Sono: pouco ainda se sabe sobre como os sonhos podem desempenhar um papel nele (Jasmin Merdan/Getty Images)
Mariana Martucci
Publicado em 19 de fevereiro de 2021 às 17h02.
A ligação entre o mundo dos sonhos e a realidade pode ter uma linha mais tênue do que pensávamos. Em um novo estudo divulgado nesta semana, cientistas de quatro países mostraram que é possível se comunicar com as pessoas enquanto elas estão tendo sonhos lúcidos. Em alguns casos, os sonhadores foram capazes de responder a perguntas do tipo "sim ou não" e resolver problemas matemáticos simples por meio de movimentos dos olhos e do rosto. Outros se lembraram de ter ouvido perguntas durante o sonho.
O neurocientista cognitivo e autor do estudo Ken Paller e seus colegas da Northwestern University em Chicago já estudam a conexão entre o sono e a memória há anos. É comum pensar que o sono é crucial para o armazenamento de memórias criadas ao longo do dia. Mas pouco ainda se sabe sobre como os sonhos podem desempenhar um papel nele.
Uma das principais razões pela qual é difícil entender um sonho é o fato de que a maioria das pessoas tem problemas para lembrar completamente o que foi sonhado. Atualmente, Paller e sua equipe têm feito experiências tentando se comunicar com pessoas equanto dormem. As pesquisas anteriores já mostraram que as pessoas podem ser influenciadas por sons exteriores enquanto dormem. Outra pesquisa com sonhadores lúcidos — pessoas que afirmam ter consciência e às vezes controle de seus sonhos — sugeriu que eles podem se expressar para observadores externos por meio de movimentos oculares durante o sonho.
Muitas pessoas estão familiarizadas com a comunicação unilateral com uma pessoa que dorme, em situações como o sonambulismo e monólogos durante o sono. Mas a equipe de Paller mostrou que pode ser possível uma comunicação bidirecional entre os sonhadores e os observadores — e que os sonhadores deveriam ser capazes de se lembrar dessas conversas.
Ao todo, o estudo envolveu 36 voluntários. Alguns eram autoproclamados especialistas em sonhos lúcidos. Outros participantes não tinham experiência anterior com sonhos lúcidos, mas a equipe de Paller tentou treinar todos os participantes para dar início a um sonho lúcido quando ouvissem um certo som tocado durante o sono. Algumas equipes usaram palavras faladas ou tons para se comunicar; outros contavam com luzes piscando. Os voluntários também foram monitorados por meio de medições típicas do sono, como EEG, que registra a atividade cerebral.
Ao longo de 57 sessões de sono, os participantes foram capazes de sinalizar que entraram em um sonho lúcido por meio do movimento dos olhos (26% das vezes). Nessas sessões bem-sucedidas, os cientistas foram capazes de obter pelo menos uma resposta correta a uma pergunta por meio dos movimentos dos olhos de um sonhador ou movimentos faciais em quase metade das vezes. No geral, das 158 vezes que tentaram se comunicar com um sonhador lúcido durante as sessões, obtiveram uma taxa de resposta correta de 18%.
Quando os voluntários foram questionados sobre suas experiências, alguns relataram ser capazes de se lembrar das instruções pré-sonho que receberam e tentaram realizá-las. Alguns também relataram ter ouvido as perguntas que recebiam durante o sonho — embora nem sempre da mesma forma. Alguns relataram ter ouvido palavras que claramente pareciam vir de fora de sua realidade atual, enquanto outros disseram que parecia que estavam ouvindo através de um rádio ou outra forma de comunicação dentro do sonho. Mas ainda havia momentos em que as pessoas não conseguiam lembrar claramente o que tinha acontecido ou quando as perguntas que disseram ter recebido no sonho não correspondiam às perguntas que realmente haviam recebido.
Por mais tentadoras que sejam as descobertas do estudo, elas são baseadas em um pequeno tamanho de amostra, portanto, quaisquer conclusões devem ser vistas com algum cuidado adicional. Mas eles demonstram que é pelo menos possível ter uma comunicação bidirecional com os sonhadores, segundo Paller. A equipe deu o nome de "sonho interativo" ao fenômeno.
A esperança é que essa técnica permita que pesquisadores como Paller cheguem um pouco mais perto de desvendar os mistérios do "mundo do sono" e como eles podem afetar nossas horas de descanso. Com o tempo, essa pesquisa pode até ser aplicada de forma proativa para melhorar a vida das pessoas e seus hábitos de sono e sonho.