Repórter
Publicado em 21 de agosto de 2025 às 20h13.
Última atualização em 21 de agosto de 2025 às 20h19.
Longa exposição do lançamento da Crew-2 do Centro Espacial Kennedy, visto do Marina Park em Titusville, Flórida, sobre o Rio Indiano. (Daniel Hull/Getty Images)
Acontece na madrugada de sexta-feira, 22, o mais novo lançamento da SpaceX. Outro lançamento acontece no domingo, 24, com o que a empresa planeja ser o maior e mais poderoso foguete até agora.
E Elon Musk quer chegar a Marte. Mas, para isso, os foguetes da SpaceX, sua empresa de exploração espacial avaliada em US$ 470,7 bilhões, precisam parar de explodir.
A ideia de Musk era de que seria seguro levar humanos para o espaço até 2023, com pessoas pisando na Lua novamente até o começo do ano. Não deu certo.
"É realmente um dos desafios de engenharia mais difíceis que existem", disse Musk em julho. "Quando começamos a falar sobre a Starship, as pessoas achavam que era impossível. Na verdade, até mesmo dentro da empresa, achávamos que era meio impossível."
A companhia, considerada uma das mais valiosas do mundo, lidera o setor global de lançamentos espaciais e é responsável por mais de nove mil satélites da constelação Starlink lançados desde 2019. Seu foguete reutilizável Falcon 9 mantém uma taxa de sucesso superior a 99%, segundo dados da CNET e ElectroIQ.
Em 2024, a SpaceX bateu recorde com 134 lançamentos bem-sucedidos e mira 170 missões até o fim de 2025.
O mercado, apesar disso, não parece estar preocupado. A ARK Invest, gestora de investimentos americanas, projetou uma avaliação de US$ 2,5 trilhões para a SpaceX até 2030, com um retorno anualizado de cerca de 38% desde sua última rodada de financiamento.
A projeção mais otimista da ARK Invest sugere que a SpaceX pode alcançar um valor de até US$ 3,1 trilhões até 2030.
Musk, por sua vez, projeta US$ 15,5 bilhões em receita para 2025, o que pode colocar a empresa a caminho de superar o orçamento da Nasa até 2026, estimado em US$ 18,8 bilhões.
Mas nem todos estão otimistas. Ross Gerber, CEO da Gerber Kawasaki, especializada em gestão de patrimônio e investimentos, expressou preocupações sobre a avaliação da SpaceX, sugerindo que ela poderia ter sido reduzida pela metade devido aos conflitos públicos recentes entre Musk e Trump. Gerber chamou o embate de "desastre" e indicou que o império de Musk poderia estar sendo desmantelado.
As recentes falhas da Starship também levantaram bandeiras vermelhas entre os reguladores e investidores.
Alguns analistas observam que "a confiança nos foguetes da SpaceX parece estar caindo", especialmente após as explosões consecutivas. Isso aumentou os riscos operacionais, incluindo preocupações regulatórias sobre os detritos dos lançamentos, particularmente no Reino Unido.
E todas as atenções estão voltadas para o lançamento de hoje.
Apesar do histórico positivo com o Falcon 9, os testes com a Starship — nave projetada para levar humanos a Marte — continuam enfrentando falhas.
O veículo, que deveria passar por uma simulação de ignição, foi destruído antes mesmo de decolar. Segundo a Reuters, a causa preliminar foi a falha de um tanque de nitrogênio pressurizado, que rompeu abaixo do limite de segurança, gerando uma reação em cadeia ao entrar em contato com os propelentes metano e oxigênio líquido usados no sistema de propulsão.
Com o episódio, foram quatro o número de falhas envolvendo a Starship apenas em 2025. Incidentes anteriores ocorreram em janeiro, março e maio, todos envolvendo o estágio superior da nave durante tentativas de ascensão ou reentrada. A destruição completa do veículo durante um teste em solo amplia ainda mais a pressão sobre a empresa.
Apesar do histórico de explosões, Musk afirmou publicamente que pretende lançar uma missão não tripulada a Marte em 2026.
A meta depende de aproveitar a chamada janela de transferência entre a Terra e Marte — um curto período que ocorre aproximadamente a cada 26 meses, quando os dois planetas estão mais próximos, a cerca de 55 milhões de quilômetros de distância.
Perder essa janela significa esperar até 2028 para uma nova oportunidade, com maior custo de combustível e viagem mais demorada.
Para cumprir esse cronograma, a SpaceX precisa resolver diversos desafios técnicos.
O mais ambicioso deles é o reabastecimento orbital: a nave Starship precisará ser abastecida no espaço com propelente criogênico — metano líquido e oxigênio líquido — antes de seguir viagem rumo a Marte. O procedimento nunca foi realizado com sucesso por nenhuma agência espacial.
Segundo estimativas da própria SpaceX, serão necessários entre 8 e 14 lançamentos adicionais de veículos-tanque Starship para transferir combustível ao Starship principal em órbita baixa da Terra. Cada um desses tanques deverá transportar cerca de 1.200 toneladas de propelente, exigindo coordenação milimétrica, estabilidade orbital e sistemas automatizados de acoplamento e transferência em microgravidade.
O sistema de reabastecimento orbital é considerado hoje o maior gargalo técnico da missão marciana. Além de ser inédito, exige que os propelentes sejam mantidos em temperaturas criogênicas por dias ou semanas em órbita, algo que envolve o uso de tanques superisolados e sistemas ativos de controle térmico. O risco de ebulição ou perda parcial do combustível é significativo.
Outro problema crítico é o escudo térmico da Starship, responsável por proteger a estrutura da nave durante a entrada na atmosfera de Marte e, posteriormente, no retorno à Terra.
Ao penetrar na atmosfera marciana a velocidades de até 20.000 km/h, a nave enfrentará temperaturas superiores a 1.500 °C. Para suportar esse calor extremo, a SpaceX desenvolveu um sistema de azulejos cerâmicos hexagonais reutilizáveis que cobrem grande parte do casco da nave.
Em maio, Musk reconheceu que a aderência e durabilidade desses azulejos são "um dos problemas mais difíceis de resolver". Durante testes anteriores, algumas peças se soltaram ou derreteram parcialmente, indicando falhas no sistema de fixação ou na resistência térmica dos materiais utilizados.
Além disso, a empresa ainda precisa desenvolver sistemas eficazes contra a radiação cósmica, uma ameaça constante em voos interplanetários.
A missão a Marte exigirá um trajeto de cerca de seis a nove meses em cada direção, durante o qual a tripulação ficará exposta a altos níveis de radiação solar e de partículas energéticas galácticas.
Segundo a Nasa, um voo de ida e volta a Marte pode expor os astronautas a até 1.000 mSv (milisieverts) de radiação — o equivalente a 50 radiografias de tórax por dia durante um ano inteiro.
Para mitigar esse risco, a SpaceX estuda o uso de blindagens passivas com água ou polímeros ricos em hidrogênio, e até módulos internos protegidos por tanques de propelente ou sistemas ativos de campo magnético — embora esses últimos ainda estejam em estágio conceitual.
As explosões dos foguetes Starship não são resultado de um único defeito, mas refletem a estratégia de desenvolvimento adotada pela SpaceX.
A empresa opera sob o princípio de rapid iterative testing, ou desenvolvimento iterativo rápido, na tradução literal, que envolve construir, testar, aprender com as falhas e ajustar os projetos rapidamente. Essa abordagem contrasta com o modelo tradicional da Nasa, que preza pela validação exaustiva e testes altamente controlados antes de lançar qualquer protótipo. Como resultado, a SpaceX experimenta mais falhas públicas — incluindo explosões —, mas avança mais rapidamente na inovação tecnológica.
De acordo com análises do mercado, cada explosão representa um revés caro — cada protótipo da Starship custa entre US$ 90 milhões e US$ 100 milhões —, mas é encarada pela empresa como uma oportunidade de aprendizado, e não como uma falha fatal.
No entanto, à medida que os custos aumentam e o cronograma da Nasa passa a depender do sucesso da SpaceX, cresce também a pressão por resultados mais consistentes.
Do ponto de vista técnico, os motivos para as explosões são variados e envolvem tanto falhas estruturais quanto problemas de software, desempenho de motores e operação de sistemas pressurizados. Entre as causas mais comuns estão vazamentos de propelente, falhas nos tanques de pressão, ignições não planejadas e colapsos estruturais.
Nos testes realizados entre janeiro e junho de 2025, por exemplo, três voos da Starship terminaram em explosão durante a subida ou na reentrada.
Em janeiro e março, falhas nos motores Raptor causaram perda de estabilidade e ativação do sistema de autodestruição. Em maio, o veículo entrou em rotação descontrolada na reentrada e se desintegrou na atmosfera.
Elon Musk: bilionário não vê explosões como problema (Nathan Laine/Bloomberg/Getty Images)
Outro problema recorrente são as falhas no sistema de azulejos térmicos, que se soltam durante os testes de voo e comprometem a integridade do escudo térmico.
Durante o voo do Starship 9, em 2021, uma falha semelhante levou à perda do veículo ao final da descida controlada. A complexidade do sistema — com mais de 18 mil azulejos cerâmicos montados individualmente — torna o processo vulnerável a erros de instalação ou vibração excessiva.
A SpaceX também depende de um sistema automatizado chamado Flight Termination System (FTS), responsável por destruir o foguete caso ele saia da trajetória esperada. Em diversos testes, o próprio sistema foi ativado como medida de segurança, resultando em explosões intencionais para evitar riscos no solo.
Apesar da frequência dos incidentes, os testes são feitos com veículos não tripulados e em zonas controladas, minimizando riscos humanos e ambientais.
A empresa considera que detectar falhas em fase de protótipo é mais vantajoso do que descobri-las em missões operacionais. Musk disse em 2021 que “uma explosão vale mais que mil simulações” — e essa filosofia continua sendo o núcleo do desenvolvimento da Starship.
A Nasa escolheu a Starship como o módulo de pouso do programa Artemis, que pretende levar astronautas à superfície da Lua ainda nesta década.
A missão, batizada de Artemis III, será a primeira tentativa de alunissagem tripulada desde a Apollo 17, em 1972, e marcará também a primeira vez que uma mulher e uma pessoa não branca pisarão no solo lunar.
A parceria entre a Nasa e a SpaceX foi firmada em 2021, com um contrato inicial de US$ 2,9 bilhões para o desenvolvimento da Starship Human Landing System (HLS) — uma versão modificada da Starship projetada exclusivamente para operações lunares.
O objetivo é utilizar a cápsula Orion da Nasa para transportar os astronautas até a órbita lunar, onde embarcarão na Starship HLS para descer até a superfície do satélite. Após a missão, a nave os levará de volta à Orion para o retorno à Terra.
Especialistas ouvidos pela OpenTools.ai alertam que atrasos na maturação do sistema Starship podem comprometer os cronogramas do Artemis, especialmente as fases III e IV, previstas para ocorrer entre 2026 e 2028. A depender do andamento dos testes, a Nasa já estuda alternativas para mitigar riscos, como adiar o voo tripulado ou rever o escopo da missão.
A Starship HLS terá que realizar pelo menos um teste não tripulado de alunissagem antes da missão com astronautas, conforme exigência contratual da Nasa. Esse voo de demonstração ainda não tem data marcada, pois depende da conclusão de testes bem-sucedidos do sistema de reabastecimento orbital — o mesmo que será necessário para missões a Marte.
Ainda segundo a agência espacial americana, a missão Artemis III deve ocorrer “não antes de setembro de 2026”, embora o prazo dependa de múltiplos fatores, incluindo o ritmo de lançamentos da Starship, o progresso da cápsula Orion e o desenvolvimento do novo traje espacial lunar, fornecido pela empresa Axiom Space.
Apesar das incertezas, a colaboração com a SpaceX é vista como estratégica para a Nasa. A reutilização do sistema Starship promete reduzir significativamente os custos de transporte lunar a longo prazo e abrir caminho para a criação de uma presença permanente na superfície da Lua, alinhada com os objetivos da futura missão Artemis Base Camp — um projeto que prevê a construção de uma base habitável no polo sul lunar ainda na década de 2030.
O sucesso do Artemis III com a Starship pode redefinir o papel da iniciativa privada na exploração lunar — e servir como ensaio tecnológico para o salto mais ambicioso de Musk: levar humanos a Marte.
As ambições de Musk com a SpaceX vão além de enviar sondas ou missões tripuladas ao planeta vermelho. Seu objetivo declarado é transformar a humanidade em uma espécie multiplanetária, motivado principalmente pela mitigação de riscos existenciais e pela sobrevivência de longo prazo da civilização humana.
Musk acredita que estabelecer uma colônia autossustentável em Marte é essencial para proteger a humanidade contra eventos de extinção em massa na Terra.
Entre os cenários de risco estão desastres naturais como impactos de asteroides e supervulcões, além de ameaças humanas como guerras nucleares, pandemias e mudanças climáticas. Criar um “backup” da civilização em Marte é, segundo ele, uma forma de garantir a preservação da consciência e da cultura humanas caso a Terra se torne inabitável.
Outro argumento recorrente de Musk é o destino inevitável do planeta: com o passar de bilhões de anos, o Sol evoluirá e poderá engolir ou tornar a Terra inabitável, segundo ele. Colonizar Marte seria, para Musk, um tipo de “seguro de vida” para a espécie, oferecendo um novo lar para a humanidade no futuro cósmico distante.
Além das razões existenciais, Musk ressalta o valor inspirador da exploração espacial e os avanços tecnológicos que ela pode gerar.
Para ele, a colonização de Marte pode ser uma aventura capaz de unir e motivar a humanidade, além de impulsionar o progresso científico e de engenharia.
O plano final não é apenas visitar Marte, mas construir ali uma colônia democrática, autossustentável e com milhões de habitantes, capaz de operar de forma independente da Terra. O sistema Starship, segundo Musk, é o meio para permitir viagens regulares e acessíveis entre os dois planetas.
Apesar dos desafios técnicos e da frequência de falhas, a SpaceX apresenta uma das situações financeiras mais sólidas do setor — e grande parte desse faturamento vem do Starlink, serviço de internet via satélite que, em agosto, ultrapassou a marca de seis milhões de usuários em 140 países.
A divisão Starlink tem sido um grande motor de crescimento, com previsões de US$ 12,3 bilhões em receita para 2025. Analistas estimam que a Starlink, por si só, poderia valer entre US$ 30 bilhões e US$ 100 bilhões como uma companhia independente.
Enquanto a SpaceX continua a enfrentar desafios técnicos significativos, o setor espacial como um todo permanece em expansão.
O investimento no espaço disparou em 2025, com US$ 3,2 bilhões em investimentos no último trimestre, um aumento de 60%, segundo a dados compilados da Space Foundation e da Space Capital. Isso demonstra que, embora a SpaceX enfrente dificuldades, o ecossistema mais amplo de empresas espaciais está se diversificando.
É o caso da Blue Origin, de Jeff Bezos, que tem avançado no setor espacial, mas ainda opera em ritmo inferior ao da SpaceX. Desde 2021, o foguete suborbital New Shepard realizou 13 missões tripuladas, com foco no turismo espacial. A mais recente, NS-33, foi adiada antes da decolagem, nesta sexta-feira, 21.
No segmento orbital, o foguete New Glenn fez seu primeiro voo bem-sucedido em janeiro de 2025, colocando um satélite de teste em órbita.
O segundo lançamento está previsto para 15 de agosto, com tentativa inédita de recuperar o primeiro estágio. Até agora, o New Glenn ainda não opera regularmente.
A empresa também participa do programa Artemis, com o desenvolvimento do módulo lunar Blue Moon, e tem contratos com a Nasa e a Amazon, por meio do Project Kuiper.
Em comparação, a SpaceX realizou 134 lançamentos em 2024 e projeta 170 missões em 2025, com taxa de sucesso superior a 99%. A Blue Origin ainda realiza menos de 10 lançamentos por ano, somando todos os seus programas ativos.
Enquanto a SpaceX domina cerca de 85% do mercado de lançamentos orbitais em 2025, a Blue Origin ainda disputa espaço no segmento comercial e institucional, com foco em contratos governamentais e voos turísticos, segundo estimativas da BryceTech.
Além disso, a SpaceX recebe cerca de US$ 1,1 bilhão em contratos da Nasa por ano, incluindo o desenvolvimento do módulo de pouso lunar, missões científicas e lançamentos de satélites.
Parcerias com agências de defesa e governos estrangeiros, especialmente na Índia, ajudam a ampliar a base de receita. A aposta na reutilização de foguetes também mantém os custos operacionais em níveis mais baixos do que os concorrentes tradicionais.
Mesmo diante de tantas explosões, a SpaceX mantém sua posição como líder em tecnologia espacial privada. Os desafios para chegar a Marte são monumentais — e os prazos são curtos. Mas, se depender da filosofia de Musk, cada explosão é mais uma etapa em direção ao objetivo final.