Análise de São Paulo aponta que os níveis de partículas finas inaláveis está 90% acima dos níveis seguros (filipefrazao/Thinkstock)
Estadão Conteúdo
Publicado em 5 de dezembro de 2017 às 08h11.
Última atualização em 5 de dezembro de 2017 às 11h53.
São Paulo - Respirar o ar de São Paulo por duas horas no trânsito é o mesmo que fumar um cigarro. Ao longo de 30 anos na capital, o pulmão dessa pessoa pode ficar igual ao de um fumante leve (que consome menos de dez cigarros por dia).
É o que revelam dados preliminares, obtidos pelo jornal O Estado de S. Paulo, de uma pesquisa inédita que busca comparar a exposição do paulistano durante sua vida à poluição do ar com os impactos do cigarro.
O trabalho, liderado pelo médico patologista Paulo Saldiva, analisa corpos que foram levados ao Serviço de Verificação de Óbitos (SVO) e mede a quantidade de carbono no pulmão, ao mesmo tempo em que investiga a vida do paciente.
"Antigamente, quando em uma necropsia a gente via um pulmão cheio de carbono, preto, o mais provável é que se trataria de um fumante. Hoje não dá para dizer isso. E o que esse estudo está mostrando é o quanto respirar o ar de São Paulo é equivalente a fumar e tem impacto cumulativo", explica a bióloga Mariana Veras, do Laboratório de Poluição do Ar da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).
Entrevistas feitas com parentes estão ajudando a compor esse quadro de como se dá a exposição dos paulistanos. São questões como: onde vivia, onde passou a maior parte da vida, qual era a atividade profissional, quanto tempo levava em deslocamentos no trânsito, se fumava ou era fumante passivo.
"Um motorista de caminhão ou um guarda de trânsito vai ter um quadro diferente de quem só se expõe de casa ao trabalho e passa o dia inteiro no ar condicionado com janela fechada. Estamos buscando a correlação entre a quantidade de preto no pulmão, o padrão de vida e o tempo em transporte", diz Mariana.
Pelo menos 2 mil pulmões já foram avaliados e cerca de 350 selecionados para compor o estudo - são os que contam com entrevistas mais detalhadas.
Os dados ainda estão sendo tabulados e devem ser concluídos nas próximas semanas, mas foram antecipados em razão da Assembleia das Nações Unidas para o Meio Ambiente, que começou ontem e vai até amanhã, e tem como tema a luta antipoluição.
Segundo a ONU Meio Ambiente e a Organização Mundial de Saúde, cerca de 7 milhões de pessoas morrem por ano em decorrência de poluição do ar (e metade é interna, como a de fogões a lenha e aquecimentos caseiros a carvão). Segundo as entidades, mais de 80% das cidades têm níveis de poluição acima dos recomendáveis.
A análise de São Paulo aponta que os níveis de partículas finas inaláveis (material particulado ou MP 2,5) está 90% acima dos níveis seguros, de 10 microgramas/m³.
A concentração média anual da cidade é de 19 microgramas/m³. A ONU Meio Ambiente elegeu o combate à poluição como principal ação para se atingir os objetivos do desenvolvimento sustentável e no combate às mudanças climáticas.
"A poluição é o problema que está mais perto das pessoas. Elas sentem, respiram, é imediato. É mais provável ter impacto sobre a vida das pessoas enquanto andam ou fazem compras do que as mudanças climáticas. É uma das coisas que mais matam hoje no mundo", disse ao Erik Solheim, diretor executivo da ONU Meio Ambiente, durante a Conferência do Clima das Nações Unidas, na Alemanha, em novembro. "Por outro lado, tudo o que se faz para reduzir a poluição também é benéfico no combate às mudanças climáticas."
Não é de hoje que poluição afeta a rotina dos paulistanos. A gestora ambiental Annabella Andrade, de 50 anos, pedala todos os dias até o trabalho, mas, quando o tempo está seco, usa máscara como as de hospitais para se proteger da fuligem.
"Dependendo do lugar, ainda coloco lenço por cima", diz ela, que mora perto do Elevado Presidente João Goulart, o Minhocão, e trabalha na Avenida Paulista, ambos na região central.
Para reduzir o impacto da poluição, Annabella trabalha como voluntária de uma associação que quer transformar o Minhocão em um parque. "Quando o elevado está fechado, podemos abrir as janelas."
Dona de uma banca próxima da Estação Marechal Deodoro do Metrô, Mainara Bortolozzo, de 25 anos, também sente o impacto. "Saio imunda daqui - no rosto, nas mãos", conta.
Pouco relacionada com a poluição, a obesidade, também está sendo observada pelo grupo de pesquisa do laboratório da USP. Já havia a suspeita de que a poluição provoca desarranjo hormonal e estudos epidemiológicos relacionam os poluentes a uma redução do metabolismo.
Como isso é muito difícil de isolar e medir no nível individual, os pesquisadores trabalharam com camundongos expostos a uma concentração de MP 2,5 - semelhante à medida em média por dia em São Paulo.
Descobriram que afeta a saciedade. "Os animais, e sugerimos que o mesmo deve ocorrer com humanos, não ficavam saciados mesmo com a quantidade habitual. A poluição diminui a sensibilidade ao hormônio leptina, que regula a saciedade", diz Mariana. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.