Alta tecnologia: técnicos trabalham na planta piloto do Laboratório de Bioetanol do CNPEM (Fabiano Accorsi / VOCÊ S/A)
Da Redação
Publicado em 19 de junho de 2014 às 10h38.
São Paulo - Ao concluir a bolsa de pós-doutorado em 2013 na Max Planck Society, uma das principais organizações de pesquisa da Alemanha, o físico mineiro Frederico Alves Lima, de 32 anos, recebeu propostas tentadoras para continuar sua carreira no exterior. Foi convidado a se tornar pesquisador da instituição alemã, de onde já saíram 17 prêmios Nobel, em um projeto em parceria com um laboratório em Berlim.
Considerou também mudar-se para os Estados Unidos ao receber uma oferta do Laboratório Nacional de Brookhaven, uma das principais instituições científicas do estado de Nova York, dona de outros sete Nobéis. Mas Frederico não hesitou em declinar ambas as propostas para fazer parte da equipe do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), em Campinas.
A decisão de voltar ao Brasil após sete anos na Europa não foi um passo atrás, ele garante, muito menos uma predileção pela terra natal. O laboratório onde trabalha hoje opera o único acelerador de elétrons da América Latina.
Trata-se de um túnel de concreto em forma de anel com 93 metros de circunferência, que funciona como um imenso microscópio, produzindo radiação usada na análise da estrutura atômica de diversos materiais, como vidro, plástico, células e proteínas.
Sob a coordenação do LNLS está também o Sirius, um dos principais empreendimentos da história da ciência brasileira.
Orçado em 650 milhões de reais, o projeto é um novo acelerador de partículas, cinco vezes maior do que o atual, cuja construção, iniciada em março, está prevista para terminar em 2016. “Vou poder usar o conhecimento que acumulei lá fora, implementar técnicas inéditas e fazer ciência de ponta aqui”, diz Frederico.
Conhecimento com resultados
Fundado em 1997, o laboratório em que o físico trabalha é a pedra fundamental do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, um grande complexo de pesquisa e inovação em áreas como biotecnologia, saúde e energia.
Além do LNLS, integram o centro os laboratórios nacionais de biociências (LNBio), nanotecnologia (LNNano) e ciência e tecnologia do bioetanol (CTBE), todos criados nos últimos cinco anos.
Nesse período, o quadro de funcionários do CNPEM mais do que triplicou, devido à implantação das novas unidades e à ampliação das áreas de atuação. No ano passado, o orçamento do centro foi de 107 milhões de reais, quase quatro vezes maior do que o de 2008.
O CNPEM é mantido com repasses de verbas públicas, doações e parcerias com a iniciativa privada. Seus prédios e galpões ocupam uma área a poucos quilômetros da Universidade de Campinas, com uma reserva natural bem ao lado e, ao fundo, o amplo terreno terraplanado onde será erguido o Sirius.
Os laboratórios do CNPEM são usados por cientistas e estudantes de todo o mundo. No ano passado, a instituição colaborou com quase 1.900 pesquisadores externos, incluindo profissionais de 14 países, como Argentina, Estados Unidos, Noruega e França.
Se o ambiente do centro se assemelha a um agradável campus universitário, a tecnologia e o conhecimento produzidos ali vão muito além das teses e das publicações científicas. Nos últimos três anos, o CNPEM registrou 22 pedidos de patente, entre processos laboratoriais e industriais. Um dos que mais contribuíram foi o CTBE, com nove registros apenas no ano passado.
Aos 29 anos, a bióloga Priscila Delabona já tem duas patentes, 17 trabalhos publicados em revistas estrangeiras e coordena um dos laboratórios do centro. “Nasci em uma região canavieira e desde a graduação faço pesquisas biológicas na área. Sempre quis trabalhar em uma estrutura como esta”, diz ela.
A bióloga, de São José do Rio Preto, trabalha com o melhoramento genético de enzimas que transformam o bagaço e a palha de cana em açúcares. O processo é fundamental para a produção de etanol de segunda geração (feito com resíduos da cana), principal foco do CTBE. O laboratório conta com uma usina piloto para o desenvolvimento de novas tecnologias e tem parceria com empresas como São Martinho e Dow Química.
“Sem o apoio do CTBE, teríamos de transferir nossa pesquisa para fora do país ou construir um novo laboratório aqui, o que geraria restrições de capital”, diz John Biggs, diretor de pesquisa e desenvolvimento para a América Latina da Dow, que planeja produzir químicos a partir da cana para uso em solventes e produtos de limpeza, por exemplo.
Todos os laboratórios do CNPEM são abertos à comunidade empresarial e já ajudaram companhias como Natura, Braskem e Cristália em projetos de inovação. “O auxílio deles tem sido fundamental para desenvolver medicamentos que envolvem tecnologia para manipulação de moléculas complexas”, diz Ricardo Pacheco, vice-presidente técnico-científico do laboratório Cristália.
As formas de colaboração entre as empresas e o CNPEM são diversas. Algumas companhias possuem suas próprias salas no local, com direito a placa na porta. Algumas contratam seus serviços e equipamentos apenas para demandas específicas. Outras submetem propostas de pesquisa que, conforme a viabilidade técnica e o potencial, podem se transformar em parcerias duradouras.
“Temos grupos internos de apoio à inovação industrial que visitam as empresas para mostrar o que podemos oferecer. Nossa estrutura é flexível e cada laboratório tem autonomia para desenvolver parcerias com o mercado”, diz Iara Cordas, do comitê de inovação do centro. O quadro de funcionários do CNPEM tem excelência técnica e acadêmica.
O centro hoje conta com 85 pós-doutores, 48 doutores e 49 mestres entre seus mais de 500 funcionários. São profissionais que, muitas vezes, são referência internacional em sua área. É o caso do biólogo cearense Lúcio Freitas Júnior, de 45 anos, um dos pós-doutorandos do francês Instituto Pasteur que mais publicaram artigos em revistas especializadas, como Nature e Cell.
O desempenho lhe rendeu o convite para coordenar um ambicioso projeto de pesquisa de medicamentos na unidade do instituto na Coreia do Sul. Lúcio recebeu garantia de emprego e recursos para a pesquisa por dez anos.
No ano passado, o biólogo deixou uma vida de conforto na Coreia, com casa de três andares em bairro nobre, carro de luxo na garagem e cargo de diretor, para ganhar menos da metade no Brasil. Como chefe do núcleo de doenças negligenciadas do LNBio, sua intenção é reproduzir aqui toda a tecnologia desenvolvida na Coreia e trabalhar para adaptá-la a outras doenças, como dengue e febre chikungunya.
“Vou ser mais competitivo no Brasil. Temos várias doenças negligenciadas aqui e os melhores cientistas em parasitologia. O que falta é traduzir esse conhecimento em produtos de que a sociedade precisa”, diz.
No ano passado, além de Lúcio e Frederico, o CNPEM repatriou oito pesquisadores brasileiros e contratou seis estrangeiros. Neste ano, serão abertas cerca de 90 vagas. Muitos processos de seleção são internacionais, uma vez que o perfil procurado pode não existir no Brasil. As vagas são divulgadas em revistas especializadas, mas indicações internas são fundamentais.
Para valorizar esse pessoal, no CNPEM um pesquisador sênior, sem posição gerencial, pode ganhar o mesmo que um diretor. O plano de cargos tem sete níveis, com salários que variam de 5 000 a 25 000 reais. Mas o que traz mesmo esses cientistas ao Brasil é a possibilidade de se tornarem pioneiros no país, fazendo pesquisas inéditas, com resultados palpáveis.