Rinite: a vacina para rinite alérgica funciona mesmo? (Photodjo/Thinkstock)
Victor Caputo
Publicado em 3 de novembro de 2017 às 16h12.
Última atualização em 3 de novembro de 2017 às 16h34.
Há 30 anos, o otorrinolaringologista Edmir Américo Lourenço, da Faculdade de Medicina de Jundiaí, no interior paulista, deu início à aplicação de vacinas terapêuticas feitas por ele mesmo em indivíduos com rinite alérgica. Chamada de imunoterapia, a técnica surtia efeitos impressionantes. Mas como provar sua eficácia?
Em 2005, ele começou a recrutar pacientes e submetê-los a um protocolo-padrão, como mandam as boas práticas da ciência. Dez anos depois, os resultados demonstram o que Lourenço suspeitava: 79% dos voluntários viram as crises de espirro, coriza e coceira sumirem de vez.
Para o estudo, publicado no periódico International Archives of Otorhinolaryngology, o médico selecionou 281 pacientes entre 3 e 69 anos — além de rinite alérgica, alguns sofriam de asma. Primeiro, submeteu essa gente a um teste de pele que identifica a quais componentes o indivíduo é sensível. Foram testados ácaro, fungo, pelo de animais, pólen e penas.
A partir dos laudos, o médico elaborou uma vacina para cada paciente. Está aí um conceito-chave da imunoterapia: o tratamento é personalizado, baseado em alérgenos específicos. “A ideia é dessensibilizar o paciente até ele ficar sem sintomas”, explica Lourenço.
Durante 14 meses, os voluntários receberam mais de 30 aplicações da vacina. As primeiras doses continham uma quantidade pequena dos alérgenos. A segunda, uma concentração média; a terceira, mais forte; e a quarta e última dose, extraforte.
Os pacientes eram monitorados até 30 minutos após a picada — em caso de reação, os remédios podiam entrar em cena tranquilamente. Logo após as primeiras sessões, os pacientes relataram estar com o nariz desobstruído. Um ganho e tanto para quem vira e mexe se vê com a respiração travada.
Só tem um porém na história: o preço do procedimento. Alguns hospitais públicos até fornecem a imunoterapia pelo Sistema Único de Saúde (SUS), mas a maior oferta se encontra em clínicas particulares. “O tratamento chega a custar entre 6 mil e 12 mil reais por ano”, diz o otorrinolaringologista Olavo Mion, professor da Universidade de São Paulo. Na experiência de Lourenço, as aplicações duraram um ano e dois meses. Mas esse tempo pode se estender até cinco anos.
A imunoterapia que combate a rinite alérgica não é uma técnica nova. Pelo contrário: trata-se de um método centenário. Em 1911, o cientista inglês Leonard Noon (1877-1913) publicou o primeiro artigo defendendo a eficácia das vacinas terapêuticas contra essa condição crônica — hoje, ela afeta quase um terço da população. “Mas desde 1835 havia relatos de que era uma alternativa promissora”, conta o médico José Carlos Perini, presidente daAssociação Brasileira de Alergia e Imunologia.
Desde então, centenas de pesquisas fortaleceram as evidências de que expor o organismo a microdoses dos alergênicos é uma maneira eficiente de ensinar as próprias defesas a tolerá-los melhor. No final da década de 1990, a Organização Mundial da Saúde (OMS) chegou até a reconhecer a imunoterapia como único procedimento médico capaz de alterar o curso de uma doença alérgica.
Acontece que ela não é para todo mundo. Médicos costumam prescrevê-la a indivíduos que, durante uma crise, formam anticorpos de uma classe de proteínas batizada de imunoglobulina (famosa pela sigla IgE). Trata-se de uma das manifestações mais comuns da rinite, mas não a única.
Além disso, as vacinas dão mais certo em quem é sensível a poucos alérgenos. “E os melhores resultados são contra os ácaros, uma das alergias mais frequentes”, completa Mion, também presidente da Academia Brasileira de Rinologia.
São tantos detalhes que, para ter sucesso no tratamento, o jeito é procurar um alergista com experiência na área — e que faça as aplicações em uma clínica ou hospital com estrutura para atender eventuais reações às doses. “Embora não haja relatos de mortes há mais de 30 anos, a imunoterapia pode ter consequências fatais”, alerta Perini.
Também é bom frisar que falar em sucesso não tem nada a ver com cura— essa ainda não existe. A grande sacada da imunoterapia é deixar o indivíduo livre de crises por bons anos depois do ciclo de injeções. “Os outros tratamentos contra a rinite duram o tempo de ação do medicamento. Se o indivíduo para de tomar, o efeito acaba”, esclarece o médico Edmir Lourenço. “Com a imunoterapia, a proteção se mantém”, assegura.
Ainda assim não dá para relaxar 100%. “Se você tem 3 milhões de anticorpos e vai para uma casa de praia úmida e suja e entra em contato com 5 milhões de ácaros, as crises vão voltar”, ilustra Lourenço. É como entrar em um campo de batalha com milhares de soldados a menos: as perspectivas não são nada favoráveis.
Por isso, certos cuidados permanecem imprescindíveis após as vacinas. “Lave sempre o nariz com soro fisiológico, mantenha a casa limpa e evite entrar em contato com o causador da alergia”, exemplifica a imunologista Mariana Jobim, do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
As picadas frequentes fazem você torcer o nariz para a imunoterapia? Então escuta essa: uma versão sublingual não deve demorar muito para virar realidade. Em um trabalho americano publicado recentemente na revista Allergy & Asthma Proceedings, foram revisados experimentos feitos até hoje com as duas técnicas.
E ambas se mostraram eficazes contra a rinite e a asma. “Mas a sublingual só funciona nas pessoas que seguem as prescrições médicas à risca”, observa Mariana. Isso porque o paciente tem que tomar religiosamente as doses no período indicado para desfrutar dos benefícios.
Fora o custo e as agulhas, tem a questão do tempo de acompanhamento: por ser longo, eleva o risco de desistência no meio do caminho. Mas os cientistas também estão pesquisando maneiras de resolver esse entrave. Entre as soluções estão emplastros contendo baixas doses de alérgenos e esquemas com número reduzido de injeções.
Como se vê, a centenária imunoterapia ganhará novas roupagens. Sinal de que, atualmente, é a grande aposta para garantir um clima de paz entre o alérgico e seu nariz.
Além do teste cutâneo que flagra os causadores de alergia e a dosagem do anticorpo IgE, os exames de sangue evoluíram muito nos últimos anos. Um deles, o 3gAllergy, da Siemens Healthineers, faz o diagnóstico em 65 minutos e tem alta sensibilidade para detectar múltiplos alérgenos. “Como seu resultado é quantitativo, serve também para avaliar se o tratamento está dando certo”, destaca Gisela Bozzo, gerente de produto da marca.
Outra opção é o ISAC, sigla para Immuno Solid-phase Allergen Chip, que detecta reações contra 112 alérgenos de 51 fontes diferentes. É indicado para pessoas com suspeita de serem sensíveis a muitos fatores ao mesmo tempo.
Persistente
Dura ao menos de quatro dias a quatro semanas consecutivas. Facilita o desenvolvimento de resfriados, gripes e sinusite. Está mais associada a pelos de animais, ácaros e alimentos.
Intermitente
Manifesta-se por no máximo quatro dias ou menos de quatro semanas seguidas. É conhecida como rinite sazonal, porque costuma estar atrelada à mudança das estações. Por trás das crises geralmente estão mofo e pólen.
Leve
A crise é tão branda que não chega a afetar as atividades diárias ou o sono.
Moderada
Os sintomas começam a incomodar, abalando o repouso e a rotina.
Grave
As crises prejudicam seriamente o descanso e a qualidade de vida.
– Pólen
– Ácaros
– Fungos
– Pelos de animais
– Penas