Ciência

Sua pressão pode não ser tão normal quanto você imagina

A avaliação mais recente da pressão arterial ideal foi colocada em xeque por um estudo americano

É raro que os americanos cheguem aos 79 anos sem hipertensão  (Luis Alvarez/Getty Images)

É raro que os americanos cheguem aos 79 anos sem hipertensão (Luis Alvarez/Getty Images)

Marina Filippe

Marina Filippe

Publicado em 24 de outubro de 2020 às 11h35.

A avaliação mais recente da pressão arterial "ideal" – 120 milímetros de mercúrio para a pressão sistólica, o número maior na medição –, que os americanos são incentivados a alcançar e manter, foi colocada em xeque por um estudo multiétnico de longa duração envolvendo adultos saudáveis.

O estudo, publicado em junho pela revista científica "JAMA Cardiology", revelou que, quando a pressão arterial sistólica passa dos 90 mm, o risco de danos às artérias coronárias aumenta na mesma proporção. A pressão arterial sistólica é a pressão que ocorre nas artérias quando o coração bombeia sangue (em oposição à pressão arterial diastólica, o número mais baixo na medição, que é registrada quando o coração está em repouso).

As novas descobertas indicam a necessidade de analisar cuidadosamente a razão pela qual, apesar de melhoras consideráveis nos fatores de risco de doenças cardíacas ao longo das últimas décadas, essa continua sendo a maior causa de mortes nos EUA.

Nos anos 1940, pesquisadores cardiovasculares já haviam revelado provas de que os norte-americanos vivem em uma sociedade em que o risco elevado de desenvolver doenças cardíacas e morrer em decorrência delas é praticamente garantido. Desde as primeiras semanas em que comecei a escrever para este jornal, no início dos anos 1960, tenho divulgado os conselhos desses pesquisadores, que incentivam as pessoas a limitar os riscos preveníveis ao coração e ao sistema circulatório.

Ainda tenha havido um progresso significativo em diversas direções, sobretudo uma queda drástica no tabagismo e nos níveis do tipo de colesterol prejudicial às artérias, doenças cardíacas ateroscleróticas ainda matam pessoas demais nos EUA muito antes que atinjam sua expectativa de vida. Não fosse por uma série de avanços terapêuticos, como medicamentos anti-hipertensivos, estatinas para baixar o colesterol e cirurgia de bypass coronário para contornar artérias obstruídas, a expectativa de vida seria muito menor para muitas pessoas.

Mas o quadro geral sugere que ainda temos um longo caminho pela frente. Por exemplo, à medida que os norteamericanos engordam cada vez mais, dois importantes fatores de risco para doenças cardíacas – o diabetes tipo 2 e a pressão arterial elevada – aumentam proporcionalmente ao peso.

É verdade que existem medicamentos para tratar essas duas condições. No entanto, por que recorrer às pílulas, incluindo medicamentos com efeitos colaterais indesejáveis, para modificar riscos que podem ser controlados pela maioria das pessoas?

Além disso, como demonstrado no estudo, até mesmo os níveis de pressão sanguínea que geralmente são considerados "normais" podem ser altos o bastante para aumentar em mais de quatro vezes os riscos de desenvolver doença cardíaca aterosclerótica, em comparação com pessoas com pressão sanguínea sistólica que são fisiologicamente ideais.

Há muito tempo, os cardiologistas sabem que a pressão arterial sistólica das pessoas que vivem em sociedades tradicionais não industriais geralmente gira em torno de 90 durante toda a vida. Ao contrário dos americanos típicos, a pressão arterial delas não sobe com a idade. Em vez disso, parece que o aumento na pressão, comum entre os americanos idosos e de meia-idade, é resultado de um estilo de vida sedentário e de dietas muito ricas em calorias e em sódio, que resultam em artérias mais rígidas e estreitas que, por sua vez, elevam a pressão sanguínea.

O estudo, dirigido pelo dr. Seamus P. Whelton, cardiologista e epidemiologista do Centro Johns Hopkins Ciccarone de Prevenção de Doenças Cardiovasculares, em Baltimore, acompanhou um grupo de 1.457 homens e mulheres de meiaidade que, inicialmente, estavam livres de doença vascular aterosclerótica e de fatores de riscos conhecidos há 14,5 anos. À medida que os participantes envelheciam, os fatores de risco de doença cardíaca aumentavam, assim como os depósitos de cálcio nas artérias coronárias e eventos cardiovasculares como ataques cardíacos e AVCs.

A equipe de pesquisa se concentrou no aumento da pressão arterial sistólica com o passar do tempo, levando em consideração mudanças em outros riscos ao coração. E revelou que, para cada 10 mm de aumento na pressão sistólica, o risco de depósitos de cálcio e eventos cardiovasculares aumentava de acordo. Comparadas a indivíduos com pressão sistólica entre 90 e 99 mm, pessoas com pressão entre 120 e 129 mm tinham 4,58 vezes mais chances de passar por algum evento cardiovascular.

Ainda assim, Whelton disse em uma entrevista que seria um erro se concentrar apenas em estratégias de prevenção contra a hipertensão. Segundo ele, pessoas com pressão arterial elevada "também têm mais chances de ter níveis altos de colesterol e glicose no sague. A estratégia ideal seria se concentrar em todos esses fatores de risco – os níveis de colesterol e açúcar no sangue e a pressão arterial. Manter uma dieta saudável, fazer exercício, não fumar e consumir álcool apenas com moderação são atitudes que diminuem todos os fatores de risco de doença cardiovascular".

Os níveis de pressão arterial sistólica considerados saudáveis pelos médicos têm caído há cerca de meio século. Em agosto de 1950, um estudo publicado na revista científica "JAMA" sugeriu que é arbitrário afirmar que uma pressão arterial sistólica de 140, 150, ou 160 mm é alta demais, "especialmente quando a idade está envolvida". Os autores sugeriram que aumentar os níveis aceitáveis de pressão sanguínea para pessoas com mais de 40 anos "resultaria em uma queda na incidência de hipertensão e, assim, diminuiria alguns dos receios generalizados e desnecessários em relação à pressão sanguínea".

O documento mais recente com diretrizes sobre a pressão arterial, publicado em 2017 pela Associação Americana do Coração e pelo Colégio Americano de Cardiologia, considera 120 mm de pressão sanguínea como o limite máximo da normalidade e define 130 mm ou mais como um nível de pressão alta que exige tratamento com medidas para melhorar o estilo de vida ou com medicação.

Em um editorial que acompanha o novo estudo, o dr. Daniel W. Jones, especialista em hipertensão no Centro Médico da Universidade do Mississippi, que ajudou a formular as atuais diretrizes de pressão arterial, escreveu: "O risco causado por uma pressão arterial inferior ao atual nível definido como hipertensivo aumenta continuamente a partir de uma pressão arterial sistólica de 90 mm de mercúrio."
Jones declarou em uma entrevista que "a pressão arterial normal pode estar na casa dos 90, o que corresponde à pressão de mulheres jovens e saudáveis, antes que o sistema vascular seja danificado pela pressão sanguínea elevada ao longo dos anos. A prevenção deve começar na infância, com uma dieta saudável pobre em sal e com exercícios regulares, e os adultos devem evitar o ganho de peso com a idade, algo que compreendo ser muito difícil em nossa sociedade repleta de alimentos tóxicos".

Depois de me elogiar porque mantive minha pressão arterial sistólica entre 100 e 110 ao longo de toda a minha vida adulta, ele explicou que "é raro que os americanos cheguem à sua idade, 79 anos, sem ter hipertensão".

Quando perguntei por que os médicos não dão mais ênfase à manutenção de níveis de pressão arterial na juventude, Jones comentou que, até os anos 1960, as faculdades de medicina ensinavam que a pressão arterial deveria aumentar com a idade para garantir um fluxo adequado de sangue para o cérebro.

"Só nas últimas décadas aceitaram que manter a pressão arterial baixa é melhor para o cérebro, os rins e o coração à medida que as pessoas envelhecem", completou.

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