Ciência

Os segredos da alquimia: startup usa fusão nuclear para transformar mercúrio em ouro

A Marathon Fusion, com sede em San Francisco, promete transformar o setor energético, criando ouro a partir do mercúrio e otimizando a produção de energia limpa

Fusão nuclear: startup alquimista quer transformar mercúrio em ouro (koto_feja/Getty Images)

Fusão nuclear: startup alquimista quer transformar mercúrio em ouro (koto_feja/Getty Images)

Publicado em 22 de julho de 2025 às 06h50.

Última atualização em 22 de julho de 2025 às 07h22.

Em um marco revolucionário no setor de energia, a startup Marathon Fusion anunciou recentemente uma proposta que promete gerar energia limpa e criar ouro. Utilizando a fusão nuclear, a empresa propôs um método inovador para a transmutação nuclear de mercúrio no metal precioso.

Fundada em 2023 por Adam Rutkowski e Kyle Schiller, a Marathon Fusion já levantou US$ 5,9 milhões em investimentos, além de receber subsídios do governo dos EUA. Inicialmente focada em superar desafios técnicos no desenvolvimento de plantas de fusão nuclear, a empresa ampliou sua atuação para a produção de ouro a partir do mercúrio, uma proposta que vem gerando grande interesse no setor científico.

Os especialistas, como o Dr. Ahmed Diallo, físico especializado em plasma no Departamento de Energia dos EUA, consideram o conceito fascinante, embora ainda precise passar por uma revisão mais aprofundada. "Em termos teóricos, parece promissor e muitos cientistas que conversei estão empolgados com o potencial", afirmou Diallo ao Financial Times.

Em artigo publicado neste mês, os fundadores explicaram como a fusão de deuteríneo e trítio pode ser utilizada para bombear neutrons de alta energia em um ciclo de reatores, criando mercury-197, que posteriormente se transforma em ouro-197. De acordo com os cálculos, uma planta de fusão de 1 gigawatt conseguiria gerar 5.000 kg de ouro por ano. Essa quantidade de ouro tem um valor estimado de aproximadamente US$ 160 milhões por ano, o que poderia dobrar a receita gerada pela planta, tornando a fusão nuclear não apenas uma fonte de energia, mas também uma fonte de um recurso valioso.

A inovação não se limita à produção de ouro. A abordagem da Marathon também visa melhorar a eficiência do ciclo de combustível de fusão, especialmente em relação ao trítio, um isótopo de hidrogênio essencial para reações de fusão, que é extremamente raro. O processo de superpermeação, desenvolvido pela empresa, promete aumentar significativamente a capacidade de extração e reutilização do combustível crucial.

Tirando ouro do mercúrio

O processo para transformar mercúrio em ouro se baseia em uma reação nuclear chamada (n,2n), onde um nêutron de alta energia, gerado durante a fusão, atinge o núcleo do mercúrio-198. Ao fazer isso, ele transforma o mercúrio-198 em mercúrio-197, um isótopo instável. O mercúrio-197 então sofre uma decadência radioativa e se converte em ouro-197, o único isótopo estável do metal precioso.

O ciclo de transformação começa quando o nêutron gerado pela fusão de deuteríneo e trítio, que possui 14,1 MeV de energia, colide com o mercúrio-198. Essa colisão transforma o mercúrio-198 em mercúrio-197, liberando dois nêutrons adicionais no processo. O mercúrio-197 resultante é instável e, após aproximadamente 64 horas de decaimento, se transforma em ouro-197, completando assim a transmutação do mercúrio em ouro.

O aspecto inovador da proposta da Marathon está na integração do mercúrio-198 em uma camada multiplicadora de nêutrons na estrutura do reator de fusão, chamada de “blanket”. Essa camada tem várias funções essenciais: capturar a energia dos nêutrons gerados pela fusão, convertê-la em calor para a geração de eletricidade, e criar trítio, utilizado como combustível na reação de fusão. A Marathon Fusion acrescentou uma quarta função, que é a produção de ouro, sem comprometer as outras funções cruciais do reator.

Além disso, a proposta não interfere nos requisitos críticos de produção de trítio para o funcionamento do reator. A transmutação de mercúrio-198, ao gerar nêutrons adicionais, até ajuda a manter a multiplicação de nêutrons necessária para a produção de trítio, sem reduzir a eficiência do processo de geração de energia.

No entanto, como qualquer inovação científica, a transmutação de mercúrio em ouro apresenta desafios técnicos. Um dos principais obstáculos é a necessidade de mercúrio-198 enriquecido, já que esse isótopo representa apenas cerca de 10% do mercúrio natural. A empresa está estudando métodos de enriquecimento isotópico, como a centrifugação a gás, para obter o mercúrio-198 necessário para o processo.

Outro desafio é o armazenamento do ouro gerado, que pode ser levemente radioativo devido ao mercúrio-197 intermediário. O estudo sugere que o ouro produzido precisaria ser armazenado por 14 a 18 anos antes de ser considerado seguro para uso comercial, como em joias. No entanto, a demanda industrial por ouro pode equilibrar o aumento da oferta, e a transmutação poderia, em última instância, transformar resíduos de mercúrio em um recurso valioso.

O impacto dessa descoberta vai além do laboratório. Se bem-sucedida, a proposta pode acelerar a implementação comercial de plantas de fusão, tornando-as mais atraentes para investidores. A sinergia entre geração de energia e produção de ouro pode transformar o cenário energético global e ajudar a alcançar a neutralidade de carbono mais rapidamente.

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