Pfizer: vacina tem como base o RNA mensageiro (Dado Ruvic/Reuters)
Tamires Vitorio
Publicado em 15 de novembro de 2020 às 15h51.
Última atualização em 17 de novembro de 2020 às 16h40.
Para o professor e cofundador da BioNTech, Ugur Sahin, que lidera o desenvolvimento da vacina da farmacêutica americana Pfizer contra o novo coronavírus, a vida deve voltar ao normal no final de 2021. Em entrevista à emissora britânica BBC, Sahin afirmou que "espera que novas análises dos resultados apresentem tanto uma redução da transmissão do vírus entre as pessoas quanto um bloqueio ao desenvolvimento dos sintomas por quem for infectado".
"Estou muito confiante de que a transmissão entre as pessoas será reduzida por uma vacina tão eficaz. Talvez não 90%, mas talvez 50%. Não devemos, entretanto, esquecer que mesmo isso pode resultar em uma redução dramática da propagação da pandemia", disse ele à BBC.
Nesta segunda-feira, 9, a Pfizer divulgou novos resultados da última fase de testes de sua vacina. Segundo a companhia, a vacina experimental se mostrou mais do que 90% eficaz em participantes que não tiveram infecções pela covid-19 depois de uma semana da administração da segunda dose necessária da imunização.
A análise da farmacêutica avaliou que 94 dos 43.538 voluntários que participam dos testes foram infectados pela doença. São necessários 164 casos confirmados para caracterizar a vacina como totalmente funcional.
A expectativa da Pfizer é pedir uma aprovação emergencial ao Food and Drug Administration (o FDA, espécie de Anvisa americana) na terceira semana deste mês.
Recentemente foi divulgado, segundo os executivos da companhia, que é possível que a imunização fique disponível até o final de 2020. Para o presidente da companhia, Albert Bourla, a Pfizer poderá fornecer cerca de 40 milhões de doses nos Estados Unidos se os testes clínicos em fase 3 continuarem “conforme o esperado” e se os órgãos reguladores aprovarem o uso emergencial dela. A empresa espera produzir até 100 milhões de doses até o fim do ano. Outras 1,3 bilhão de doses podem ser fabricadas no ano que vem.
Mais dados sobre a eficácia da vacina devem ser compartilhados em breve. Essa é a primeira análise preliminar de fase três divulgada pela Pfizer.
A vacina da Pfizer, com base no RNA mensageiro, é administrada em duas doses para chegar a uma eficácia maior — e as doses precisam ser administradas com uma distância de três semanas entre elas. A companhia também afirma que a vacina é capaz de produzir mais anticorpos neutralizantes da covid-19 uma semana após a segunda dose ser administrada. O que pode levar tempo.
Outras companhias também trabalham com uma proteção de duas doses, como é o caso da Moderna, que administra a imunização com um intervalo de quatro semanas, e a da AstraZeneca com a universidade de Oxford, que está, atualmente, testando duas opções, uma com apenas uma dose da vacina e outra com duas doses dadas após dois meses da primeira.
Uma vacina com duas doses requer o dobro de frascos, de siringas, de refrigeradoras, e de visitas clínicas em tempos de limitação de recursos no mundo todo. É preciso também levar em conta que nem todos que foram vacinados com a primeira dose podem se vacinar com a segunda, seja por falta de informação ou por acharem que somente uma já é o suficiente.
Mas a administração de uma vacina em duas doses para aumentar a eficácia não é uma prática exclusiva do SARS-CoV-2, uma vez que vacinas tradicionais, como a do sarampo, da caxumba e da rubéola, utilizam a mesma técnica.
A imunização da Pfizer (umas das dez em última fase de testes segundo um relatório da Organização Mundial da Saúde) pode ter até 1,3 bilhão de doses produzidas no ano que vem — e 100 milhões até o final deste ano, levando em conta que serão necessárias duas por pessoa. Uma esperança em meio a tempos difíceis.
O fato de a vacina ser produzida com a tecnologia inédita do RNA mensageiro também pode afetar também, de certa forma, a distribuição da vacina.
As vacinas de RNA elas precisam ser armazenadas em temperaturas muito baixas, de cerca de -70ºC, enquanto vacinas de DNA podem ser guardadas em temperatura ambiente. Se a vacina da Pfizer for aprovada, transportá-la para outros países poderá ser um empecilho.
Mas existe uma vantagem em usar este metódo. Com o RNA mensageiro, não há necessidade de cultivar um patógeno em laboratório, uma vez que é o organismo que faz todo o trabalho — o que pode permitir que a vacina seja fabricada mais rapidamente. Para produzi-la, não é necessário nenhum ingrediente como ovo de galinha, usado para a produção da imunização contra a gripe. E elas podem ser produzidas em grandes quantidades de forma mais rápida.
Das 48 em fases de testes, apenas 11 estão na fase 3, a última antes de uma possível aprovação. São elas a chinesa da Sinovac Biotech, a também chinesa da Sinopharm, a britânica de Oxford em parceria com a AstraZeneca, a americana da Moderna, da Pfizer e BioNTech, a russa do Instituto Gamaleya, a chinesa CanSino, a americana Janssen Pharmaceutical Companies e a também americana Novavax.
Nenhuma vacina contra a covid-19 foi aprovada ainda, mas os países estão correndo para entender melhor qual será a ordem de prioridade para a população uma vez que a proteção chegar ao mercado. Um grupo de especialistas nos Estados Unidos, por exemplo, divulgou em setembro uma lista de recomendações que podem dar uma luz a como deve acontecer a campanha de vacinação.
Segundo o relatório dos especialistas americanos (ainda em rascunho), na primeira fase deverão ser vacinados profissionais de alto risco na área da saúde, socorristas, depois pessoas de todas as idades com problemas prévios de saúde e condições que as coloquem em alto risco e idosos que morem em locais lotados.
Na segunda fase, a vacinação deve ocorrer em trabalhadores essenciais com alto risco de exposição à doença, professores e demais profissionais da área de educação, pessoas com doenças prévias de risco médio, adultos mais velhos não inclusos na primeira fase, pessoas em situação de rua que passam as noites em abrigos, indivíduos em prisões e profissionais que atuam nas áreas.
A terceira fase deve ter como foco jovens, crianças e trabalhadores essenciais que não foram incluídos nas duas primeiras. É somente na quarta e última fase que toda a população será vacinada.
Segundo uma pesquisa publicada no jornal científico American Journal of Preventive Medicine uma vacina precisa ter 80% de eficácia para colocar um ponto final à pandemia. Para evitar que outras aconteçam, a prevenção precisa ser 70% eficaz.
Uma vacina com uma taxa de eficácia menor, de 60% a 80% pode, inclusive, reduzir a necessidade por outras medidas para evitar a transmissão do vírus, como o distanciamento social. Mas não é tão simples assim.
Isso porque a eficácia de uma vacina é diretamente proporcional à quantidade de pessoas que a tomam, ou seja, se 75% da população for vacinada, a proteção precisa ser 70% capaz de prevenir uma infecção para evitar futuras pandemias e 80% eficaz para acabar com o surto de uma doença.
As perspectivas mudam se apenas 60% das pessoas receberem a vacinação, e a eficácia precisa ser de 100% para conseguir acabar com uma pandemia que já estiver acontecendo — como a da covid-19.
Isso indica que a vida pode não voltar ao “normal” assim que, finalmente, uma vacina passar por todas as fases de testes clínicos e for aprovada e pode demorar até que 75% da população mundial esteja vacinada.