Ciência

Quando Einstein pediu ajuda a Freud para entender a guerra

Em uma troca de cartas de 1932, os cientistas discutem soberania, instinto de morte e por que a Liga das Nações falhou em impedir uma nova guerra mundial

Albert Einstein: conheça as cartas trocadas com Sigmund Freud  (Arguelles/Transcendental Graphics/Getty Images)

Albert Einstein: conheça as cartas trocadas com Sigmund Freud (Arguelles/Transcendental Graphics/Getty Images)

Maria Eduarda Lameza
Maria Eduarda Lameza

Estagiária de jornalismo

Publicado em 11 de novembro de 2025 às 15h09.

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Albert Einstein, o pai da física moderna, e Sigmund Freud, o pai da psicanálise, se encontraram só uma vez, em 1927, na casa do filho mais novo de Freud, em Berlim. “Ele entende tanto de psicologia quanto eu entendo de física, por isso tivemos uma conversa muito agradável", afirmou Freud. Eles não tinham nenhuma intimidade. Mesmo assim, alguns anos depois, os dois seriam convocados a protagonizar um dos diálogos mais curiosos da história da ciência. - FONTE DAS INFORMAÇÕES

No início dos anos 1930, o Instituto Internacional para a Cooperação Intelectual, organismo ligado à Liga das Nações (embrião da ONU), queria promover trocas de cartas entre grandes nomes da cultura e da ciência sobre temas decisivos para o futuro da civilização. Em 1931, Einstein foi um dos primeiros convidados e indicou Freud como interlocutor para falar de um único assunto: a guerra.

Em junho de 1932, o Instituto enviou o convite a Freud. A carta de Einstein chegou a Viena no início de agosto. A resposta de Freud ficou pronta cerca de um mês depois. Em março de 1933, o diálogo foi publicado em Paris e foi traduzido para o alemão, francês e inglês, mas teve a circulação proibida na Alemanha por causa da ascensão nazista.

Liga das nações

A troca de cartas nasceu de um impasse político real. Criada depois da Primeira Guerra e formalizada no Tratado de Versalhes, em 1919, a Liga das Nações se propunha a manter a paz mundial por meio de um sistema de segurança coletiva e de organismos internacionais sediados em Genebra.

Logo no início da carta, Einstein formula a pergunta que orienta todo o texto: “existe alguma forma de livrar a humanidade da ameaça de guerra?”

Para responder, ele propõe o desenho de um órgão internacional com poder legislativo e judiciário, capaz de arbitrar todos os conflitos entre países. Para o físico, a segurança internacional exige que os Estados renunciem, em certa medida, à própria soberania, exatamente o que a Liga das Nações não conseguia obter dos governos.

Freud concorda que a Liga é “destinada” a ser essa instância, mas não tem poder real. Sem que os Estados transfiram força à autoridade comum, a organização permanece fraca. O início da Segunda Guerra Mundial, em 1939, provou que os pensadores estavam certos, uma vez que a Liga não evitou outra guerra mundial.

Por que a guerra?

Na carta de Einstein, a guerra aparece como problema científico e político ao mesmo tempo. Para ele, com o avanço da tecnologia, o tema se tornou uma questão de “vida ou morte para a civilização”, e “todas as tentativas de solucioná-lo” tinham fracassado. Por isso, o físico pediu ajuda do psicanalista para entender a guerra. 

"O senhor apanhou-me de surpresa ao perguntar o que pode ser feito para proteger a humanidade da maldição da guerra. Quase escrevi ‘nossa’. Me assustei com a minha incapacidade de lidar com um problema prático", respondeu Freud.

Mesmo assim, ele prossegue em uma tentativa de desenvolver uma resposta. No plano psíquico, Freud traz sua hipótese de dois grandes grupos: os que preservam e unem, que ele chama de eróticos, e os que destroem e matam, chamados de instinto agressivo ou de morte. A guerra seria então uma das maneiras pelas quais esse componente destrutivo encontra saída.

A má notícia, segundo Freud, é que não existe uma "cura" para a guerra. "Não há maneira de eliminar totalmente os impulsos agressivos do homem, mas pode-se tentar desviá-los num grau tal que não necessitem encontrar expressão na guerra.”

A resposta sugere reforçar tudo o que estreita vínculos emocionais entre as pessoas e aposta no crescimento da civilização. Daí a frase final da carta de Freud:

“Tudo o que estimula o crescimento da civilização trabalha simultaneamente contra a guerra.”

Apesar do debate entre os pensadores, mais tarde, Freud caracterizou o trabalho como "enfadonha e estéril."

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