John Hollis (Facebook/Reprodução)
Estadão Conteúdo
Publicado em 18 de março de 2021 às 08h00.
Última atualização em 18 de março de 2021 às 08h42.
Quando, em abril do ano passado, um amigo com quem divide apartamento foi diagnosticado com covid-19, o escritor americano John Hollis, de 54 anos, achou que ficaria doente. No entanto, Hollis não apenas não desenvolveu a doença, como descobriu possuir um superanticorpo que o impede de ser infectado, inclusive pelas mutações do novo coronavírus.
A descoberta não veio sem sustos. Segundo relatou à TV americana NBC, o escritor chegou a deixar uma carta para o filho adolescente "caso as coisas desmoronassem muito rápido". Com exceção de alguns problemas de sinusite - que, segundo declarou ao jornal da Universidade de Virgínia, atribuiu a alergias - ele nunca ficou doente.
Em julho, Hollis estava na Universidade George Mason, onde trabalha no setor de comunicação, quando comentou com o professor Lance Liotta, um médico e bioengenheiro da instituição sobre o que tinha vivido meses antes. Liotta então o convidou para participar de um estudo sobre a doença, e o resultado foi impressionante. O resultado do teste mostrou que Hollis não só havia sido infectado pelo vírus, como havia desenvolvido superanticorpos contra a doença. "Meu queixo bateu no chão", disse Hollis. "Tive que fazer (Liotta) repetir o que ele me disse pelo menos cinco vezes", contou à NBC.
Em entrevista à BBC, o médico responsável pelo estudo explicou os anticorpos desenvolvidos por Hollis atacam diversas partes do vírus ao mesmo tempo e o eliminam rapidamente. Na maioria das pessoas, porém, os anticorpos que se desenvolvem para combater o vírus atacam as proteínas das espículas do coronavírus para que ele não infecte as células. O problema é que, em uma pessoa que entra em contato com o vírus pela primeira vez, demora certo tempo até que o corpo consiga produzir esses anticorpos específicos, o que permite que o vírus se espalhe.
Ainda de acordo com Liotta, mesmo se diluídos em 1 para mil, seriam capazes de matar 99% dos vírus ativos. "Nós coletamos o sangue de Hollis em diferentes momentos e agora é uma mina de ouro para estudarmos diferentes formas de atacar o vírus", afirmou.
"A coisa toda foi surreal", disse Hollis ao jornal da Universidade de Virgínia - onde frequentou a faculdade. "Fui escritor durante toda a minha vida e não poderia inventar essas coisas se quisesse", finalizou.
Desde o meio do ano passado, pesquisadores se dedicam a estudar como anticorpos podem contribuir para minimizar os efeitos da covid-19 no corpo humano. Alguns esforços notáveis nesse sentido foram o da farmacêutica Eli Lilly. Um estudo de estágio intermediário da farmacêutica testou três doses diferentes do LY-CoV555, um tratamento de anticorpos concebido para reconhecer e se atrelar ao novo coronavírus, com isso impedindo que a infecção se espalhasse.
O teste apresentou resultados satisfatórios: do total de 302 pacientes tratados com três doses diferentes do LY-CoV555, cinco deles, ou 1,7%, tiveram de ser internados ou visitar um pronto-socorro — com o placebo, foram nove de 150, ou 6%, segundo a farmacêutica.
Outra companhia envolvida com o teste de anticorpos é a Regeneron. No início deste ano, a empresa anunciou um coquetel de anticorpos que, em testes, conseguiu reduzir em 100% as infecções sintomáticas causadas pelo vírus.
"Esses dados usando a REGEN-COV como uma vacina passiva sugerem que ele pode reduzir a transmissão do vírus, bem como diminuir o fardo viral naqueles que forem infectados", afirmou o presidente da companhia, George Yancopoulos, em um comunicado publicado no site oficial da empresa.
Todas essas pesquisas utilizam como base o conceito de anticorpos monoclonais. Eles são vistos como uma "arma" capaz de neutralizar o coronavírus, a exemplo do papel que desempenham em tratamentos com câncer e outras doenças inflamatórias.
Os anticorpos monoclonais são selecionados no sangue de pacientes curados ou produzidos em laboratório a partir de grupos de células preparadas para esse fim. Recentemente, estudos feitos até mesmo com lhamas buscam uma opção para criar e reproduzir o efeito desses anticorpos.
Todos têm em comum o ataque à proteína S com a qual o vírus SARS-CoV-2 se liga à superfície das células humanas, uma proteína que tem um papel fundamental no processo infeccioso, como afirmou à AFP o pesquisador Hugo Mouquet. De qualquer forma, os anticorpos monoclonais não competirão com as vacinas, mas serão complementares, de acordo com o francês.
Uma das principais razões para isso é econômica. Por exemplo: o infliximab, um dos anticorpos monoclonais mais antigos e mais vendidos no mundo contra a doença de Crohn e a artrite reumatóide, custa, por exemplo, na França, cerca de 500 euros por dose.