Como o Uber cria a marca do século XXI?
Fala-se tanto da evolução da comunicação, dos novos pontos de contato, das redes sociais, do poder do consumidor na formação de marcas, dos relacionamentos entre marca e consumidor e da cocriação de marcas, mas quais empresas de fato têm aplicado esses fatores nas suas estratégias de construção de marcas? Recentemente, para ilustrar a estratégia da Seara, usei o exemplo da empresa Avis, da década de 60 (veja post aqui), o que […] Leia mais
Publicado em 5 de agosto de 2015 às, 09h58.
Última atualização em 24 de fevereiro de 2017 às, 07h58.
Fala-se tanto da evolução da comunicação, dos novos pontos de contato, das redes sociais, do poder do consumidor na formação de marcas, dos relacionamentos entre marca e consumidor e da cocriação de marcas, mas quais empresas de fato têm aplicado esses fatores nas suas estratégias de construção de marcas?
Recentemente, para ilustrar a estratégia da Seara, usei o exemplo da empresa Avis, da década de 60 (veja post aqui), o que demonstra como as empresas ainda se utilizam de estruturas antigas de campanha. Essas estratégias ainda podem funcionar, mas talvez com cada vez menos eficiência, com mais dispersão, e com menos contato com a realidade dos consumidores do século XXI.
Sendo assim, como deveremos criar marcas na segunda década do século XXI? Falamos de colaboração, envolvimento, engajamento, mas como isso pode ser aplicado ao mercado? Tirando ações esparsas com mais ou menos eficiência das marcas tradicionais, um bom exemplo de empresa que tem conseguido trilhar um novo caminho de criação da marca é o Uber.
Os desafios de comunicação do Uber são absolutamente maiores do que a média do mercado. É um serviço completamente novo, que demanda do consumidor um profundo entendimento de como ele funciona.
O serviço em si também traz questionamentos: quem são os motoristas? Por que eles cobram mais barato e tem serviços melhores do que os taxistas tradicionais? Posso confiar no aplicativo para incluir o meu cartão de crédito? Com quem reclamo em caso de problemas? Sem dúvida é uma tarefa mais complexa do que tentar fazer os consumidores trocarem de marca de presunto.
Como então o Uber engaja seus consumidores para que eles o ajude na difícil batalha da comunicação, e mais do que isso, na batalha política e legal para que o serviço seja liberado pelas autoridades locais? O que faz do Uber um serviço, ou marca, tão interessante que leva o consumidor a se apaixonar por ele a ponto de defendê-lo antes mesmo de poder utilizar os serviços?
Primeiramente, ele é, de fato, um ótimo serviço. Ele é inovador, ele possui melhor qualidade do que o produto atual (os taxis) e ela cobra um preço menor. Quantas vezes isso acontece em empresas já estabelecidas no mercado? Nunca. Ou quase nunca.
A perspectiva de se ter um produto melhor sempre é acompanhada de um preço premium e uma elitização dos consumidores – um dos grandes vícios ou problemas dos programas de gestão de marcas utilizados nas grandes empresas, onde todos parecem sempre buscar a sofisticação dos hábitos de consumo, agregando preços mais altos.
O serviço melhor e mais barato do Uber nos remete a um pensamento que só parece ter existido em massa durante a revolução industrial – quando por meio da tecnologia era possível fazer um produto melhor, mais barato e que permitia a popularização de mercados antes considerados de nicho, como é o serviço de taxi. O Uber pretende popularizar o serviço de transporte individual assim como a P&G e a Unilever popularizaram o uso de sabonetes e detergentes no século XIX.
Mas e as estratégias de comunicação? Elas também são tão antigas quanto revolucionárias. Uso intenso de assessoria de imprensa, “sampling” de produtos e ações em que “mimos” são entregues aos consumidores, gerando o boca a boca, são as mesmas utilizadas pelas empresas da Revolução Industrial. O que muda é a intensidade, típica da era digital e das redes sociais. Isso traz a construção do conhecimento de marca, mas também do “goodwill” da marca.
“Goodwill”, em gestão de marcas, é uma palavra de difícil tradução. Literalmente “boa vontade”, ela representa uma potencial simpatia do consumidor com relação a certas marcas, fazendo com que ele tenha interações mais positivas, e perdoe os deslizes de marca que porventura venham a ocorrer. Ações de entrega de “mimos”, bem humoradas e com capacidade de reverberar boca a boca são bons exemplos disso.
Então como se dá a construção do conhecimento e “goodwill” da marca Uber?
O primeiro passo é o sampling dos produtos: viagens de graça e descontos por afiliação, gerando o primeiro contato e interesse de uso. O bom produto faz com que a recomendação passe a acontecer de individuo para individuo, potencializado pelas redes sociais e pelas estratégias de “member get member”.
A qualidade do serviço proposto (o fator mais importante nesta criação de marca) faz com que as pessoas não só admirem o serviço do Uber, como critiquem o serviço anterior recebido dos taxistas. O preço é um importante influenciador da percepção desta qualidade, gerando sensação de frustração pelo serviço anterior.
O segundo passo é a oferta dos “mimos”. Além do serviço superior a um preço inferior, o Uber passa oferecer extras, que elevam a simpatia pela marca. Alguns exemplos: a distribuição de picolés nas corridas, o transporte gratuito de árvores de Natal nos EUA, a oferta de água, balas e revistas de maneira regular para os consumidores, ou seja, ações de baixo custo, mas de alto potencial emocional.
Com a simpatia construída por meio de um serviço mais prazeroso em comparação ao serviço atual de taxi, junto à proibição das autoridades locais à prestação de serviço, chega-se ao ponto crucial: o conflito que une os usuários em torno de um “bem comum maior”.
Ao lutar contra o sistema estabelecido, o Uber passa sensação do azarão que deve lutar contra os gigantes já estabelecidos para fazer com que as pessoas possam receber um serviço melhor e mais barato. Um defensor do livre mercado, um desafiador do status quo, uma proposta de futuro contra a burocracia do passado, ou seja, entrega uma proposta de marca que é absolutamente engajadora e fala com grande parte da população, em especial a mais jovem, formadora de opinião e mais presente nas redes sociais.
O Uber representa um “futuro engajado”, a possibilidade de se lutar a favor de produtos e serviços melhores contra o “presente opressor” representado pelos taxistas. Isso é essencial para o Uber ganhar um papel na sociedade superior ao serviço que presta. Ele se transforma num símbolo de modernidade, evolução e futuro. Nada mal para uma marca que não faz publicidade, fala com um público restrito e tem apenas alguns anos de vida. Esta perspectiva que ele trouxe das pessoas poderem se engajar parece ser o seu grande trunfo.
Estudar o caso do Uber nos faz repensar a importância da inovação sincera de produtos e serviços como um grande alavancador de marca, o que parece estar um pouco esquecido nas disputas de comunicação atuais. Ele traz uma nova perspectiva de engajamento, pois pede a ajuda dos consumidores para que possa operar – e os jovens engajados adoram ajudar e cocriar, e ele continuamente recompensa os seus usuários com mimos que esquecemos que existiam na fria realidade da competição empresarial atual. Parece uma forma mais franca e próxima de comunicar. E uma forma tão antiga quanto revolucionária.