Aedes aegypti: fêmeas da espécie são as que picam humanos e transmitem doenças como dengue e zika (Fábio Rodrigues Pozzebom/ABr/Reprodução)
Laura Pancini
Publicado em 26 de abril de 2021 às 15h27.
Última atualização em 27 de abril de 2021 às 15h15.
*Atualização: A matéria foi corrigida para incluir mais detalhes sobre o trabalho da Oxitec no Brasil e a tecnologia dos genes autolimitantes.
A Oxitec, empresa britânica de biotecnologia, está fazendo um projeto-piloto de campo com mosquitos que tiveram seus genes alterados por meio da engenharia genética para controlar a população de Aedes aegypti em Florida Keys, arquipélago de ilhas tropicais perto dos Estados Unidos.
A empresa inseriu um gene autolimitante nos mosquitos. Todos serão machos, já que não picam humanos, e o plano é que, ao reproduzir com fêmeas que picam, o gene — que contém uma carga útil hereditária que impede que filhotes do sexo feminino atinjam a vida adulta — será passado.
O alvo, por enquanto, é o Aedes aegypti, mosquito responsável por transmitir doenças como a dengue e zika. Em Florida Keys, eles representam apenas 2% a 4% da população de insetos, mas são responsáveis pela maioria de doenças transmitidas por mosquitos.
O plano é impedir que os mosquitos femininos atinjam a vida adulta e, portanto, não deixem descendentes. O monitoramento será por meio de copos de coleta instalados pela região para observar a supressão dos mosquitos.
Em maio de 2020, a Oxitec recebeu aprovação da Agência de Proteção Ambiental (EPA, na sigla em inglês) e do Departamento de Agricultura e Serviços ao Consumidor da Flórida (FDACS em inglês) para fazer o projeto-piloto em campo. Na região onde os testes irão acontecer, muitos residentes não estão contentes em participar e afirmam que assinaram um contrato para "ter insetos eliminados" sem saber que mosquitos genetificamente modificados fariam o trabalho.
De acordo com o Futurism, a empresa vendeu a ideia "como uma forma de evitar a pulverização de pesticidas químicos", mas a atividade ainda irá continuar mesmo após o início dos testes.
A expectativa é que cerca de 12 mil mosquitos, advindos da solução tecnológica, surjam a cada semana, durante o período de 12 semanas. Caso tudo ocorra bem, o experimento pode se tornar uma forma eficaz de matar pragas sem precisar usar inseticidas, que prejudicam o meio ambiente.
Porém, críticos entrevistados pelo Futurism temem que o mosquito modificado e a população selvagem acabem criando híbridos genéticos, o que a empresa afirma que não é um risco real. De acordo com a Oxitec, a tecnologia usa modificações genéticas para criar insetos autolimitantes e que não picam, ou seja, o genoma modificado não se prolifera.
E se uma das fêmeas portadora do gene acabar sobrevivendo e reproduzindo? O porta-voz da EPA, Kenneth Labbe, disse que o experimento será encerrado no segundo que isso acontecer. “Eles são obrigados a cessar imediatamente as liberações, aplicar pesticidas convencionais direcionados aos estágios adultos e larvais do mosquito e continuar monitorando até que nenhum mosquito fêmea seja encontrado por duas gerações consecutivas”, disse Labbe.
A Oxitec realiza diversos projetos no Brasil desde 2010. Entre 2013 e 2015, testes foram realizados no país, onde a empresa liberou mosquitos que carregavam um gene autolimitante (diferente do que será usado em Florida Keys), conhecido como "Aedes do Bem". De início, em duas cidades no interior da Bahia, Juazeiro e Jacobina, o experimento mostrou resultados positivos: na primeira, a população de Aedes aegypti caiu 94% após alguns meses de tratamento com os mosquitos transgênicos. Em Jacobina, a queda foi de 92%.
Posteriormente, instituições brasileiras publicarem em revistas científicas como a Nature e a Scientific Reports afirmando que alguns dos mosquitos se acasalaram, produziram descendentes viáveis e criaram uma nova população híbrida genética capaz de sobreviver na selva. A Oxitec contestou as publicações e pressionou por uma retratação, que foram feitas pelos autores e editores das revistas.
A Oxitec afirma que a tecnologia Aedes do Bem pode ser usada como parte de programas integrados de manejo de pragas, podendo coexistir com outras soluções. Há um projeto em Indaiatuba ativo no momento.
Ela funciona da seguinte forma: após a liberação dos machos Aedes do Bem no ambiente, eles acasalam com mosquitos fêmeas selvagens e reduzem a população-alvo, já que a prole feminina desse acasalamento não consegue sobreviver. Já a prole masculina sobrevive e transmite o gene autolimitante a metade de seus descendentes, já que as fêmeas portadoras do gene não conseguem sobreviver. O gene autolimitante pode persistir, mas diminui ao longo do tempo.