A origem do sucesso do Netflix
O Netflix está impactando fortemente a maneira como temos acesso ao conteúdo de entretenimento televisivo. Ainda que possamos discutir a fragmentação da mídia desde os anos 90 no Brasil, o aumento da penetração da TV a cabo, o Youtube, a pirataria dos downloads ilegais, nada parece ter impactado tanto a vida das pessoas como o fenômeno Netflix. Os números já são impressionantes. Com estimados 81 milhões de assinantes no mundo, […] Leia mais
Da Redação
Publicado em 4 de agosto de 2016 às 12h30.
Última atualização em 24 de fevereiro de 2017 às 07h33.
O Netflix está impactando fortemente a maneira como temos acesso ao conteúdo de entretenimento televisivo. Ainda que possamos discutir a fragmentação da mídia desde os anos 90 no Brasil, o aumento da penetração da TV a cabo, o Youtube, a pirataria dos downloads ilegais, nada parece ter impactado tanto a vida das pessoas como o fenômeno Netflix.
Os números já são impressionantes. Com estimados 81 milhões de assinantes no mundo, ele já conta com cerca de 4 milhões de assinantes no Brasil, até o final de 2015. A empresa faturou no ano passado R$1,1bilhão, ultrapassando o SBT, e atingindo a segunda colocação entre os canais de televisão. Na crise em que o Brasil se encontra, enquanto as TVs por assinatura perdem clientes, o Netflix não para de crescer.
Hoje é fácil encontrar razões para que isso aconteça, especialmente com as séries originais produzidas pelo Netflix. “House of Cards” foi um sucesso de público e crítica, e trouxe as artimanhas da política para o centro do entretenimento. “Stranger Things”, a nova série que teve seus primeiros oito episódios lançados recentemente, se tornou outro sucesso instantâneo, atraindo milhões de visualizações em poucos dias. Mas o sucesso dessas duas séries é muito pouco para explicar o sucesso do Netflix. De onde, então, vem a origem do sucesso desse serviço que vem transformando a maneira como nos relacionamos com entretenimento na TV?
O Netflix não tem o melhor catálogo dos distribuidores de conteúdo. Na verdade, o seu catálogo tem, em sua maioria, séries antigas cujos produtores não tem mais interesse na exibição. Algumas delas, inclusive, não possuem nem todas as temporadas completas, impedindo que o assinante veja o desfecho.
Com relação aos filmes, seu catálogo também está longe de ser o ideal. Com poucos lançamentos e filmes de prestígio, o Netflix tenta se aproveitar de velhos clássicos e de filmes independentes para dar algum charme à coleção. Sim, tem que se admitir que os filmes disponíveis são piores do que aqueles disponíveis nas antigas Blockbusters, que o Netflix nasceu para substituir.
Se o catálogo não é um grande diferencial, será que o sucesso vem do fato de ser um serviço de streaming? Essa certamente é parte da explicação, mas apenas parte. O serviço de streaming é o principal responsável pela transformação dos nossos hábitos de consumir mídia. Afinal, meu entretenimento é que deve estar disponível para o momento que quero vê-lo e não o contrário. Essa alteração de pensamento é a causa do eminente fim da entrega de conteúdo como conhecemos hoje. E todos sabem disso. Mesmo a Globo, o maior grupo de mídia nacional e um dos maiores do mundo, já coloca todo o conteúdo da sua TV aberta em streaming em seu site. O Netflix está longe de ser a única, ou a melhor opção, em streaming.
A HBO tem o HBOGO, onde os assinantes podem acessar e ver os conteúdos quando bem entenderem. O TelecinePlay oferece o seu enorme catálogo de filmes para seus assinantes, que podem vê-los via streaming. A mesma coisa acontece para os outros grandes produtores de seriados, como a Warner, ou a Sony. Mas se os catálogos desses canais podem ser muito superiores ao do Netflix, eles ainda seguem o modelo de precificação da TV por assinatura, e podem custar facilmente 10 vezes mais do que os R$22,90 cobrados hoje pelo Netflix.
Há também opções de conteúdos gratuitos na internet, seja pelo Youtube, pelo Vevo, pelo Hulo, e tantos outros, e até mesmo é possível recorrer aos sites de conteúdo pirata.
O Netflix não tem o catálogo dos players mais tradicionais, não tem o preço dos conteúdos grátis, e não para de crescer. O que ela tem de tão especial? Talvez a explicação seja tão simples quanto a facilidade de acesso pelo botão Netflix nos controles remotos.
No nosso atual contexto de concorrência, as menores facilidades podem desbalancear o cenário competitivo e fazer com que certos serviços sejam adotados muito mais rapidamente do que outros. E o Netflix é, dos serviços de streaming, de longe o mais fácil de acessar. Tão fácil quanto apertar o botão do canal desejado, é clicar no botão “Netflix” do controle da TV. Nenhum outro serviço de streaming possui a mesma conveniência.
Isso é chamado tecnicamente de “Ponto de Paridade”. Os pontos de paridade são utilizados para aproximar o produto ou serviço do mercado que se quer atingir. Quanto mais numerosos forem os pontos de paridade, menor as alterações de comportamento que o consumidor deve ter para usar o seu produto. E mais fácil a aceitação de uma inovação, como a TV por streaming do Netflix. O botão faz com que ela seja apenas mais um canal nas centenas já disponíveis, acessível por um clique.
Os outros sistemas de streaming demandam comportamentos mais complexos. Deve-se ligar o computador, acessar o site da distribuidora de conteúdo, inserir a senha, e conectar o aparelho à TV através de cabos HDMI. Não sem antes assinar e pagar o preço da HBO, Telecine e outros. Para o streaming grátis, isso pode ser ainda mais trabalhoso. Para o Youtube, deve-se acessar o aplicativo no menu da TV, e ficar digitando palavras-chave nos pouco eficientes teclados dos televisores.
Parece pouco, mas para a mudança de um hábito consolidado, esse pouco pode ser a diferença entre adotar um novo sistema, ou continuar vendo os canais tradicionais.
É claro que o Netflix tem hoje mais do que simplesmente um botão no controle remoto. Atualmente ele produz conteúdo de qualidade e adequado ao seu público. Entretanto, para chegar ao ponto de conquistar o capital para custear as complexas e nem sempre bem sucedidas produções, ele teve que começar com algo mais simples, como um acordo de incluir um aplicativo e um botão nos aparelhos de TVs dos principais fabricantes. E parece que essa foi a origem de todo esse sucesso.
Marcos Bedendo é professor de marketing e branding e sócio consultor da Brandwagon, consultoria de marca e inovação
O Netflix está impactando fortemente a maneira como temos acesso ao conteúdo de entretenimento televisivo. Ainda que possamos discutir a fragmentação da mídia desde os anos 90 no Brasil, o aumento da penetração da TV a cabo, o Youtube, a pirataria dos downloads ilegais, nada parece ter impactado tanto a vida das pessoas como o fenômeno Netflix.
Os números já são impressionantes. Com estimados 81 milhões de assinantes no mundo, ele já conta com cerca de 4 milhões de assinantes no Brasil, até o final de 2015. A empresa faturou no ano passado R$1,1bilhão, ultrapassando o SBT, e atingindo a segunda colocação entre os canais de televisão. Na crise em que o Brasil se encontra, enquanto as TVs por assinatura perdem clientes, o Netflix não para de crescer.
Hoje é fácil encontrar razões para que isso aconteça, especialmente com as séries originais produzidas pelo Netflix. “House of Cards” foi um sucesso de público e crítica, e trouxe as artimanhas da política para o centro do entretenimento. “Stranger Things”, a nova série que teve seus primeiros oito episódios lançados recentemente, se tornou outro sucesso instantâneo, atraindo milhões de visualizações em poucos dias. Mas o sucesso dessas duas séries é muito pouco para explicar o sucesso do Netflix. De onde, então, vem a origem do sucesso desse serviço que vem transformando a maneira como nos relacionamos com entretenimento na TV?
O Netflix não tem o melhor catálogo dos distribuidores de conteúdo. Na verdade, o seu catálogo tem, em sua maioria, séries antigas cujos produtores não tem mais interesse na exibição. Algumas delas, inclusive, não possuem nem todas as temporadas completas, impedindo que o assinante veja o desfecho.
Com relação aos filmes, seu catálogo também está longe de ser o ideal. Com poucos lançamentos e filmes de prestígio, o Netflix tenta se aproveitar de velhos clássicos e de filmes independentes para dar algum charme à coleção. Sim, tem que se admitir que os filmes disponíveis são piores do que aqueles disponíveis nas antigas Blockbusters, que o Netflix nasceu para substituir.
Se o catálogo não é um grande diferencial, será que o sucesso vem do fato de ser um serviço de streaming? Essa certamente é parte da explicação, mas apenas parte. O serviço de streaming é o principal responsável pela transformação dos nossos hábitos de consumir mídia. Afinal, meu entretenimento é que deve estar disponível para o momento que quero vê-lo e não o contrário. Essa alteração de pensamento é a causa do eminente fim da entrega de conteúdo como conhecemos hoje. E todos sabem disso. Mesmo a Globo, o maior grupo de mídia nacional e um dos maiores do mundo, já coloca todo o conteúdo da sua TV aberta em streaming em seu site. O Netflix está longe de ser a única, ou a melhor opção, em streaming.
A HBO tem o HBOGO, onde os assinantes podem acessar e ver os conteúdos quando bem entenderem. O TelecinePlay oferece o seu enorme catálogo de filmes para seus assinantes, que podem vê-los via streaming. A mesma coisa acontece para os outros grandes produtores de seriados, como a Warner, ou a Sony. Mas se os catálogos desses canais podem ser muito superiores ao do Netflix, eles ainda seguem o modelo de precificação da TV por assinatura, e podem custar facilmente 10 vezes mais do que os R$22,90 cobrados hoje pelo Netflix.
Há também opções de conteúdos gratuitos na internet, seja pelo Youtube, pelo Vevo, pelo Hulo, e tantos outros, e até mesmo é possível recorrer aos sites de conteúdo pirata.
O Netflix não tem o catálogo dos players mais tradicionais, não tem o preço dos conteúdos grátis, e não para de crescer. O que ela tem de tão especial? Talvez a explicação seja tão simples quanto a facilidade de acesso pelo botão Netflix nos controles remotos.
No nosso atual contexto de concorrência, as menores facilidades podem desbalancear o cenário competitivo e fazer com que certos serviços sejam adotados muito mais rapidamente do que outros. E o Netflix é, dos serviços de streaming, de longe o mais fácil de acessar. Tão fácil quanto apertar o botão do canal desejado, é clicar no botão “Netflix” do controle da TV. Nenhum outro serviço de streaming possui a mesma conveniência.
Isso é chamado tecnicamente de “Ponto de Paridade”. Os pontos de paridade são utilizados para aproximar o produto ou serviço do mercado que se quer atingir. Quanto mais numerosos forem os pontos de paridade, menor as alterações de comportamento que o consumidor deve ter para usar o seu produto. E mais fácil a aceitação de uma inovação, como a TV por streaming do Netflix. O botão faz com que ela seja apenas mais um canal nas centenas já disponíveis, acessível por um clique.
Os outros sistemas de streaming demandam comportamentos mais complexos. Deve-se ligar o computador, acessar o site da distribuidora de conteúdo, inserir a senha, e conectar o aparelho à TV através de cabos HDMI. Não sem antes assinar e pagar o preço da HBO, Telecine e outros. Para o streaming grátis, isso pode ser ainda mais trabalhoso. Para o Youtube, deve-se acessar o aplicativo no menu da TV, e ficar digitando palavras-chave nos pouco eficientes teclados dos televisores.
Parece pouco, mas para a mudança de um hábito consolidado, esse pouco pode ser a diferença entre adotar um novo sistema, ou continuar vendo os canais tradicionais.
É claro que o Netflix tem hoje mais do que simplesmente um botão no controle remoto. Atualmente ele produz conteúdo de qualidade e adequado ao seu público. Entretanto, para chegar ao ponto de conquistar o capital para custear as complexas e nem sempre bem sucedidas produções, ele teve que começar com algo mais simples, como um acordo de incluir um aplicativo e um botão nos aparelhos de TVs dos principais fabricantes. E parece que essa foi a origem de todo esse sucesso.
Marcos Bedendo é professor de marketing e branding e sócio consultor da Brandwagon, consultoria de marca e inovação