Ciência

São Paulo terá maior incidência de raios nos próximos 30 anos

Nos próximos anos, o Estado de São Paulo enfrentará maior incidência de relâmpagos e trovoadas, diz o Inpe

Raios: incidência deve aumentar nas próximas décadas em São Paulo (jerbarber/Thinkstock)

Raios: incidência deve aumentar nas próximas décadas em São Paulo (jerbarber/Thinkstock)

Victor Caputo

Victor Caputo

Publicado em 25 de outubro de 2017 às 09h56.

Última atualização em 25 de outubro de 2017 às 11h34.

É bom se preparar, pois a tendência é que, nos próximos anos, o Estado de São Paulo enfrente maior incidência de relâmpagos e trovoadas. Foi o que constataram pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) em projeção que identificou uma mudança no padrão climático que influencia a incidência de raios no estado mais populoso do país.

O artigo, publicado na revista American Journal of Climate Change, apresenta uma metodologia para a projeção de raios no Estado de São Paulo até 2048, com base em dois cenários de mudança climática – um mais otimista e outro mais pessimista – estipulados pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, da Organização das Nações Unidas (ONU), o IPCC.

De acordo com o estudo, apoiado pela FAPESP, independentemente de o cenário ser mais otimista ou pessimista, espera-se um aumento considerável, de pelo menos 80%, na ocorrência acima da média de relâmpagos

“Dá para notar uma mudança de padrão, ocasionando uma maior incidência de descargas. Essa alteração é atribuída principalmente às mudanças climáticas que vêm influenciando de diversas formas a maior incidência de raios”, disse Ana Paula Santos, autora principal do estudo.

Santos explica que existe uma forte relação de causa e consequência para a maior formação de raios sobre o estado. Geralmente, o fenômeno acontece quando há a formação de nuvens de grande desenvolvimento vertical, as do tipo cumulonimbus. “Durante os movimentos ascendentes e descendentes do ar, o granizo e os cristais de gelo que estão dentro da nuvem começam a se chocar e é isso que, dentre outros fatores, gera a descarga”, disse.

Dessa forma, o aumento da emissão de gases poluentes na atmosfera, por exemplo, influencia o maior desenvolvimento de nuvens verticais. “Tendo mais nuvens do tipo cumulonimbus, aumenta a chance de raios se formarem”, disse Santos.

Para projetar a incidência de raios no Estado de São Paulo até quase a metade do século, os pesquisadores do Inpe se basearam nas projeções climáticas do IPCC que levam em conta vários fatores, dentre os quais a temperatura de superfície do mar (TSM) e variação ômega, referente à formação de nuvens, são os com maior peso para a análise de tendências de raios.

O estudo mostrou que a tendência para os anos de 2017 a 2032, em um cenário com níveis de emissão intermediários-baixos, é de uma preponderância de 100% de desvios acima da média. O cenário de altas emissões também mostra uma maior porcentagem de eventos acima da média, com um valor de 81,3%.

Já no período que abrange os anos de 2033 a 2048, o cenário otimista apresenta 93,7% de tendência de desvios acima da média. Da mesma forma, no cenário pessimista para o período há uma maior porcentagem de desvios acima da média, com um valor de 93,3%. Para se ter uma ideia, a média de raios no estado atualmente é de cerca de 700 mil por ano.

Santos explica que o resultado contraintuitivo – em que o cenário pessimista apresentou menor tendência de raios – provavelmente esteja relacionado a variações na TSM e no ômega, simuladas pelos modelos. “De qualquer forma, em ambos os cenários há a tendência de aumento na incidência de raios”, disse Santos.

Geralmente, os modelos climáticos e de previsão de tempo não incluem tendências de descargas elétricas, dada a complexidade de descrevê-las. “O estudo é o primeiro a identificar de forma quantitativa um aumento na incidência de raios no Estado de São Paulo em função das mudanças climáticas, um aspecto já sugerido de forma qualitativa anteriormente”, disse Osmar Pinto Junior, coordenador do Grupo de Eletricidade Atmosférica (Elat) do Inpe e coautor do estudo.

O próximo passo é aplicar a metodologia desenvolvida no estudo para fazer previsões no curto prazo. “Um diferencial desse trabalho é que desenvolvemos uma metodologia para obter projeções futuras sobre incidência de raio. Estamos desenvolvendo estudos para fazer a previsão de descargas tanto na escala climática, que é sazonal, como também a curto prazo, que é fazer uma previsão para o dia seguinte, ou para a próxima semana. Esses estudos devem estar concluídos no próximo ano”, disse Santos.

O verão dos raios

A projeção do Inpe teve como base outro estudo histórico que identificou uma anomalia no padrão climático que incide sobre a formação de raios no Estado de São Paulo. Isto porque a região viveu durante o verão, entre os anos de 2012 e 2013, um dos eventos de tempestade elétrica mais severos de tempos recentes, quando a incidência de raios foi da ordem de até 200% acima do normal, principalmente no mês de dezembro de 2012.

Em artigo publicado no International Journal of Climatology, o mesmo grupo de pesquisadores contou com a colaboração de Caio Coelho, coordenador do grupo de previsão climática do Inpe, para analisar os mecanismos e modos de variação climática associados à incidência de raios durante esse verão. O estudo inclui uma avaliação estatístico-temporal da ocorrência de relâmpagos do tipo nuvem-solo, compreendendo o período entre 1999 e 2014.

“Os resultados mostraram a existência de um padrão climático que influencia a incidência de descargas no Estado de São Paulo, conhecido como padrão de trem de onda, e que conecta as regiões tropical e extratropical”, disse Santos.

Para chegar a essa conclusão, a equipe observou a ocorrência de um aquecimento na temperatura da superfície do mar sobre o Oceano Índico, gerando uma transferência de calor profunda (convecção) sobre o Oeste da Austrália.

“Isso provoca alterações na circulação atmosférica, induzindo a formação de um padrão de trem de onda que se propaga ao longo de latitudes tropicais e extratropicais até chegar à América do Sul”, disse.

Como consequência, nuvens de grande desenvolvimento vertical foram formadas com maior frequência. “A alteração veio sendo propagada desde a Austrália até a América do Sul. Simultaneamente a esse evento, foi observada também a presença de temperatura da superfície do mar anômala sobre o Oceano Atlântico Tropical e adjacente à costa Sul e Sudeste do Brasil, o que auxiliou na maior evaporação e, consequentemente, na formação e no desenvolvimento de nuvens”, disse.

Santos e a equipe do Inpe não descartam a possibilidade de que o ocorrido no verão de 2012/2013 se repita nos próximos anos. “Isso quer dizer que observamos uma mudança no padrão e que mais eventos acima da média devem voltar a ocorrer”, disse.

O artigo Climatic Projections of Lightning in Southeastern Brazil Using CMIP5 Models in RCP’s Scenarios 4.5 and 8.5 (doi: http://dx.doi.org/ 10.4236/ajcc.2017.63027), de Ana Paula Paes dos Santos, Osmar Pinto Júnior, Sérgio Rodrigo Quadros dos Santos, Francisco José Lopes de Lima, Everaldo Barreiros de Souza, André Arruda Rodrigues de Morais, Eldo E. Ávila, Analía Pedernera, pode ser lido em American Journal of Climate Change.

O artigo Climatic diagnostics associated with anomalous lightning incidence during the summer 2012/2013 in Southeast Brazil (doi: http://dx.doi.org/ 10.1002/joc.5227), de Ana Paula Paes dos Santos, Caio A. S. Coelho, Osmar Pinto Júnior, Sérgio Rodrigo Quadros dos Santos, Francisco José Lopes de Lima, Everaldo Barreiros de Souza, pode ser lido aqui.

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