Foto em HDR (High Dynamic Range) do sarcófago na zona de Chernobyl. (Piotr Andryszczak/Divulgação)
Vanessa Barbosa
Publicado em 19 de novembro de 2017 às 08h41.
Última atualização em 19 de novembro de 2017 às 08h49.
São Paulo - O relógio marcava uma hora e 23 minutos na madrugada de 26 de abril de 1986 quando ocorreu uma explosão no reator número 4 da central de Chernobyl, perto da cidade de Pripyat, na antiga República Socialista Soviética da Ucrânia. Era o início da pior catástrofe nuclear da história, que matou centenas de pessoas, deslocou milhares de outras e transformou a área no centro da Europa em um lugar absolutamente hostil à vida.
Passados 31 anos, a série de acontecimentos no minuto inicial do desastre ainda é objeto de interpretações no meio científico. A versão mais consagrada é a de que uma explosão de vapor seguida de incêndio resultou numa explosão nuclear no reator, tudo isso em questão de segundos.
Agora, uma nova hipótese reescreve os momentos iniciais do acidente de Chernobyl. Em um artigo publicado nesta semana na revista Nuclear Technology, os cientistas argumentam que a primeira das duas explosões, relatadas por testemunhas oculares, foi uma explosão nuclear, não uma explosão de vapor, como é amplamente difundido.
Segundo os pesquisadores, a análise traz novas informações sobre o desastre e é potencialmente útil para evitar futuros incidentes semelhantes. O estudo foi realizado em conjunto pela Agência Sueca de Pesquisa de Defesa, Instituto Meteorológico e Hidrológico da Suécia e Universidade de Estocolmo.
Assinatura do Xenônio e um "flash azul"
Liderados pelo cientista Lars-Erik De Geer, um físico nuclear aposentado da Agência Sueca de Pesquisa de Defesa, os pesquisadores acreditam que a primeira explosão foi um jato de detritos ejetados para altitudes muito altas que só poderia ocorrer por uma série de explosões nucleares dentro do reator. Em menos de três segundos depois, uma explosão de vapor romperia o reator e enviaria mais detritos para a atmosfera, porém em altitudes mais baixas.
A teoria é baseada em novas análises de isótopos do elemento químico xenônio detectados por cientistas do V.G. Khlopin Radium Institute em Leningrado, quatro dias após o acidente, em Cherepovets, uma cidade ao norte de Moscou. Esses isótopos resultavam de uma fissão nuclear, sugerindo que poderiam ser o resultado de uma explosão nuclear. Acontece que Cherepovets não está na rota conhecida de contaminação da usina, que seguiu no sentido noroeste atingindo toda a Europa central e a Escandinávia.
Para explicar essa inconsistência, os pesquisadores propõem a explosão nuclear inicial. Ao avaliar as condições climáticas em toda a região na época, os autores estabeleceram que os isótopos de xenônio em Cherepovets eram o resultado de detritos injetados em altitudes muito maiores do que os detritos da ruptura do reator que se dirigiram para a Escandinávia.
A maior altitude dos resíduos padrão climático diferente em sua altitude elevada, guiando-o para nordeste em direção a Cherepovets, em contraste com a subsequente explosão de vapor que rompeu o reator, que esvazia detritos no noroeste.
Além disso, as observações do tanque de reator destruído indicaram que a primeira explosão causou temperaturas altas o suficiente para derreter uma placa inferior de dois metros de espessura em parte do núcleo. Segundo os cientistas, tal dano é consistente com uma explosão nuclear. No resto do núcleo, a placa inferior estava relativamente intacta, embora deslocada quatro metros para baixo, o que sugere uma explosão de vapor que não criou temperaturas altas o suficiente para derreter a placa mas gerou pressão suficiente para empurrá-la para baixo.
Para apoiar esta história, os pesquisadores também destacam o relato de uma testemunha ocular, um pescador, que viu um "flash azul" durante a primeira explosão no reator, o que poderia ser consistente com uma explosão nuclear inicial em vez de uma explosão de vapor.
As leituras sísmicas tomadas a 100 quilômetros a oeste do local da explosão também podem ser evidências da hipótese de uma explosão nuclear seguida de uma explosão de vapor, disseram os autores.