Ciência

Quem é o gênio que reinventou a matemática — e depois desapareceu

Matemático mais influente do século 20, Alexander Grothendieck criou novas fundações para a geometria e abandonou tudo no auge

Grothendieck: matemático se isolou até o final de sua vida (NHAC NGUYEN / Colaborador/Getty Images)

Grothendieck: matemático se isolou até o final de sua vida (NHAC NGUYEN / Colaborador/Getty Images)

Da Redação
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Redação Exame

Publicado em 30 de setembro de 2025 às 08h52.

Imagine um gênio que foi capaz de construir um novo alicerce para toda a matemática moderna — e, no auge de sua genialidade, simplesmente desapareceu.

É essa a história de foi Alexander Grothendieck, um dos pensadores mais radicais e criativos da ciência no século 20.

Grothendieck não apenas mudou as regras do jogo: ele criou um novo jogo. Ao mesmo tempo, recusou prêmios, rompeu com colegas, tornou-se ativista ecológico e, por fim, um recluso que rejeitava até seus próprios livros.

Infância em meio à guerra e ao exílio

Nascido em Berlim, em 1928, Grothendieck teve uma infância marcada por turbulência política e tragédias familiares. Filho de um anarquista russo e de uma escritora antifascista alemã, foi separado dos pais aos 5 anos após a ascensão do nazismo. Reencontrou a mãe na França em 1939, mas perdeu o pai em Auschwitz em 1942.

Durante a guerra, viveu em campos de internamento e experimentou privações extremas. Essa origem moldaria tanto sua ética quanto sua profunda rejeição a instituições autoritárias — traço que o acompanharia por toda a vida.

A matemática como busca existencial

Grothendieck começou sua formação universitária em Montpellier, onde já se destacava por sua inquietação com respostas rasas.

Ainda como estudante, reinventou sozinho conceitos avançados da análise matemática, como a integral de Lebesgue.

Com orientação de grandes nomes da matemática francesa, como Jean Dieudonné e Laurent Schwartz, ele se aprofundou em áreas como geometria algébrica e topologia.

Em 1953, conseguiu seu doutorado, e dali em diante sua produção explodiu em originalidade e volume.

O arquiteto de um novo edifício matemático

Entre 1959 e 1970, no Institut des Hautes Études Scientifiques (IHÉS), Grothendieck liderou uma revolução intelectual. Seu principal feito foi a criação da teoria dos esquemas, uma generalização da geometria que permitiu aplicar ferramentas geométricas a problemas da aritmética.

Com os esquemas, Grothendieck deu aos matemáticos uma nova maneira de conectar equações, formas e estruturas numéricas — e com isso, problemas seculares começaram a ceder.

Um exemplo marcante foi a solução das conjecturas de Weil, resolvidas por ele e seus alunos entre 1965 e 1974, e a preparação conceitual para a resolução do lendário Último Teorema de Fermat, solucionado em 1995 por Andrew Wiles usando ferramentas baseadas nas ideias de Grothendieck.

Entre a geometria e o absoluto

Grothendieck não se contentou em reformular apenas a geometria.

Criou a teoria dos topoi, uma estrutura abstrata que unifica matemática, lógica e espaço. Em suas palavras, os topoi eram como "universos paralelos" com suas próprias regras, úteis para entender desde conjuntos até linguagens formais.

Seu estilo era guiado por uma busca incansável por abstração máxima e elegância estrutural — uma verdadeira filosofia da matemática como forma de revelar a essência invisível das coisas.

Prêmios recusados e protestos no Vietnã

Reconhecido mundialmente, Grothendieck recebeu a medalha Fields em 1966, mas se recusou a comparecer à cerimônia em Moscou, em protesto contra a repressão soviética.

Anos depois, visitaria o Vietnã em plena guerra, onde deu aulas para estudantes escondidos em florestas bombardeadas pelos EUA.

O abandono de tudo

Em 1970, chocou o mundo acadêmico ao abandonar o IHÉS, alegando que parte do financiamento do instituto vinha de fontes militares.

Mais que isso: deixou de fazer matemática institucional. Fundou um grupo ambientalista chamado Survivre et Vivre e passou a escrever manifestos contra o que chamava de "ciência destrutiva".

Os anos de reclusão e os escritos secretos

A partir dos anos 1980, Grothendieck se afastou cada vez mais da vida pública.

Passou a escrever obras filosóficas e autobiográficas, como Récoltes et Semailles (Colheitas e Semeaduras), um mergulho de quase mil páginas em suas memórias, ideias e ressentimentos com a comunidade científica.

Nos anos 1990, isolou-se completamente em uma casa remota nos Pireneus franceses.

Tentou viver de sopa de dente-de-leão e rejeitou qualquer contato com a matemática. Em 2010, chegou a pedir que todas as suas obras fossem retiradas de circulação.

Legado eterno, apesar do silêncio

Grothendieck morreu em 2014, aos 86 anos, cego, surdo e afastado de tudo o que construiu.

Mas seus conceitos — esquemas, topoi, co-homologias, motivos — continuam a sustentar o edifício da matemática moderna. Seu nome hoje aparece em homenagens como o Grothendieck Circle, mantido por matemáticos que preservam seus manuscritos e ideias.

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