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A Volkswagen merece o seu perdão?

Não nos enganemos. O que a Volkswagen fez foi absolutamente sério e condenável (veja o início do caso aqui). Fraudar o teste de emissão de poluentes para uma empresa de automóveis é o equivalente a uma empresa farmacêutica deliberadamente adulterar testes de medicamentos para vender mais produtos. É o mesmo que uma empreiteira falsificar a quantidade de concreto colocado na fundação de uma obra. É o mesmo que uma empresa […] Leia mais

DR

Da Redação

Publicado em 1 de outubro de 2015 às 13h36.

Última atualização em 24 de fevereiro de 2017 às 07h53.

Não nos enganemos. O que a Volkswagen fez foi absolutamente sério e condenável (veja o início do caso aqui ). Fraudar o teste de emissão de poluentes para uma empresa de automóveis é o equivalente a uma empresa farmacêutica deliberadamente adulterar testes de medicamentos para vender mais produtos. É o mesmo que uma empreiteira falsificar a quantidade de concreto colocado na fundação de uma obra. É o mesmo que uma empresa de alimentos declarar um ingrediente no rotulo e incluir outro nocivo para o consumo na formulação do produto.

Se não vamos ter imagens trágicas de pessoas mortas pelo colapso da obra, ou de pacientes debilitados em hospitais em função do medicamento fraudulento, é somente em função da poluição causada pelos estimados 11 milhões de carros produzidos pela Volkswagen ser invisível no curto prazo, mas tão prejudicial quanto no médio e longo prazo.

O principal problema com a fraude da VW é que ela foi categoricamente planejada. Quando se tem um recall na indústria automobilística, ao menos aparentemente, é entendido que houve uma falha de projeto, um descuido de alguma área da engenharia, uma falha do fornecedor de componentes. Um incidente de projeto que fez com que o carro necessitasse de reparos. Mas este não foi o caso.

Para se fazer um software que funcione em diversos modelos, com a sofisticação que este parece ter, é necessário o envolvimento completo de várias equipes de engenharia. Elas devem trabalhar em conjunto para ter certeza que os controles corretos estão sendo adulterados, que cada componente muda a sua função conforme deveria, e que este sistema não afeta outros nos carros, o que poderia tornar a fraude mais perceptível aos olhos dos especialistas avaliadores.

Além disso, é necessário um grande número de recursos – pessoas e dinheiro – para testes, protótipos, alterações de fabricação de outros componentes, que normalmente não podem ser liberados por pessoas de baixo escalão. Num projeto global como este, ele deve provavelmente envolver os diretores e vice-presidentes de engenharia e desenvolvimento de produtos, além do corpo executivo da corporação. O CEO já renunciou, mas há muito mais envolvidos em todos os níveis organizacionais da empresa. É uma fraude institucional na qual muitos tiveram parte, seja ativamente trabalhando no projeto, ou ficando sabendo do fato e o escondendo do público.

Mas o erro não foi apenas na engenharia. A VW manipulou a opinião pública e seus consumidores com publicidades falsas, em um dos principais critérios de escolha de carros.

Os brasileiros tendem a comprar carros em função do preço e da potência do motor. Já os europeus e americanos utilizam o nível de emissão de gases danosos ao meio ambiente como o principal critério de decisão. O consumidor que comprou um dos 11 milhões de carros da VW com o software adulterador comprou gato por lebre.

Propaganda da VW, feita pela agência francesa “Agence V” no ano de 2007.

Depois de abandonados por grande parte das montadoras em função destas entenderem que eles sempre seriam mais poluentes do que a gasolina, os motores a diesel com baixa emissão de poluentes pareciam bons demais para ser verdade. E de fato eram. Mas a publicidade da VW a respeito deles foi absolutamente convincente.

“Para aqueles que se importam com o meio ambiente” os carros da VW pareciam a aposta certa para se ter um carro de alta potência e menos poluição. Eles gastavam menos combustível e emitiam menos CO2 por km do que os veículos a gasolina. Os consumidores que compravam estes carros se sentiam mais ecologicamente responsáveis. As vendas aumentaram e a VW parecia próxima de alcançar seu objetivo maior – ser a líder de vendas mundiais até o ano de 2018, estratégia em grande parte ancorada no aumento de vendas dos carros fraudulentos no mercado americano, chinês e europeu.

Mas os carros da VW emitiam 40 vezes mais poluentes do que eles demonstravam nos testes, e tinham níveis que seriam proibidos pelos órgãos reguladores norte-americanos.

Publicidade da VW feita pela DDB México, em 2008, brincando com a tipologia do Greenpeace.

O caso contra a VW é indefensável. “Nós estragamos tudo”, disse Michael Horn, o principal executivo da VW americana. O CEO global, já afastado, afirmou antes de sua saída que a empresa “traiu a confiança dos nossos consumidores e do público”. Mais do que isso, ela infringiu também a lei em diversos países.

A perda de credibilidade da marca também teve outras vítimas. Ao usar o slogan “das auto”, e se orgulhar da sua origem alemã, enaltecendo essa relação sempre que possível, a própria indústria alemã perde por estar associada à empresa. Será que os engenheiros, e a própria população alemã, irá perdoar a VW?

A assinatura atual da VW.

As ações da empresa continuam a sofrer com as repercussões do escândalo. Desde o seu pico, em Março deste ano, a empresa perdeu cerca de 40% do seu valor de mercado, saindo de 250 para 102 euros por ação. A empresa já toma medidas para conseguir sobreviver. Mas o mercado irá perdoar a empresa? Somente se os consumidores o fizerem.

A empresa não cometeu um erro, como os seus porta-vozes pretendem argumentar. O erro nesse caso foi ter sido pega. A VW, de maneira institucional e calculada, traiu a principal promessa feita aos seus consumidores, de carros com menor emissão de poluentes. Ela infringiu diversas leis em diversos países.  Fez isso durante muitos anos, e pretendia continuar a fazer para atingir os seus objetivos de crescimento.

Ela merece o seu perdão?

Não nos enganemos. O que a Volkswagen fez foi absolutamente sério e condenável (veja o início do caso aqui ). Fraudar o teste de emissão de poluentes para uma empresa de automóveis é o equivalente a uma empresa farmacêutica deliberadamente adulterar testes de medicamentos para vender mais produtos. É o mesmo que uma empreiteira falsificar a quantidade de concreto colocado na fundação de uma obra. É o mesmo que uma empresa de alimentos declarar um ingrediente no rotulo e incluir outro nocivo para o consumo na formulação do produto.

Se não vamos ter imagens trágicas de pessoas mortas pelo colapso da obra, ou de pacientes debilitados em hospitais em função do medicamento fraudulento, é somente em função da poluição causada pelos estimados 11 milhões de carros produzidos pela Volkswagen ser invisível no curto prazo, mas tão prejudicial quanto no médio e longo prazo.

O principal problema com a fraude da VW é que ela foi categoricamente planejada. Quando se tem um recall na indústria automobilística, ao menos aparentemente, é entendido que houve uma falha de projeto, um descuido de alguma área da engenharia, uma falha do fornecedor de componentes. Um incidente de projeto que fez com que o carro necessitasse de reparos. Mas este não foi o caso.

Para se fazer um software que funcione em diversos modelos, com a sofisticação que este parece ter, é necessário o envolvimento completo de várias equipes de engenharia. Elas devem trabalhar em conjunto para ter certeza que os controles corretos estão sendo adulterados, que cada componente muda a sua função conforme deveria, e que este sistema não afeta outros nos carros, o que poderia tornar a fraude mais perceptível aos olhos dos especialistas avaliadores.

Além disso, é necessário um grande número de recursos – pessoas e dinheiro – para testes, protótipos, alterações de fabricação de outros componentes, que normalmente não podem ser liberados por pessoas de baixo escalão. Num projeto global como este, ele deve provavelmente envolver os diretores e vice-presidentes de engenharia e desenvolvimento de produtos, além do corpo executivo da corporação. O CEO já renunciou, mas há muito mais envolvidos em todos os níveis organizacionais da empresa. É uma fraude institucional na qual muitos tiveram parte, seja ativamente trabalhando no projeto, ou ficando sabendo do fato e o escondendo do público.

Mas o erro não foi apenas na engenharia. A VW manipulou a opinião pública e seus consumidores com publicidades falsas, em um dos principais critérios de escolha de carros.

Os brasileiros tendem a comprar carros em função do preço e da potência do motor. Já os europeus e americanos utilizam o nível de emissão de gases danosos ao meio ambiente como o principal critério de decisão. O consumidor que comprou um dos 11 milhões de carros da VW com o software adulterador comprou gato por lebre.

Propaganda da VW, feita pela agência francesa “Agence V” no ano de 2007.

Depois de abandonados por grande parte das montadoras em função destas entenderem que eles sempre seriam mais poluentes do que a gasolina, os motores a diesel com baixa emissão de poluentes pareciam bons demais para ser verdade. E de fato eram. Mas a publicidade da VW a respeito deles foi absolutamente convincente.

“Para aqueles que se importam com o meio ambiente” os carros da VW pareciam a aposta certa para se ter um carro de alta potência e menos poluição. Eles gastavam menos combustível e emitiam menos CO2 por km do que os veículos a gasolina. Os consumidores que compravam estes carros se sentiam mais ecologicamente responsáveis. As vendas aumentaram e a VW parecia próxima de alcançar seu objetivo maior – ser a líder de vendas mundiais até o ano de 2018, estratégia em grande parte ancorada no aumento de vendas dos carros fraudulentos no mercado americano, chinês e europeu.

Mas os carros da VW emitiam 40 vezes mais poluentes do que eles demonstravam nos testes, e tinham níveis que seriam proibidos pelos órgãos reguladores norte-americanos.

Publicidade da VW feita pela DDB México, em 2008, brincando com a tipologia do Greenpeace.

O caso contra a VW é indefensável. “Nós estragamos tudo”, disse Michael Horn, o principal executivo da VW americana. O CEO global, já afastado, afirmou antes de sua saída que a empresa “traiu a confiança dos nossos consumidores e do público”. Mais do que isso, ela infringiu também a lei em diversos países.

A perda de credibilidade da marca também teve outras vítimas. Ao usar o slogan “das auto”, e se orgulhar da sua origem alemã, enaltecendo essa relação sempre que possível, a própria indústria alemã perde por estar associada à empresa. Será que os engenheiros, e a própria população alemã, irá perdoar a VW?

A assinatura atual da VW.

As ações da empresa continuam a sofrer com as repercussões do escândalo. Desde o seu pico, em Março deste ano, a empresa perdeu cerca de 40% do seu valor de mercado, saindo de 250 para 102 euros por ação. A empresa já toma medidas para conseguir sobreviver. Mas o mercado irá perdoar a empresa? Somente se os consumidores o fizerem.

A empresa não cometeu um erro, como os seus porta-vozes pretendem argumentar. O erro nesse caso foi ter sido pega. A VW, de maneira institucional e calculada, traiu a principal promessa feita aos seus consumidores, de carros com menor emissão de poluentes. Ela infringiu diversas leis em diversos países.  Fez isso durante muitos anos, e pretendia continuar a fazer para atingir os seus objetivos de crescimento.

Ela merece o seu perdão?

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