Vacina da gripe: técnico monitora biorreator no laboratório da Sanofi (Bloomberg/BLOOMBERG BUSINESSWEEK)
Bloomberg
Publicado em 5 de dezembro de 2020 às 08h00.
Os bilhões de dólares investidos em vacinas contra o novo coronavírus têm gerado resultados promissores nos testes da Pfizer, BioNTech e Moderna – ótimas notícias na luta contra o surto global. Mas para cientistas que estudam outra complicação respiratória conhecida por desencadear doenças – a influenza –, a notícia é igualmente importante, porque é o presságio de uma aceleração nas pesquisas.
“O que vocês estão vendo agora são diversas tecnologias que serão testadas de uma vez só”, diz Gregory Glenn, pesquisador-chefe do laboratório Novavax, que está trabalhando em vacinas da covid-19 e da gripe. “É como se fosse a maior prova do líder da tecnologia: todo mundo vai ver como as vacinas se saem.”
Como os vírus da influenza que contaminam as pessoas mudam o tempo todo, duas vezes por ano – aproximadamente no pico das temporadas de gripe nos invernos dos hemisférios Norte e Sul –, a Organização Mundial de Saúde (OMS) dá seu melhor palpite sobre as variações que provavelmente vão surgir no ano seguinte.
Depois, empresas farmacêuticas usam a informação para desenvolver vacinas e dão início à produção, tipicamente injetando o vírus em centenas de milhões de ovos de galinha incubados por alguns dias, antes de extrair. Após várias semanas de novos processamentos, fabricantes enviam as vacinas da gripe às clínicas e farmácias no fim do verão para distribuição aos pacientes ao longo do outono (ambos no hemisfério Norte).
Em alguns anos, o procedimento funciona razoavelmente bem; em outros, a performance é abissal. Vacinas da gripe têm registrado eficácia de 10% a 60% ao longo dos últimos 15 anos, segundo o especialista americano em doenças infecciosas, Anthony Fauci. “Uma vez que o processo de produção da vacina tem início, é praticamente impossível recomeçar se aparece uma nova variação”, disse Fauci ao Congresso americano no ano passado.
A tecnologia para incubar vírus em ovos foi desenvolvida na década de 1940 por uma equipe de pesquisa apoiada pelo Exército americano e coliderada por Jonas Salk, posteriormente conhecido por sua vacina da pólio. Uma desvantagem do processo é que os vírus podem sofrer mutações enquanto ainda estão crescendo em ovos, de modo que nem sempre oferecem proteção às doenças que circulam entre humanos.
"A tecnologia (baseada em ovos) ficou um pouco presa no tempo, vítima do próprio sucesso”, diz John Shiver, diretor de desenvolvimento de vacinas na Sanofi Pasteur, o fabricante número 1 de vacinas da gripe.
Algumas técnicas exploradas por pesquisadores da covid-19 são fundamentalmente diferentes. Em vez de proteínas dos vírus, as vacinas das farmacêuticas Pfizer-BioNTech e do laboratório Moderna contêm o chamado RNA mensageiro ou mRNA – instruções genéticas que estimulam o corpo a produzir antígenos específicos da doença, efetivamente transformando-o na própria fábrica de vacinas.
De acordo com Meagan Fitzpatrick, professora-assistente na escola médica da Universidade de Maryland, a tecnologia ainda é nova, e uma estreia bem-sucedida contra o novo coronavírus reforçaria a confiança pública em vacinas mRNA para gripe e outras doenças. “Este vai ser um enorme incentivo”, diz ela. “As maiores barreiras já terão sido superadas.”
Uma segunda tecnologia antigripal pronta para receber um impulso das pesquisas sobre a covid-19 é a chamada vacina recombinante, uma ideia cogitada pela Novavax e a Sanofi. Neste processo, cientistas removem DNA do vírus que desencadeia uma reação do sistema imunológico.
Depois, técnicos combinam o DNA com material genético capaz de penetrar células de insetos como mariposas, que proporcionam um bom crescimento de proteínas e são fáceis de cultivar. Estas, por sua vez, produzem antígenos que podem ser coletados para uso em vacinas.
Uma subsidiária da Sanofi assinou um acordo de 226 milhões de dólares em dezembro do ano passado com o Departamento Americano de Saúde e Serviços Humanos, para ampliar a capacidade de produção de vacinas da gripe recombinantes em uma unidade na Pennsylvania.
Preocupações crescentes com o que alguns especialistas vêm chamando de “pandemia dupla” estão provocando um interesse inédito por vacinas da gripe neste ano, com quase 200 milhões de doses disponíveis nos Estados Unidos, alta de até 13% em comparação com 2019.
Embora não sejam usadas para pesquisas relacionadas à covid-19, as chamadas vacinas de cultura de células – que também evitam usar ovos – têm se beneficiado deste interesse. Nesta abordagem, o vírus é cultivado em células originalmente de mamíferos, preferíveis já que o vírus não procura adaptar-se ao hospedeiro aviário.
A australiana CSL, fabricante número 2 de vacinas da gripe, vem ampliando sua produção anual de vacinas baseadas em células: 2 milhões se transformaram em 30 milhões de doses em sua unidade na Carolina do Norte.
A empresa diz ainda que distribuirá vacinas da gripe incubadas em ovos nos Estados Unidos até 2026. Em 16 de novembro, a CSL afirmou que gastará 585 milhões de dólares em uma nova unidade na Austrália focada em células, para produzir vacinas da gripe e soros antiofídicos.
Apenas algumas empresas adotaram a tecnologia celular, que exige grandes volumes de conhecimento e investimento inicial. No setor, há quem diga que há poucas razões para abandonar os métodos de prevenção à gripe tradicionais.
Embora os planos da Sanofi envolvam ampliar a produção de vacinas recombinantes de gripe, a empresa continuará a usar ovos. Além disso, a GlaxoSmithKline diz que ovos possibilitam fabricação rápida e barata das milhões de doses necessárias para se obter quantidades suficientes a cada ano.
Ainda assim, o foco renovado na influenza e o dinheiro gasto na prevenção da covid-19 vão acelerar o distanciamento do método dos ovos à medida que novas tecnologias se tornarem mais aceitas, diz Leo Poon, diretor de ciências laboratoriais públicas na Universidade de Hong Kong. “Isso definitivamente ajudará a desenvolver vacinas melhores e mais eficientes para outras doenças”, afirma ele.
Pfizer, BioNTech e Moderna, que não oferecem vacinas da gripe atualmente, já estão aplicando vacinas mRNA para outras doenças além do coronavírus. A tecnologia “também irá abalar o mercado da gripe”, disse Mikael Dolsten, executivo-científico chefe da Pfizer, em uma ligação com analistas em julho. “Notamos uma oportunidade muito grande."