Amor corporativo, um risco em ser não correspondido
É proibido, então, amar a empresa? Não, só não espere ser correspondido.
Autor do livro "Você em Ação"
Publicado em 18 de maio de 2024 às 08h58.
Quem nunca teve orgulho e alegria em dizer que ama o que faz? E quantos também não bradam aos quatro cantos do mundo quanto amam a empresa na qual trabalham? Se você se encaixa em um desses grupos, precisa continuar a ler este texto, pois vamos ao ponto principal: o amor, com sua cumplicidade e reciprocidade e também com poesia e música.
Antes, duas histórias. Conheci duas pessoas extremamente dedicadas às empresas nas quais trabalhavam. Não havia o que dizer sobre seus desempenhos, em como buscavam sempre se alinharem aos objetivos da organização. Eram daquele tipo que nunca imaginamos que um dia seriam demitidas. Se saíssem da companhia, seria por vontade própria, embora com o coração partido em certo grau, mas para uma empresa bem melhor. Se houvesse aquela placa com a foto do funcionário do mês, certamente eles estariam nela por muito tempo.
No entanto, a vida não adianta o que está por vir e cada um teve de enfrentar problemas sérios, na família e na própria saúde. Com o foco dividido com questões fora do mundo corporativo, com quedas de rendimento, ausências necessárias, infelizmente não tiveram como ficar em seus empregos. Não pediram para sair: para as respectivas empresas, eles tinham perdido o charme, a graça.
O amor tinha chegado ao fim.
Eles eram do grupo que, mais do que amar o que faziam, amavam a empresa. Era o casamento perfeito, para a vida toda. Contudo, mais uma vez, como a vida nunca adianta o que está por vir, temos de nos preparar para isso.
Amor infinito amor
É proibido, então, amar a empresa? Não, só não espere ser correspondido. Seguir acreditando que a vida corporativa é como um conto de fadas, nos quais todos viveram felizes para sempre, é um convite para o masoquismo. É melhor pensar em outras referências.
No Soneto da fidelidade, o poeta e diplomata (entre tantas outras atividades) Vinicius de Moraes deixa marcadas com extrema delicadeza a intensidade do amor, a dedicação à pessoa amada e a valorização dos momentos compartilhados, porém sabendo que tudo tem um ciclo. Quem nunca ouviu o trecho “que seja infinito enquanto dure”? Ele resume como o relacionamento entre empresa e talento deve ser encarado: tem começo, meio e fim.
Que essa relação seja eterna enquanto é e nunca em quanto vai ser. Isso muda muita coisa. Deixamos de lado, assim, a expectativa da reciprocidade infinita, até que Deus nos separe, e entramos o viver o dia como se não existisse o amanhã. Em muitas empresas, o deus é o CEO que pensa a partir de como o mercado se transforma, fazendo com que o destino de uma organização (e de seus funcionários) mude da noite para o dia. Pensando no mercado, o CEO quer que você fique na empresa, porém...
Ando meio desligado
Sempre há um “porém” na maioria dos relacionamentos humanos e, obviamente, entre pessoas e organizações. É quando a mão invisível do mercado chega no quadro de funcionários. Apesar da lembrança, vamos deixar Adam Smith de lado e trazer alguém mais próximo: Augusto dos Anjos.
Para quem não lembra ou não sabe, Augusto deixou apenas um livro, cujo título é “Eu”. Não foi um problema de produtividade. Ele morreu cedo, aos 30 anos (1884 – 1914). Um de seus poemas (Versos íntimos) explica muito bem, até hoje, um traço dos relacionamentos humanos possível e real. Ele traduz a ideia de que o amor e a traição podem vir da mesma fonte: “O beijo, amigo, é a véspera do escarro/A mão que afaga é a mesma que apedreja.”
É isso. A empresa que afaga é a mesma que vai mandar alguém embora sem dó nem piedade, caso essa seja a melhor decisão para enfrentar as dificuldades – ou as bordoadas que ela leva da mão invisível do mercado. O tapa é real, derruba os amantes, destrói vidas inteiras e futuros maravilhosos criados na vã ideia de que o amor entre a pessoa e a empresa vai durar para sempre. Ele dura no instante, numa sequência de instantes que um dia acaba.
A conquista deve se dar nesse dia a dia, de ambas as partes. O processo de retenção deve olhar a partir desse prisma. A experiência do funcionário se dá nesses intervalos de tempo. Porque um dia a empresa pode não estar bem. Noutro, a pessoa. Isso pode minimizar a presença de um casamento de fachada, no qual um finge que trabalha e outro que acredita, refletido em pesquisas como da Gallup. Ela revela que o envolvimento dos funcionários nos EUA caiu de 36% de engajados em 2020 para 34% em 2021. E em 2022, 32% dos funcionários estavam envolvidos, enquanto 18% estavam ativamente desligados .
O que dá e recebe
A empresa ama as competências de seus funcionários, fica feliz em saber que seus objetivos e valores estão alinhados com os deles. Ela ama quando você apresenta um desempenho além das expectativas. Mas em troca, ela não vai amar você. Esqueça.
Não ser trata de pintar a empresa como um ente desalmado, desumano, ainda mais quando se fala muito em humanização da gestão – o que, por si, já nos faz pensar: não deveria ser sempre humanizada? Por ser feita de pessoas, uma organização tem alma (sua cultura), expressa atenção a quem gosta, mas é pragmática e assertiva quando tem de ser. O que diferencia uma das outras é a maneira como retribui o comprometimento de seus funcionários.
Em um relacionamento sadio, a troca é justa. De um lado, o comprometimento dos colaboradores – esse é o nome do jogo. Do outro, o oferecimento de oportunidades de carreira, de desenvolvimento, uma boa remuneração e benefícios, e o principal: reconhecimento. Assim se prende um talento.
Desde que Steven Hankin, lá no fim dos anos 1990, trouxe o termo "Guerra por Talentos" em um artigo da McKinsey, imaginamos que talento é uma coisa para se guardar do lado esquerdo do peito, debaixo de sete chaves, como cantava Milton Nascimento. Ninguém mexe com medo de perdê-lo – a não ser quando seja preciso. Talentos não estão imunes à demissão quando a empresa acredita ser essa a medida para resolver um problema ou sair de uma dificuldade. Coração mais desalmado? Não, apenas pragmático. O amor até pode existir, mas acaba.
Interprete com alma
Antigamente, era muito comum naqueles casamentos para a vida toda, a mulher acrescentar o sobrenome do marido ao seu. Muito além da ideia de pertencer a uma nova família, estava por trás, para alguns, a noção de posse. Comum em muitas culturas, era e é uma forma de identificar alguém – no caso da mulher, sra. Fulano, sendo este o sobrenome do esposo.
Numa empresa, o mesmo se dá. Casamos com a organização e, em meio ao amor que somente nós sentimos, incorporamos o sobrenome corporativo. Em algumas ocasiões, era essa “pessoa” que chegava antes de mim em algum encontro: “lá vem o Adriano, da empresa tal”. O executivo era mais importante que a pessoa.
Na realidade, ali nunca era eu, pois eu não existia, era apenas um pedaço da companhia (posse). Ao sermos mandados embora, costumamos manter esse amor levando esse sobrenome. Anulamos quem realmente somos, o que temos, sentimos e desejamos. Criamos um luto, chorando o amor perdido.
Colocamos na prioridade do nosso amor o objeto errado. Amar é olhar para dentro e se libertar. Pesquisas mostram que teremos muitas carreiras, vamos conhecer muitas empresas e experiências. Podemos nos apaixonar por elas, mas é preciso não perder de vista que o amor deve ser conosco mesmos.
Você tem de amar seu trabalho, suas competências, seus valores, sua saúde, sua família. É isso que você colocará em sua bagagem durante a longa estrada da vida, como cantavam Milionário e José Rico. O mundo corporativo comporta poesia, inspira uma boa trilha sonora, mas precisa de bons atores para ser um sucesso. E atuar é saber quem você é e o papel que vai representar na empresa. Sabendo sempre que, um dia, aparecerá antes dos créditos a palavra “fim”.
Quem nunca teve orgulho e alegria em dizer que ama o que faz? E quantos também não bradam aos quatro cantos do mundo quanto amam a empresa na qual trabalham? Se você se encaixa em um desses grupos, precisa continuar a ler este texto, pois vamos ao ponto principal: o amor, com sua cumplicidade e reciprocidade e também com poesia e música.
Antes, duas histórias. Conheci duas pessoas extremamente dedicadas às empresas nas quais trabalhavam. Não havia o que dizer sobre seus desempenhos, em como buscavam sempre se alinharem aos objetivos da organização. Eram daquele tipo que nunca imaginamos que um dia seriam demitidas. Se saíssem da companhia, seria por vontade própria, embora com o coração partido em certo grau, mas para uma empresa bem melhor. Se houvesse aquela placa com a foto do funcionário do mês, certamente eles estariam nela por muito tempo.
No entanto, a vida não adianta o que está por vir e cada um teve de enfrentar problemas sérios, na família e na própria saúde. Com o foco dividido com questões fora do mundo corporativo, com quedas de rendimento, ausências necessárias, infelizmente não tiveram como ficar em seus empregos. Não pediram para sair: para as respectivas empresas, eles tinham perdido o charme, a graça.
O amor tinha chegado ao fim.
Eles eram do grupo que, mais do que amar o que faziam, amavam a empresa. Era o casamento perfeito, para a vida toda. Contudo, mais uma vez, como a vida nunca adianta o que está por vir, temos de nos preparar para isso.
Amor infinito amor
É proibido, então, amar a empresa? Não, só não espere ser correspondido. Seguir acreditando que a vida corporativa é como um conto de fadas, nos quais todos viveram felizes para sempre, é um convite para o masoquismo. É melhor pensar em outras referências.
No Soneto da fidelidade, o poeta e diplomata (entre tantas outras atividades) Vinicius de Moraes deixa marcadas com extrema delicadeza a intensidade do amor, a dedicação à pessoa amada e a valorização dos momentos compartilhados, porém sabendo que tudo tem um ciclo. Quem nunca ouviu o trecho “que seja infinito enquanto dure”? Ele resume como o relacionamento entre empresa e talento deve ser encarado: tem começo, meio e fim.
Que essa relação seja eterna enquanto é e nunca em quanto vai ser. Isso muda muita coisa. Deixamos de lado, assim, a expectativa da reciprocidade infinita, até que Deus nos separe, e entramos o viver o dia como se não existisse o amanhã. Em muitas empresas, o deus é o CEO que pensa a partir de como o mercado se transforma, fazendo com que o destino de uma organização (e de seus funcionários) mude da noite para o dia. Pensando no mercado, o CEO quer que você fique na empresa, porém...
Ando meio desligado
Sempre há um “porém” na maioria dos relacionamentos humanos e, obviamente, entre pessoas e organizações. É quando a mão invisível do mercado chega no quadro de funcionários. Apesar da lembrança, vamos deixar Adam Smith de lado e trazer alguém mais próximo: Augusto dos Anjos.
Para quem não lembra ou não sabe, Augusto deixou apenas um livro, cujo título é “Eu”. Não foi um problema de produtividade. Ele morreu cedo, aos 30 anos (1884 – 1914). Um de seus poemas (Versos íntimos) explica muito bem, até hoje, um traço dos relacionamentos humanos possível e real. Ele traduz a ideia de que o amor e a traição podem vir da mesma fonte: “O beijo, amigo, é a véspera do escarro/A mão que afaga é a mesma que apedreja.”
É isso. A empresa que afaga é a mesma que vai mandar alguém embora sem dó nem piedade, caso essa seja a melhor decisão para enfrentar as dificuldades – ou as bordoadas que ela leva da mão invisível do mercado. O tapa é real, derruba os amantes, destrói vidas inteiras e futuros maravilhosos criados na vã ideia de que o amor entre a pessoa e a empresa vai durar para sempre. Ele dura no instante, numa sequência de instantes que um dia acaba.
A conquista deve se dar nesse dia a dia, de ambas as partes. O processo de retenção deve olhar a partir desse prisma. A experiência do funcionário se dá nesses intervalos de tempo. Porque um dia a empresa pode não estar bem. Noutro, a pessoa. Isso pode minimizar a presença de um casamento de fachada, no qual um finge que trabalha e outro que acredita, refletido em pesquisas como da Gallup. Ela revela que o envolvimento dos funcionários nos EUA caiu de 36% de engajados em 2020 para 34% em 2021. E em 2022, 32% dos funcionários estavam envolvidos, enquanto 18% estavam ativamente desligados .
O que dá e recebe
A empresa ama as competências de seus funcionários, fica feliz em saber que seus objetivos e valores estão alinhados com os deles. Ela ama quando você apresenta um desempenho além das expectativas. Mas em troca, ela não vai amar você. Esqueça.
Não ser trata de pintar a empresa como um ente desalmado, desumano, ainda mais quando se fala muito em humanização da gestão – o que, por si, já nos faz pensar: não deveria ser sempre humanizada? Por ser feita de pessoas, uma organização tem alma (sua cultura), expressa atenção a quem gosta, mas é pragmática e assertiva quando tem de ser. O que diferencia uma das outras é a maneira como retribui o comprometimento de seus funcionários.
Em um relacionamento sadio, a troca é justa. De um lado, o comprometimento dos colaboradores – esse é o nome do jogo. Do outro, o oferecimento de oportunidades de carreira, de desenvolvimento, uma boa remuneração e benefícios, e o principal: reconhecimento. Assim se prende um talento.
Desde que Steven Hankin, lá no fim dos anos 1990, trouxe o termo "Guerra por Talentos" em um artigo da McKinsey, imaginamos que talento é uma coisa para se guardar do lado esquerdo do peito, debaixo de sete chaves, como cantava Milton Nascimento. Ninguém mexe com medo de perdê-lo – a não ser quando seja preciso. Talentos não estão imunes à demissão quando a empresa acredita ser essa a medida para resolver um problema ou sair de uma dificuldade. Coração mais desalmado? Não, apenas pragmático. O amor até pode existir, mas acaba.
Interprete com alma
Antigamente, era muito comum naqueles casamentos para a vida toda, a mulher acrescentar o sobrenome do marido ao seu. Muito além da ideia de pertencer a uma nova família, estava por trás, para alguns, a noção de posse. Comum em muitas culturas, era e é uma forma de identificar alguém – no caso da mulher, sra. Fulano, sendo este o sobrenome do esposo.
Numa empresa, o mesmo se dá. Casamos com a organização e, em meio ao amor que somente nós sentimos, incorporamos o sobrenome corporativo. Em algumas ocasiões, era essa “pessoa” que chegava antes de mim em algum encontro: “lá vem o Adriano, da empresa tal”. O executivo era mais importante que a pessoa.
Na realidade, ali nunca era eu, pois eu não existia, era apenas um pedaço da companhia (posse). Ao sermos mandados embora, costumamos manter esse amor levando esse sobrenome. Anulamos quem realmente somos, o que temos, sentimos e desejamos. Criamos um luto, chorando o amor perdido.
Colocamos na prioridade do nosso amor o objeto errado. Amar é olhar para dentro e se libertar. Pesquisas mostram que teremos muitas carreiras, vamos conhecer muitas empresas e experiências. Podemos nos apaixonar por elas, mas é preciso não perder de vista que o amor deve ser conosco mesmos.
Você tem de amar seu trabalho, suas competências, seus valores, sua saúde, sua família. É isso que você colocará em sua bagagem durante a longa estrada da vida, como cantavam Milionário e José Rico. O mundo corporativo comporta poesia, inspira uma boa trilha sonora, mas precisa de bons atores para ser um sucesso. E atuar é saber quem você é e o papel que vai representar na empresa. Sabendo sempre que, um dia, aparecerá antes dos créditos a palavra “fim”.