Ciência

Quanto mais você mente, mais fácil fica, mostra estudo

Os cientistas poderiam prever o quão grande é a mentira que alguém vai a contar só de olhar para os exames cerebrais das suas mentiras anteriores

Mentira: "Este estudo é a 1ª evidência empírica de que o comportamento desonesto aumenta quando é repetido" (Thinkstock/nito100)

Mentira: "Este estudo é a 1ª evidência empírica de que o comportamento desonesto aumenta quando é repetido" (Thinkstock/nito100)

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AFP

Publicado em 24 de outubro de 2016 às 21h28.

Seja para sonegar impostos ou trair o companheiro, as pequenas mentiras que contamos podem rapidamente se transformar em grandes, assegura um estudo divulgado na segunda-feira que descreve a desonestidade como uma "ladeira escorregadia".

Mentiras em série, além disso, provocam uma redução da resposta emocional no cérebro, relataram pesquisadores na revista científica Nature Neuroscience.

Na verdade, a ligação bioquímica é tão forte que os cientistas poderiam prever com precisão em experimentos o quão grande é uma mentira que alguém está prestes a contar só de olhar para os exames cerebrais das suas mentiras anteriores.

"Este estudo é a primeira evidência empírica de que o comportamento desonesto aumenta quando é repetido", disse o autor principal do estudo, Neil Garret, pesquisador do Departamento de Psicologia Experimental da Universidade College de Londres.

Compreender como as pessoas passam de contar pequenas mentiras para contar mentiras deslavadas, apesar das normas sociais ou morais que desencorajam a desonestidade, é de grande interesse acadêmico, argumentam os autores.

Quer se trate de "infidelidade, doping em esportes, inventar dados científicos ou fraude financeira, os enganadores com frequência recordam que pequenos atos de desonestidade cresceram como uma bola de neve ao longo do tempo", observou o coautor Tali Sharot, também da Universidade College London.

"De repente eles se viram cometendo crimes bastante grandes", acrescentou.

Nos experimentos, cerca de 80 voluntários foram convidados a avaliar individualmente fotos de alta resolução de frascos de vidro cheios com diferentes quantidades de moedas de um centavo.

Em seguida, através de um computador, eles foram instruídos a aconselhar um parceiro à distância olhando para uma imagem de baixa resolução do mesmo frasco sobre quanto dinheiro continha.

Esses parceiros eram, na verdade, atores trabalhando para os cientistas, mas os voluntários não sabiam disso.

No primeiro teste, os voluntários receberam um incentivo para serem honestos.

"Eles foram informados de que quanto mais precisa fosse a estimativa do seu parceiro, mais dinheiro ambos receberiam", explicou Garrett em uma coletiva de imprensa.

Isto definiu um ponto de referência para outros cenários em que os voluntários receberam um incentivo para mentir.

Em um experimento, uma mentira deliberada resultou em ganhos tanto para o conselheiro quanto para o aconselhado. Em outro, o voluntário sabia que uma mentira teria bons resultados para ele às custas do parceiro.

A prática leva à perfeição

"As pessoas mentem mais quando isso é bom para elas e para a outra pessoa", disse Sharot.

"Quando é bom só para elas, mas fere outra pessoa, elas mentem menos", acrescentou.

Os participantes diferiram extremamente em relação a quanto eles se desviaram da verdade e à taxa em que sua desonestidade aumentou.

E aqueles previamente identificados nos questionários como menos francos também eram mais propensos a mentir durante o experimento.

Mas a maioria dos voluntários não apenas caiu facilmente em um padrão de dissimulação - eles também incrementaram a intensidade das suas mentiras ao longo do tempo.

Vinte e cinco dos participantes foram submetidos a exames de ressonância magnética - varreduras do cérebro - durante os experimentos.

A parte do cérebro que processa as emoções, a amígdala, respondeu fortemente quando as mentiras ocorreram.

Pelo menos foi isso o que aconteceu inicialmente.

Conforme as mentiras ficavam mais ousadas, a amígdala iluminava cada vez menos, um processo que os pesquisadores chamaram de "adaptação emocional".

"A primeira vez que você trapaceia nos seus impostos, por exemplo, você pode se sentir muito mal com isso", disse Sharot. "Esse sentimento ruim inibe a sua desonestidade".

"Mas da próxima vez que você enganar, você já terá se adaptado, e haverá menos reações negativas para te deter", acrescentou.

Ainda não está claro se a atividade reduzida no centro de comando emocional do cérebro ajudou a impulsionar o deslize em direção à desonestidade, ou se era simplesmente um reflexo dela.

Mas uma conclusão do estudo parece inevitável: quanto mais você mente, melhor você fica nisso.

"Se a excitação emocional diminui, é possível que as pessoas sejam menos propensas a serem pegas em uma mentira", disse Sharot.

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