Enquete é rifa, pesquisa é ciência
Mesmo que por mera coincidência tenham resultados parecidos ou convergentes com uma pesquisa, você não toma decisões influenciado por resultados de enquetes
Colunista
Publicado em 18 de julho de 2023 às 10h22.
Existe muita confusão sobre os processos de pesquisa. E muita confusão sobre a diferença entre pesquisa e enquete - que recentemente ganharam novos formatos no Instagram e WhatsApp. Vale, portanto, explicar a diferença oceânica entre as enquetes e as pesquisas.
Enquete é uma coisa
As enquetes são levantamentos que não têm um plano amostral definido previamente e dependem da adesão dos respondentes, ou seja, responde qualquer um que quiser responder. Quanto mais respondentes, melhor. Todo respondente é bem-vindo, sem controle de sexo, idade, escolaridade, renda, região ou qualquer outra característica.
Geralmente os convites para participar das enquetes são divulgados nas mídias sociais – mais recentemente no Instagram. Quem responde se encarrega de chamar outros respondentes. E, não raro, pela forma como os respondentes são convidados, todos têm preferências muito parecidas. Sem falar nos respondentes que se empenham em produzir determinado resultado – tratando a enquete como um concurso e o resultado como uma vitória.
Por todas estas características é comum delimitarmos os resultados de uma enquete como representativo exclusivamente daqueles que a responderam. Não há como extrapolar seus resultados para o universo porque eles se limitam àquelas pessoas que decidiram responder à enquete, geralmente pelas mesmas motivações e com os mesmos objetivos.
Significa dizer que os resultados da enquete só valem para quem respondeu à enquete. E às vezes nem representam fielmente aquelas pessoas, porque algumas pessoas podem ter votado na enquete somente para atender um pedido de um conhecido e não expressaram exatamente as suas próprias ideias.
Pesquisa é outra coisa
As pesquisas utilizam o rigor metodológico e observam os pressupostos da teoria Estatística: a amostra é definida antecipadamente e é uma miniatura do universo. A principal diferença é que nas pesquisas há um sorteio dos respondentes – daí ser possível estimar a margem de erro e nível de confiança. Diferentemente das enquetes, as pesquisas utilizam amostras probabilísticas: onde é possível estimar previamente a probabilidade de inclusão dos respondentes na amostra.
As pesquisas empregam amostras que são representativas do universo do qual foram extraídas. Por isso mesmo é possível conhecer o universo por meio da amostra que o representa, ou seja, tomar a amostra em substituição do universo para conhecer o universo. Sendo assim é usual (e seguro) extrapolar os resultados da amostra para o universo.
Enquete é rifa
Muitos dos meus alunos da ESPM, ESAMC e UNISO me ouviram dizer em sala de aula que enquete é rifa, pesquisa é ciência. Esta frase mnemônica ajudava os alunos a lembrar que nas enquetes – tal qual nas rifas – os respondentes geralmente se conhecem (ou conhecem os organizadores da rifa) e têm interesse em produzir um resultado ou ajudar uma causa.
Pesquisa é Ciência
As pesquisas seguem o rigor do método científico e nelas os respondentes não se conhecem e não são aliciados por conhecidos para ajudar uma causa ou produzir um resultado específico. Os respondentes (das pesquisas) são obtidos por sorteio para garantir que todas as pessoas que pertencem ao universo tenham as mesmas chances de ser entrevistadas. É justamente por isso que nas pesquisas quantitativas é possível conhecer a margem de erro e o nível de confiança dos resultados.
E para que servem as enquetes?
As enquetes, com todas as suas limitações e sem o poder da estatística (nenhum gestor de marketing toma decisões baseado em enquetes), também têm o seu lugar: servem para despertar o debate público e engajar as pessoas nestas discussões. Daí as enquetes – e seus (geralmente polêmicos) resultados – frequentarem blogs e perfis nas redes sociais.
As enquetes, quando bem empregadas, podem ajudar a engajar o seu público. Por exemplo: que tal lançar uma enquete com os seus clientes sobre quais das suas promoções eles gostam mais? E se for uma hamburgueria: que tal uma enquete para seus clientes votarem no melhor hambúrguer do seu cardápio?
Nunca é demais repetir que as enquetes não servem para conhecer a opinião de quem não respondeu a enquete. Ou seja, não é possível extrapolar os resultados das enquetes para toda a população.
E para que servem as pesquisas?
As pesquisas têm outro papel: servem para reduzir as incertezas e balizar decisões de marketing e comunicação. Como se valem de amostras probabilísticas, seus resultados são críveis e permitem conhecer o tamanho e potencial do mercado, hábitos, desejos, necessidades, intenção de compra, intenção de voto, satisfação, as marcas mais lembradas pelos consumidores e muito mais.
As pesquisas de lembrança de marca Top o f Mind
As pesquisas Top of Mind que revelam as marcas mais lembradas pelos consumidores empregam amostragem probabilística, ou seja, obtidas por sorteio. Não é uma votação, as marcas não são eleitas. Durante a pesquisa os entrevistadores perguntam: Quando você pensa em... qual é a primeira marca que lhe vem à sua cabeça?
E os respondentes (obtidos por sorteio) têm que responder espontaneamente para cada categoria de produtos ou serviços. É assim que são conhecidas as marcas lembradas em primeiro lugar em cada categoria. Aquelas que estão no topo da mente. As marcas mais fortes, lembradas em primeiro lugar.
As empresas que possuem as marcas Top of Mind celebram a posição porque significa que os consumidores vão se lembrar primeiro das suas marcas quando pensarem na categoria.
Agora que você sabe que Pesquisas e enquetes não se misturam. Não se comparam. Mesmo que por mera coincidência tenham resultados parecidos ou convergentes com uma pesquisa – ou ainda se na ausência de uma pesquisa os resultados de uma enquete pareçam plausíveis – você não tomará decisões influenciado por resultados de enquetes. E balizará seus investimentos de marketing e comunicação valendo-se de pesquisas.
E empregue as enquetes corretamente: para engajar seus clientes e estabelecer um diálogo com eles. E jamais chamará a sua enquete de pesquisa – coisa que ela não é.
*Victor Trujillo é psicólogo, MBA em Marketing pela ESPM, Professional Member of American Marketing Association - A.M.A. Trabalha há mais de 30 anos com Pesquisa de Mercado e Ciência do Consumo. É Diretor Geral do IPESO, consultor, palestrante e professor.
Existe muita confusão sobre os processos de pesquisa. E muita confusão sobre a diferença entre pesquisa e enquete - que recentemente ganharam novos formatos no Instagram e WhatsApp. Vale, portanto, explicar a diferença oceânica entre as enquetes e as pesquisas.
Enquete é uma coisa
As enquetes são levantamentos que não têm um plano amostral definido previamente e dependem da adesão dos respondentes, ou seja, responde qualquer um que quiser responder. Quanto mais respondentes, melhor. Todo respondente é bem-vindo, sem controle de sexo, idade, escolaridade, renda, região ou qualquer outra característica.
Geralmente os convites para participar das enquetes são divulgados nas mídias sociais – mais recentemente no Instagram. Quem responde se encarrega de chamar outros respondentes. E, não raro, pela forma como os respondentes são convidados, todos têm preferências muito parecidas. Sem falar nos respondentes que se empenham em produzir determinado resultado – tratando a enquete como um concurso e o resultado como uma vitória.
Por todas estas características é comum delimitarmos os resultados de uma enquete como representativo exclusivamente daqueles que a responderam. Não há como extrapolar seus resultados para o universo porque eles se limitam àquelas pessoas que decidiram responder à enquete, geralmente pelas mesmas motivações e com os mesmos objetivos.
Significa dizer que os resultados da enquete só valem para quem respondeu à enquete. E às vezes nem representam fielmente aquelas pessoas, porque algumas pessoas podem ter votado na enquete somente para atender um pedido de um conhecido e não expressaram exatamente as suas próprias ideias.
Pesquisa é outra coisa
As pesquisas utilizam o rigor metodológico e observam os pressupostos da teoria Estatística: a amostra é definida antecipadamente e é uma miniatura do universo. A principal diferença é que nas pesquisas há um sorteio dos respondentes – daí ser possível estimar a margem de erro e nível de confiança. Diferentemente das enquetes, as pesquisas utilizam amostras probabilísticas: onde é possível estimar previamente a probabilidade de inclusão dos respondentes na amostra.
As pesquisas empregam amostras que são representativas do universo do qual foram extraídas. Por isso mesmo é possível conhecer o universo por meio da amostra que o representa, ou seja, tomar a amostra em substituição do universo para conhecer o universo. Sendo assim é usual (e seguro) extrapolar os resultados da amostra para o universo.
Enquete é rifa
Muitos dos meus alunos da ESPM, ESAMC e UNISO me ouviram dizer em sala de aula que enquete é rifa, pesquisa é ciência. Esta frase mnemônica ajudava os alunos a lembrar que nas enquetes – tal qual nas rifas – os respondentes geralmente se conhecem (ou conhecem os organizadores da rifa) e têm interesse em produzir um resultado ou ajudar uma causa.
Pesquisa é Ciência
As pesquisas seguem o rigor do método científico e nelas os respondentes não se conhecem e não são aliciados por conhecidos para ajudar uma causa ou produzir um resultado específico. Os respondentes (das pesquisas) são obtidos por sorteio para garantir que todas as pessoas que pertencem ao universo tenham as mesmas chances de ser entrevistadas. É justamente por isso que nas pesquisas quantitativas é possível conhecer a margem de erro e o nível de confiança dos resultados.
E para que servem as enquetes?
As enquetes, com todas as suas limitações e sem o poder da estatística (nenhum gestor de marketing toma decisões baseado em enquetes), também têm o seu lugar: servem para despertar o debate público e engajar as pessoas nestas discussões. Daí as enquetes – e seus (geralmente polêmicos) resultados – frequentarem blogs e perfis nas redes sociais.
As enquetes, quando bem empregadas, podem ajudar a engajar o seu público. Por exemplo: que tal lançar uma enquete com os seus clientes sobre quais das suas promoções eles gostam mais? E se for uma hamburgueria: que tal uma enquete para seus clientes votarem no melhor hambúrguer do seu cardápio?
Nunca é demais repetir que as enquetes não servem para conhecer a opinião de quem não respondeu a enquete. Ou seja, não é possível extrapolar os resultados das enquetes para toda a população.
E para que servem as pesquisas?
As pesquisas têm outro papel: servem para reduzir as incertezas e balizar decisões de marketing e comunicação. Como se valem de amostras probabilísticas, seus resultados são críveis e permitem conhecer o tamanho e potencial do mercado, hábitos, desejos, necessidades, intenção de compra, intenção de voto, satisfação, as marcas mais lembradas pelos consumidores e muito mais.
As pesquisas de lembrança de marca Top o f Mind
As pesquisas Top of Mind que revelam as marcas mais lembradas pelos consumidores empregam amostragem probabilística, ou seja, obtidas por sorteio. Não é uma votação, as marcas não são eleitas. Durante a pesquisa os entrevistadores perguntam: Quando você pensa em... qual é a primeira marca que lhe vem à sua cabeça?
E os respondentes (obtidos por sorteio) têm que responder espontaneamente para cada categoria de produtos ou serviços. É assim que são conhecidas as marcas lembradas em primeiro lugar em cada categoria. Aquelas que estão no topo da mente. As marcas mais fortes, lembradas em primeiro lugar.
As empresas que possuem as marcas Top of Mind celebram a posição porque significa que os consumidores vão se lembrar primeiro das suas marcas quando pensarem na categoria.
Agora que você sabe que Pesquisas e enquetes não se misturam. Não se comparam. Mesmo que por mera coincidência tenham resultados parecidos ou convergentes com uma pesquisa – ou ainda se na ausência de uma pesquisa os resultados de uma enquete pareçam plausíveis – você não tomará decisões influenciado por resultados de enquetes. E balizará seus investimentos de marketing e comunicação valendo-se de pesquisas.
E empregue as enquetes corretamente: para engajar seus clientes e estabelecer um diálogo com eles. E jamais chamará a sua enquete de pesquisa – coisa que ela não é.
*Victor Trujillo é psicólogo, MBA em Marketing pela ESPM, Professional Member of American Marketing Association - A.M.A. Trabalha há mais de 30 anos com Pesquisa de Mercado e Ciência do Consumo. É Diretor Geral do IPESO, consultor, palestrante e professor.