência. É claro, que isso envolve todas as opções anteriores e muito mais, porém a base de tudo é o propósito que envolve cada um desses movimentos.

É muito comum, mais do que deveria, encontrar dirigentes de todo o tipo de organização, pública ou privada, apostando (a palavra é essa mesma) recursos e energias de comunicação em ações mirabolantes, aparentemente eficazes, porém com efeitos degenerativos mais adiante, sem qualquer fio condutor entre elas.

É funk que está bombando? Então vamos fazer. Agora é o “eco friendly”? Então vamos fazer um funk da preservação. E não é apenas o apego desesperado às tendências, mas também as inesperadas e contraditórias guinadas de posicionamento que costumam dinamitar confiança e aderência do público.

Em menos de 24h o Governo Federal promoveu mudança de posicionamento radical sobre vacinas e uso de máscaras e anunciou a demissão do secretário especial de comunicação, Fabio Wajngarten, ações que deixaram a população confusa e sua base de apoio dividida.

Aqui, farei um adendo, trata-se de uma inestimável e positiva guinada, o Brasil nesse mesmo dia bateu o recorde de 2.218 mortes por covid-19, não há o que se discutir sob a luz da ciência no que diz respeito à vacinação.

Porém, a conversa é sobre consistência de marcas e ontem, logo após a coletiva do ex-presidente, o jornalista Felipe Moura Brasil tentou equiparar supostas semelhanças entre Lula e Bolsonaro em um tweet, que terminava por concluir: “suas semelhanças dizem mais que diferenças”.

O Jornalismo Wando, colunista do The Intercept Brasil, também usou a rede para questionar “quem vende a ideia de que Bolsonaro e Lula são dois lados de uma mesma moeda”. Para ficar apenas no quesito ataques à Imprensa, o perfil lembrou que “o questionamento e a crítica também fazem parte da liberdade jornalística”.

Em seu discurso de ontem (10.03) é difícil sustentar que Lula apostou em uma verborragia pejorativa, mas sim que questionou e criticou o que foi dito pela imprensa . Não fez ataques pessoais. Não ofendeu. Não ameaçou cortar verbas. Assim como nas posições de marca como você faz é mais determinante do que simplesmente aquilo que você faz. Não fosse isso a Coca-Cola seria apenas água com açúcar e corante.

Essas diferenças de posturas sutis, como o pedido de licença para a retirada das máscaras, a demonstração  de empatia ao colocar seu problema pessoal atrás da tragédia coletiva, mas principalmente a capacidade narrativa de envolver pessoas em um projeto maior, um objetivo de prosperidade real transmitem consistência.

De forma oposta o  fato de a equipe presidencial aparecer em coletiva utilizando as proteções e mudando discurso de repente, logo após um ano de desdém e, coincidentemente, apenas após essa sinalização de caminho pela “concorrência”, tem efeito contrário e enfraquecem a relação de confiança, até mesmo diante de um público (eleitorado) mais cativo.

É nesse ponto que quero propor o raciocínio, se fossem empresas, ou instituições, ou mesmo marcas de consumo. Do ponto de vista da consistência, da aderência e da defesa de marca, quem estaria em vantagem para ampliar mercado?

É inegável que ambos conseguiram conquistar ideologicamente corações e mentes, por caminhos diferentes e, aparentemente com potencial de longevidade distintos. Porém, o que se percebe é que enquanto Lula cresce há décadas, mesmo após crises profundas, Bolsonaro desidrata, após uma ascensão meteórica, em muito sustentada pela carona em um vácuo, mas não em um propósito coletivo claro. Seria o “funk da preservação” que muitos dirigentes optam, para logo em seguida mudar um bossa-nova, como se nada houvesse acontecido. Funciona mas não perdura.

Como na lenda já bastante repetida e supostamente atribuída o rei de Portugal D. João V, em que o monarca  ao visitar a vila de  Mafra, em Lisboa, perguntava a alguns pedreiros o que eles estavam fazendo. Enquanto alguns respondiam: “Estou quebrando pedras” ou “Estou lixando madeira” um deles, o mais simples que misturava a cal, respondeu “Estou construindo uma catedral”.

É claro que algumas marcas de consumo extrapolam a dose e viram motivo de piada, com razão. Muitas vezes um sabonete é apenas um sabonete, não a salvação do planeta. Porém, para a consistência de marcas, instituições ou pessoas, que atuam na esfera das ideias, além de sinalizar para algum propósito maior é preciso inspirar o caminho de sua busca e se manter firme ao propósito, se possível, sem se perder definitivamente em modismos ou atalhos atraentes, principalmente no campo das lideranças políticas. Não é fácil.

*Fabricio Trevisan é especialista em Comunicação Corporativa e Gestão de Imagem e sócio fundador da Agência Ímer.Siga a Ímer para novos projetos e oportunidades de carreirano LinkedIn.

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