Ciência

Sob ataque, Amazônia tem 381 novas espécies descobertas

A maior parte das descobertas foi feita dentro de áreas protegidas e entornos, o que reforça a importância desses espaços para a manutenção da floresta

Nova espécie na Amazônia: macaco zogue-zogue- rabo-de- fogo (Plecturocebus miltoni). (Bret Whitney/ WWF/Divulgação)

Nova espécie na Amazônia: macaco zogue-zogue- rabo-de- fogo (Plecturocebus miltoni). (Bret Whitney/ WWF/Divulgação)

Vanessa Barbosa

Vanessa Barbosa

Publicado em 30 de agosto de 2017 às 15h42.

Última atualização em 30 de agosto de 2017 às 17h36.

São Paulo - No momento em que a sociedade civil demonstra sua indignação diante das intenções do governo federal de extinguir a Reserva Nacional do Cobre e Associados (Renca), área na Amazônia equivalente ao território da Dinamarca, um relatório divulgado nesta quarta-feira revela a descoberta de 381 novas espécies na maior floresta tropical do mundo, entre 2014 e 2015.

A maior parte das descobertas foi feita dentro de áreas protegidas e nos entornos, o que reforça a importância desses espaços para a manutenção do ecossistema. O estudo foi divulgado pelo WWF-Brasil em parceria com o Instituto Mamirauá, unidade de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC).

Das novas espécies descritas pela ciência, 216 são espécies de plantas; 93 de peixes; 32 de anfíbios; 19 de répteis; uma ave; 18 mamíferos; e dois mamíferos fósseis. Entre 2014 e 2015, em média uma nova espécie de ser vivo foi descoberta na Amazônia a cada dois dias. Os dados são fruto de uma revisão bibliográfica de artigos científicos publicados em periódicos nacionais e internacionais. Considerando as duas edições anteriores do estudo, mais de 2 mil novas espécies já foram descritas em 17 anos.

"Esse estudo vem em um momento de grave retrocesso ambiental no país, alertando para os riscos das decisões políticas tomadas de forma rápida, sem discussão pública e sem considerar os impactos potenciais e muitas vezes irreversíveis provocados por essas intervenções na Amazônia", afirma o coordenador do Programa Amazônia do WWF-Brasil, Ricardo Mello.

Bico-chato-do-sucunduri (Tolmomyias sucunduri)

Bico-chato-do-sucunduri (Tolmomyias sucunduri) (Fabio Schunck/WWF/Divulgação)

"Metade do território brasileiro é Amazônia, mas nós só conhecemos 20% do que tem lá. Como zelar por um ecossistema que não conhecemos? Precisamos de atenção e cautela nas decisões sobre onde preservar e como mensurar os efeitos de nossas ações", acrescenta.

De acordo com o coordenador do WWF, a maioria das decisões tomadas na Amazônia é feita à revelia do conhecimento científico e das comunidades tradicionais. A extinção da reserva de Renca é, segundo ele, "certeza de piora" e reflete três graves falhas do país: fragilidade legislativa, a dificuldade do governo em lidar com planejamento de longo prazo e a dificuldade de inserir a sociedade no debate e nas decisões políticas.

Recursos escassos 

O número expressivo de descobertas também demonstra a importância dos investimentos em pesquisa científica na Amazônia e de redobrar a atenção para a região.

Para se ter uma ideia, quatro novas espécies de peixe identificadas no relatório estão sob influência da área da Renca, que o governo quer extinguir. São peixes de pequeno porte mas que fazem parte da cadeia alimentar como um todo, inclusive para comunidades tradicionais da região.

Se muito pouco ainda se sabe sobre as riquezas da fauna e flora brasileiras, menos ainda se faz para conhecê-las e preservá-las.

"Das cinco novas espécies de primatas, duas estão inseridas no arco do desmatamento, que abrange as regiões mais impactadas por obras de estradas, mineração, desmatamento e construção de usinas hidrelétricas. Essas duas espécies estão sob forte pressão", destaca Fernanda Paim, bióloga e pesquisadora do Instituto Mamirauá.

Um dos primatas é o "pararacu", que só é contemplado por uma unidade de conservação, todas as outras áreas onde ele foi registrado não têm proteção. O outro primata é o "zogue-zogue-rabo-de-fogo", que tem esse nome por conta de sua longa cauda avermelhada, ele ocorre dentro dos limites de unidades importantes mas que também estão em risco de serem reduzidas, conforme a bióloga.

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Boto Inia araguaiaensis. (Gabriel Melo-Santos/ WWF/Divulgação)

Segundo a pesquisadora, a Amazônia possui muitas lacunas de conhecimento, em grande medida em função de sua extensão territorial e pela falta de recursos para pesquisa científica na região.

"Nos últimos anos, os cortes orçamentários afetaram muito as instituições que atuam lá, e isso compromete os investimentos em pesquisas na floresta. Além da carência de pesquisadores na região, falta estímulos para formação de novos profissionais. Sem eles, não temos como fazer novas descobertas, nem estimular a criação de novas áreas de proteção", desabafa.

Em todo o mundo, entre 1970 e 2012, houve um declínio de 58% no número de espécies. Não à toa, os cientistas afirmam que estamos passando pela sexta extinção em massa na história da Terra e, dessas vez, são os humanos os maiores responsáveis por isso.

"Nesse contexto, as áreas protegidas são a ferramenta mais eficaz criada pela humanidade para proteger a biodiversidade, combater o desmatamento, regular o clima e alcançar a conservação a longo prazo da natureza com serviços ecossistêmicos e valores culturais", aponta Mariana Napolitano, coordenadora do programa de ciência da WWF.

Para os especialistas, a descrição de novas espécies e a divulgação dos resultados científicos podem contribuir para atrair a atenção do poder público para a importância da Amazônia e a necessidade de um conhecimento mais abrangente da sua biodiversidade.

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