“Bic for Her” e “Dove Men Care”: a polêmica do gênero na segmentação de produtos
Dividir por gênero sempre foi uma das mais simples e clássicas segmentações de produtos. Afinal, homens e mulheres possuem características genéticas diferentes que levam a comportamentos e necessidades diferentes. Mas será que estas diferenças não foram exageradas pelos profissionais de marketing, na ânsia de colocar cada vez mais produtos nas prateleiras para atender seus consumidores? Segmentar significa separar consumidores em grupos de pessoas que possuem os mesmos interesses, comportamentos, desejos […] Leia mais
Publicado em 4 de novembro de 2015 às, 10h52.
Última atualização em 24 de fevereiro de 2017 às, 07h51.
Dividir por gênero sempre foi uma das mais simples e clássicas segmentações de produtos. Afinal, homens e mulheres possuem características genéticas diferentes que levam a comportamentos e necessidades diferentes. Mas será que estas diferenças não foram exageradas pelos profissionais de marketing, na ânsia de colocar cada vez mais produtos nas prateleiras para atender seus consumidores? Segmentar significa separar consumidores em grupos de pessoas que possuem os mesmos interesses, comportamentos, desejos ou necessidades. Mas nem sempre a diferença de gênero faz com que homens e mulheres tenham interesses, comportamentos, desejos ou necessidades diferentes. E nem que os desejos destes homens e mulheres sejam coesos entre si.
Se em algumas categorias a separação por gênero faz sentido, em outras ela parece ser absolutamente absurda. Homens e mulheres precisam ter carros diferentes? Sabonetes diferentes? Chocolates diferentes? Canetas diferentes? Se antes separar produtos desnecessariamente entre gêneros podia ser, na pior das hipóteses, inócuo para as marcas que o faziam, atualmente tal atitude pode causar um grande dano.
O caso da Bic se tornou um clássico. Em 2012, a popular apresentadora Ellen Degeneres criticou publicamente um lançamento da Bic, chamado de “Bic for her”. A caneta foi supostamente planejada para se adaptar às mãos das mulheres (!) e vinham em cores “femininas” – rosa e roxo.
No seu programa na época, ela ironizou o lançamento dizendo “vocês acreditam nisso? Nós estávamos usando canetas para homens todos esses anos”. O vídeo (em inglês) pode ser visto aqui.
Helen ridiculariza o lançamento (que já havia sido amplamente criticado pelos consumidores na época), mas ao mesmo tempo chama a atenção para o papel social das marcas ao fazerem este tipo de extensão. Ela entende que ao lançar um produto feminino a marca acaba por dificultar a busca de igualdade pelas mulheres. Afinal, por que elas precisariam de canetas diferentes daquelas usadas pelos homens?
Se pode parecer exagero relacionar o simples lançamento de uma caneta com a busca por igualdade feminina, ele é parte da cobrança que as marcas sofrem pelas mensagens que passam para a sociedade ao lançar produtos e realizar campanhas de comunicação. E essas cobranças não precisam estar limitadas ao universo feminino.
Em 2013 a marca Dove lançou uma extensão de marca chamada de “Dove Men Care” no mercado de shampoos. Para o comercial de lançamento, a marca ironizou o fato dos homens serem, até aquele momento, obrigados a usar produtos supostamente femininos. A campanha dizia “o shampoo feminino não foi feito para você, Dove Men Care foi”. Ou seja, antes do lançamento do produto da Dove, todos os homens usavam produtos femininos para lavar seus cabelos (veja o filme aqui).
Longe de querer comparar a busca por igualdade feminina à ironia feita pela marca aos demais shampoos do mercado, será que é necessário que o mercado de shampoos seja segmentado por gênero? Será que os homens de fato se sentiram constrangidos por terem se atentado ao fato que estavam usando produtos femininos para lavar suas cabeças? Constranger o homem a deixar de comprar um produto “feminino” parece ter sido o grande mote da criativa e engraçada publicidade.
E com relação aos produtos, será que o shampoo da Dove realmente deixa o cabelo masculino mais masculino, para não ficar com o “efeito de comercial de shampoo de mulher”? E o “efeito de comercial de shampoo de mulher” é então algo depreciativo ao sexo masculino que deve ser substituído somente por versões “for men”?
Mesmo que se considere a reação da Ellen exagerada, ou a comparação do “Bic for her” com o “Dove men care” despropositada, o fato é que as marcas são, e serão cada vez mais, cobradas pelos efeitos de suas decisões mercadológicas no comportamento da sociedade. O profissional de marketing, antes de buscar somente a maior participação de mercado ou maior rentabilidade, deve ter consciência do seu papel social ao massificar ideias através de produtos, serviços e campanhas. Hoje quando se vende produtos ou serviços, vende-se junto uma ideia. E deve-se avaliar: a ideia do produto é positiva para a sociedade?
As empresas tem se preocupado com isso, e agido com mais cautela e sensibilidade quanto à separar por gênero seus produtos apenas porque é uma segmentação “fácil”. Eletrodomésticos dificilmente direcionam seus comerciais só para mulheres, como era no passado. A indústria automobilística já não ignora as mulheres no desenvolvimento de seus produtos e campanhas. Algumas redes americanas, como a Target, desistiram de separar os seus brinquedos entre “meninos” e “meninas”, porque entenderam que brinquedos são só brinquedos. Assim como canetas são só canetas, e shampoos são só shampoos. Eles não precisam especificar gêneros.
Se antes a expectativa dos consumidores eram apenas por bons produtos, hoje eles se preocupam com as posições que as marcas tem, com o impacto que suas mensagens de massa tem na sociedade, e quais reflexos elas podem ter no comportamento humano. E hoje elas possuem a responsabilidade por não apenas fazer bons produtos, mas passar as mensagens corretas, e ajudar a transformar a sociedade para melhor.
Essa importância é justificada? Parece que sim. Afinal, por mais que o cidadão comum tenha cada vez mais o poder de influência e comunicação pelas redes sociais, as marcas ainda detém o poder de impactar milhões de pessoas, seja pela simples distribuição massiva de seus produtos, ou pelos milhões que tem para fazer a veiculação de suas mensagens. Elas detém um grande poder. E os consumidores estão apenas aprendendo a cobrar delas a responsabilidade que vem deste poder.