Sementes de jaca dura, que tem frutos maiores e polpa mais firme e crocante do que a jaca mole, apresentam aroma de chocolate mais intenso (Foto/Divulgação)
Da Redação
Publicado em 31 de maio de 2017 às 09h16.
As sementes da jaca dura (Artocarpus heterophilus Lam.) poderão substituir o cacau na formulação de produtos com aroma, mas sem o sabor de chocolate.
Um grupo de pesquisadores da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP), em colaboração com colegas da Faculdade de Tecnologia (Fatec) Deputado Roque Trevisan, da Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep) e da University of Reading, na Inglaterra, identificou que compostos voláteis encontrados em sementes da fruta produzem muitos dos aromas obtidos de amêndoas de cacau. Por isso, seriam substitutos potencialmente baratos e abundantes para a fabricação de produtos com aroma de chocolate, como cosméticos, alimentos e bebidas.
Resultado de projetos apoiados pela FAPESP, o estudo foi descrito em um artigo publicado no Journal of Agricultural and Food Chemistry, da American Chemical Society.
“Constatamos que as sementes de jaca possuem muitas pirazinas, que são os principais compostos que conferem o aroma de chocolate”, disse Solange Guidolin Canniatti Brazaca, professora da Esalq-USP e coordenadora do projeto, à Agência FAPESP.
De acordo com a pesquisadora, a descoberta foi acidental e ocorreu durante um projeto de iniciação científica de uma estudante de Nutrição da Unimep.
O projeto visava utilizar a farinha da semente de jaca para produção de bolos, biscoitos e pães, uma vez que a semente da fruta possui altos teores de amido e de proteínas. Ao tostar as sementes de jaca para obter a farinha, os pesquisadores notaram que o aroma exalado era muito semelhante ao de chocolate.
Com base nessa constatação, eles iniciaram em 2011 um projeto de pesquisa com o intuito de identificar os compostos voláteis da jaca.
Os resultados indicaram que, dentre as variedades de jaca avaliadas, as sementes de jaca dura, que tem frutos maiores e polpa mais firme e crocante do que a jaca mole, apresentam aroma de chocolate mais intenso.
A fim de avaliar quais os melhores métodos para obtenção da farinha de sementes torradas de jaca dura com aroma similar ao de chocolate, a cientista de alimentos Fernanda Papa Spada realizou um projeto de doutorado com Bolsa da FAPESP, sob orientação de Brazaca, e em colaboração com pesquisadores da University of Reading.
Durante o projeto, os pesquisadores produziram farinhas de semente de jaca tostadas, acidificadas ou fermentadas antes da secagem. As farinhas foram torradas em diferentes tempos e temperaturas e com base em processos de torrefação e fermentação semelhantes aos utilizados para obtenção de compostos com aroma de chocolate de amêndoas de cacau.
As análises apontaram que a fermentação é o melhor método para obter farinha de sementes de jaca com aroma similar ao do chocolate. As sementes só secas e tostadas – sem serem submetidas à fermentação ou acidificação –, contudo, também apresentam uma grande quantidade de compostos, uma vez que possuem altos teores de aminoácidos e açúcares que, durante o processo de torrefação, reagem e produzem odores característicos de chocolate, observaram os pesquisadores.
“Tentamos acidificar as sementes de jaca torradas com o intuito de liberarem mais pirazinas, mas os resultados indicaram que a acidificação resulta em alguns odores residuais indesejáveis. Por isso, abandonamos esse processo e optamos pela fermentação natural seguida pela secagem”, explicou Brazaca.
Por meio de técnicas de cromatografia gasosa acopladas à espectrometria de massa – em que são separadas e analisadas misturas de substâncias voláteis –, os pesquisadores também identificaram diversos compostos das farinhas de sementes de jacas que estão associados com aroma de chocolate. Entre eles, o 3-metil butanal, o 2,3-dietil-5-metilprazina e o 2-feniletil acetato.
Por intermédio de um processo chamado olfatometria, eles separaram cada um desses compostos voláteis e pediram para julgadores especialistas cheirá-los e apontar qual o aroma exalado por essas moléculas e sua intensidade.
Os participantes dos testes apontaram que as farinhas de jaca fermentadas possuem mais aromas de caramelo, avelã e frutados em comparação com as farinhas acidificadas.
“Observamos que a semente de cacau tem mais compostos pirazínicos do que o cacau e que as sementes fermentadas apresentaram aroma de chocolate mais intenso devido à formação de aldeídos e ésteres, que são característicos do cacau”, afirmou Spada.
Os pesquisadores adicionaram a farinha da semente de jaca em misturas para o preparo de cappuccino com o intuito de avaliar a possibilidade de substituição do aroma de chocolate extraído do cacau.
Os resultados dos testes indicaram que a farinha da semente de jaca foi capaz de substituir o aroma de chocolate proveniente do cacau, sem interferir no sabor de café da bebida.
“Os provadores não perceberam nenhuma diferença do aroma de chocolate obtido da semente de jaca em comparação com a produzida por amêndoas de cacau”, disse Brazaca.
Por meio de um projeto de mestrado também realizado com Bolsa da FAPESP, os pesquisadores pretendem avaliar, agora, o uso de dois microrganismos, usados hoje na fermentação de cacau – o Kluyveromyces marxianus e a Saccharomyces cerevisiae –, na fermentação de sementes de jaca dura e seus efeitos na produção de aroma de chocolate.
“Nossa ideia inicial foi de promover o aproveitamento integral da jaca que é uma fruta da qual se aproveita apenas 30% de seu peso, correspondente a sua polpa, e os 70% restantes, compostos pela casca, a parte central e as sementes, são descartados”, disse Brazaca.
Em alguns países, como os da Ásia, costuma-se consumir as sementes de jaca cozida. No Brasil – país que é o maior produtor da fruta nas Américas –, as sementes de jaca, entretanto, são consideradas resíduos, comparou a pesquisadora.
O artigo Optimization of postharvest conditions to produce chocolate aroma from jackfruit seeds (doi: 10.1021/acs.jafc.6b04836), de Spada e outros, pode ser lido por assinantes do Journal of Agricultural and Food Chemistry neste link.
Este conteúdo foi originalmente publicado no site da Agência Fapesp.