Vacinas: formulação que apresentar o melhor desempenho em termos de indução de resposta imunológica será injetada em camundongos transgênicos (Dado Ruvic/Reuters)
Victor Sena
Publicado em 10 de junho de 2020 às 18h03.
Última atualização em 10 de junho de 2020 às 18h19.
Pesquisadores do Instituto do Coração (InCor) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP) começaram a testar em camundongos formulações de uma potencial vacina contra a covid-19.
O objetivo dos ensaios pré-clínicos é identificar um imunizante, em uma determinada formulação e concentração, capaz de induzir uma resposta rápida e duradoura do sistema imunológico dos animais. Tal feito possibilitará avançar para as próximas etapas da pesquisa, que é apoiada pela Fapesp.
“Já conseguimos desenvolver três formulações de vacinas que estão sendo testadas em animais. Em paralelo, estamos formulando diversas outras para identificar a melhor candidata”, diz à agência Fapesp Gustavo Cabral, pesquisador responsável pelo projeto.
A estratégia utilizada para desenvolver a vacina é baseada no uso de partículas semelhantes a vírus (VLPs, na sigla em inglês de virus like particles).
Essas partículas possuem características semelhantes às de peptídeos e proteínas de vírus, como a de superfície do SARS-CoV-2 — chamada spike —, usada pelo novo coronavírus para se conectar a um receptor nas células humanas — a proteína ACE2 — e infectá-las. Por isso, são facilmente reconhecidas pelas células do sistema imune. Porém, não têm material genético do patógeno, o que as torna seguras para o desenvolvimento de vacinas.
A fim de permitir que sejam reconhecidas pelo sistema imunológico e gerem uma resposta contra o coronavírus, as VLPs são inoculadas juntamente com antígenos — substâncias que estimulam o sistema imune a produzir anticorpos. Dessa forma, é possível unir as características de adjuvante das VLPs com a especificidade do antígeno. Além disso, as VLPs, por serem componentes biológicos naturais e seguros, são facilmente degradadas, explica Cabral.
“Com essa estratégia é possível direcionar o sistema imunológico para reconhecer as VLPs conjugadas a antígenos como uma ameaça e desencadear a resposta imune de forma eficaz e segura”, afirma o pesquisador (leia mais em: agencia.fapesp.br/32743/).
As três primeiras formulações de vacinas testadas em camundongos são compostas de peptídeos semelhantes aos que compõem a proteína spike do SARS-CoV-2 e que induzem especificamente células B — linfócitos que estimulam a produção de anticorpos capazes de neutralizar a entrada do vírus nas células.
Além desses peptídeos, também estão sendo formuladas vacinas com peptídeos que induzem especificamente células de defesa do tipo T – linfócitos que induzem a autodestruição (apoptose) de células invadidas pelo vírus, com o objetivo de interromper a replicação do microrganismo.
Os pesquisadores também pretendem elaborar outras formulações com proteínas inteiras semelhantes à spike do novo coronavírus que, ao contrário dos peptídeos, que induzem especificamente células B ou T, estimulam vários tipos de células de defesa.
“Tivemos de importar essas proteínas e nossa expectativa é que cheguem esta semana. Mas a ideia é sintetizá-las e produzi-las no nosso laboratório, assim como já fazemos com os peptídeos”, conta Cabral.
Nos ensaios iniciais, as vacinas são injetadas nos camundongos em diferentes concentrações. A cada semana serão colhidas amostras do plasma sanguíneo dos animais para avaliar a produção de anticorpos induzidos pela vacina.
Ao acompanhar a evolução da resposta imunológica ao longo de meses, será possível identificar qual formulação de vacina, e em que concentração, é capaz de induzir a imunidade do animal ao longo do tempo e neutralizar o vírus.
“Esse acompanhamento contínuo também permitirá sabermos quantas doses da vacina serão necessárias para conferir imunidade”, explica Cabral.
A formulação de vacina que apresentar o melhor desempenho em termos de indução de resposta imunológica será injetada em camundongos transgênicos, que carregam o receptor ACE2 das células humanas, com o qual a proteína spike do SARS-CoV-2 se liga. O objetivo é avaliar por quanto tempo a vacina confere imunidade e se é segura para a realização de testes em humanos.
A expectativa dos pesquisadores é que os testes pré-clínicos sejam concluídos no final deste ano.
“Estamos sendo muito cuidadosos com a realização dos testes e tentando responder ao máximo de questões possíveis para conseguirmos avançar com o rigor necessário no desenvolvimento de uma vacina realmente eficaz contra a covid-19”, afirma Cabral.
“Além da vacina, também estamos produzindo conhecimento e uma plataforma tecnológica que poderá ser útil para o desenvolvimento de vacinas para outras doenças, como a causada pelos vírus zika e chikungunya”, ressalta o pesquisador.