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Opinião: A onda de recuperações judiciais no Brasil

O cenário macroeconômico não melhorando, aliado ao aumento da volatilidade e a piora financeira se reflete num momento de transformação

 (Michał Chodyra/Getty Images)

(Michał Chodyra/Getty Images)

Publicado em 5 de abril de 2025 às 07h00.

Por Oscar Malvessi

 

São muitas as notícias e informações no mercado sobre o crescimento das empresas com problemas financeiros e o aumento das recuperações judiciais.

Em grande parte, a origem refere-se a decisões equivocadas da gestão, que, muitas vezes, foram baseadas em informações e análises imprecisas sobre o impacto das decisões financeiras do negócio, ocasionando perda relevante nos resultados. Com valores negativos no fluxo de caixa operacional após a dedução dos financiamentos de curto prazo (FCFIN), identificou-se 58 empresas em 2023. Essas empresas fazem parte da análise do método de Criação de Valor-VEC® com as 129 que compõem o índice de Governança Corporativa (IGC) da B3, no período de cinco anos (2019 a 2023).

O reflexo desse problema está na incapacidade dessas empresas de gerar caixa na operação, em valor suficiente para cobrir compromissos financeiros assumidos de curto prazo. Além de ser um problema operacional, é uma falha crítica de governança financeira e, a manutenção dessa postura, coloca em risco a sustentabilidade e perenidade dessas empresas.

O fenômeno do crescimento das recuperações judiciais no país não é um problema isolado, é reflexo de uma série de fatores, dentre as quais, incluem as más decisões das empresas citadas acima, o aumento das despesas operacionais, somados aos altos custos de financiamento, maiores despesas financeiras, ocasionando diminuição dos resultados do negócio. Ainda, o estresse financeiro da empresa se agrava pela dificuldade na obtenção de recursos capital de giro no mercado, carregado de taxas de juros expressivas. Em função desse aperto financeiro, para muitas delas, a recuperação judicial tem se tornado uma saída inevitável — um mecanismo legal que visa permitir a reestruturação das dívidas, visando preservar a atividade econômica e os empregos.

Diante dessa contextualização, o objetivo desta análise é identificar os movimentos e as ocorrências observados neste período de cinco anos com essas empresas, avaliando o comportamento do fluxo de caixa gerado na operação e o impacto do aumento dos financiamentos de curto prazo.

Retornando ao comportamento da amostra dessas 58 empresas, observa-se que a situação dos Financiamento de curto prazo (FCFIN) vem se deteriorando ao longo dos anos. Em 2019, eram apenas 32 dessas empresas nessa situação, mas a quantidade foi subindo no ano a ano, alcançando 58 em 2023.

Visando detectar a realidade financeira dessas 58 empresas, destacam-se três os indicadores que representam informações de curto prazo identificadas pelo método VEC®, que assim podem espelhar e demonstrar o comportamento dessas empresas. Os indicadores são:

  • O Fluxo de Caixa Operacional (FCO);
  • O valor dos Financiamentos de Curto Prazo (FICP), que contempla o valor principal de curto prazo e suas respectivas despesas financeiras de CP;
  • Cálculo do valor do Fluxo de Caixa após a dedução dos Financiamentos de CP (FCFIN). 

Fluxo de Caixa Operacional (FCO): É um importante instrumento de gestão financeira no curto prazo, e traz consigo os KPIs da saúde financeira da empresa. Ele representa o caixa gerado pelas atividades operacionais da empresa, onde deduz-se a variação do capital de giro operacional líquido. Ou seja, ele é apurado antes de considerar os desembolsos do financiamento de curto prazo ou mesmo de investimentos.

O FCO mostrou uma tendência de crescimento ao longo dos anos, com pequena oscilação em 2021. Observa-se que houve crescimento de 44% no período, indicando uma evolução nos resultados das operações. O FCO Iniciou em 2019 com o valor de R$ 777 bilhões, chegando a R$ 1,118 trilhão em 2023.

Valor dos Financiamentos de Curto Prazo (FICP): Em contrapartida, houve um aumento expressivo no valor dos financiamentos de curto prazo (FICP). O crescimento foi de 108% no período, indicando uma necessidade maior de recursos para tocar a operação e uma pressão crescente sobre a liquidez das empresas, já que o valor dos financiamentos cresceu mais, proporcionalmente, que o fluxo de caixa operacional (FCO). Em 2019, seu valor era de R$ 1,036 trilhão, finalizando com o dobro, ou com R$ 2,157 trilhões em 2023.

Fluxo de Caixa após a dedução dos Financiamentos de Curto Prazo (FCFIN): O objetivo desse indicador é demonstrar a capacidade das empresas de honrar seus compromissos com os financiamentos de curto prazo, baseando-se na geração de caixa operacional de suas atividades. Constata-se que o FCFIN foi negativo e crescente em todos os anos, acumulando um aumento de 300% no período. Seu valor negativo parte em 2019 com -R$ 259 bilhões, chegando em 2023 em -R$ 1,039 trilhão, um crescimento de 400% no período.

Esse expressivo comportamento negativo, refere-se a compensação entre o comportamento do fluxo de caixa operacional (FCO), versus o crescimento relevante dos financiamentos de curto prazo (FICP), fato que se transforma no consumo do caixa em saldo negativo, permanecendo assim, a necessidade de renegociação dos empréstimos no curto prazo.

Conclusão: a situação financeira apresentou piora significativa

Nessas 58 empresas analisadas, embora tenha havido uma melhora no fluxo de caixa operacional (FCO), houve um crescimento mais que proporcional e relevante no valor dos financiamentos de curto prazo (FICP), fato que compromete os resultados, as disponibilidades de caixa e a liquidez da empresa. Esse cenário exige atenção redobrada da gestão, pois indica um potencial problema financeiro, com risco de não cumprimento dos compromissos financeiros de curto prazo, evento que poderia elevar ainda mais o número de RJs no Brasil.

O cenário macroeconômico não melhorando, aliado ao aumento da volatilidade e a piora financeira se reflete num momento de transformação.

Resulta que as empresas precisam rever e repensar suas estratégias de gestão. Essa atitude representa aumentar a disciplina dos gestores decisões nas áreas que impactam a situação financeira, onde o objetivo é melhorar o operacional do negócio, aumentando a previsibilidade de diminuição do déficit, e dessa forma conseguir enfrentar os desafios impostos por um ambiente cada vez mais volátil, competitivo e incerto da economia.

 

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