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De slogans que colam a mensagens que conectam: a virada na linguagem sobre investimentos

Com a mudança na linguagem sobre finanças, mais brasileiros têm acesso à educação financeira, o que pode transformar o cenário do país

Mulher pensando escritório CEO refletindo computador investimento investir

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Publicado em 13 de junho de 2025 às 10h00.

Por Amanda Brum, CMO da ANBIMA (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais)

Durante décadas, finanças foram tratadas como um idioma à parte: cheio de siglas e jargões. Mas aos poucos, esse assunto foi escapando dos relatórios e ganhando espaço na publicidade, no noticiário, nos grupos do WhatsApp. Quando a linguagem muda, mais pessoas são incluídas na conversa. Fica mais fácil fazer perguntas, dar o primeiro passo e fazer planos. Você tem dúvidas de que quem investe pode mais?

A forma como o Brasil fala de dinheiro sempre andou lado a lado com a publicidade e, muitas vezes, foi moldada por ela. Nos anos 70, por exemplo, em pleno “milagre econômico”, a narrativa era de crescimento, conquista e estabilidade. A casa própria, o carro na garagem, o futuro dos filhos. Tudo isso embalado por jingles que grudavam na cabeça e vendiam, junto com a ideia de progresso, o hábito de poupar.

O mais icônico deles? “O tempo passa, o tempo voa, e a poupança Bamerindus continua numa boa”. Era quase um hino. A poupança virou símbolo de responsabilidade financeira, um passaporte para estabilidade. A comunicação era otimista, quase eufórica. Afinal, a inflação ainda deixava algum respiro.

Só que os anos 80 chegaram para lembrar que estabilidade no Brasil sempre foi conceito volátil. A “década perdida” escancarou o caos: inflação fora de controle, moeda trocando de nome como quem troca de roupa, planos econômicos que desmoronaram na prática. E a comunicação? Tentou acompanhar. O humor virou tática de sobrevivência e conexão. Um bom exemplo é o Casal Unibanco, criado por Washington Olivetto. A graça estava nos detalhes cotidianos, nos diálogos possíveis. O dinheiro começava a ser tratado como parte da vida real, não como abstração.

Nos anos 90, o baque foi outro: o confisco da poupança. De um dia para o outro, a confiança no sistema bancário evaporou. Reverter esse estrago se tornou missão urgente. A virada veio com o Plano Real, em 1994. Com a inflação sob controle, a comunicação financeira voltou a respirar. Saiu do tom defensivo e foi para uma linguagem de futuro. Lembra do jingle do Bamerindus dos anos 70? Ele voltou, agora com o grupo musical Três do Rio, como trilha sonora da esperança: era possível, enfim, fazer planos de novo.

Foi nessa época também que o dinheiro começou a aparecer na tela do computador. O Bradesco foi um dos pioneiros no internet banking, lá em 95. Quem não se lembra da campanha do Itaú com Gilberto Gil, em 98, ao som de “Pela Internet”? Um sinal claro: o dinheiro estava virando digital e a comunicação, naturalmente, teve que acompanhar.

Nos anos 2000, a internet virou ferramenta de aprendizado. Os sites dos bancos ganharam simuladores, vídeos, glossários. Ainda tinha muito termo técnico? Tinha. Mas já dava para entender sem precisar de tradutor. Foi nesse contexto que nasceu a Enef, a Estratégia Nacional de Educação Financeira, em 2010. Pela primeira vez, o tema entrou com força nas políticas públicas, nas escolas, nos programas sociais.

Nesse movimento de tornar o dinheiro mais próximo, teve espaço até para o afeto. A Caixa, por exemplo, reeditou em 2006 os clássicos cofrinhos agora na versão “Poupançudos”, monstrinhos de borracha distribuídos para quem fazia depósitos a partir de certo valor. Teve até edição com camisa de time. Um jeito lúdico (e bem brasileiro) de estimular o hábito de guardar. E olha que curioso: a campanha voltou a circular no ano passado. Isso comprova que quando as ideias acertam no emocional, continuam valendo.

De lá pra cá, a conversa só cresceu. Com a chegada dos influenciadores, dos vídeos curtos e dos podcasts, falar de investimento virou quase papo de mesa de bar. Os dados mostram que não é delírio: segundo a 8ª edição do FInfluence, da ANBIMA, são mais de 740 influenciadores de finanças ativos, com 263 milhões de seguidores e recorde de engajamento.

Mas democratizar de verdade não é só aumentar o volume. É mudar o tom. Segundo o Raio X do Investidor Brasileiro, também da ANBIMA em parceria com o Datafolha, 32 milhões de pessoas guardaram dinheiro em 2024, mas não investiram. E 63% não conseguem citar nenhum produto financeiro espontaneamente. Isso não é desinteresse. É desencontro. Falta de ponte.

Talvez esse seja o maior desafio, e também a maior potência, da comunicação hoje: fazer com que mais gente se sinta parte, representada e capaz. Informar é só o começo. O que move de verdade é o reconhecimento. Quando a linguagem acolhe em vez de afastar, nasce algo maior do que entendimento. Nasce autonomia. E é aí que tudo muda. Porque quem investe pode mais:  mais escolhas, segurança e conquistas. Mas antes de investir dinheiro, é preciso investir na conversa.

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