Laura Forczyk, especialista em indústria espacial, fundadora da empresa de consultoria espacial Astralytical e autora do livro “Rise of the Space Age Millenials” (Laura Forczyk / EXAME/Divulgação)
Laura Pancini
Publicado em 18 de julho de 2021 às 06h00.
Musk, Bezos e Branson vêm solidificando uma nova era para a corrida espacial. Antes entre países, agora a briga é entre empresas e seus donos bilionários.
A competição não é à toa: atualmente, a indústria espacial global tem receita avaliada em 350 bilhões de dólares e a expectativa é que o mercado da exploração espacial ultrapasse 1 trilhão de dólares em 2040, de acordo com dados da Morgan Stanley, empresa global de serviços financeiros.
As coisas mudaram desde que Neil Armstrong pisou na Lua. Foram décadas de avanços científicos nos Estados Unidos e na Rússia, impulsionados pelo conflito da Guerra Fria, para conseguir explorar o espaço por meio de satélites artificiais, sondas e, eventualmente, uma viagem tripulada para o satélite lunar.
Antes por soberania internacional, hoje o voo espacial começa a ser visto mais e mais como uma opção que pode ser comercializada. Para os fundadores da SpaceX, Virgin Galactic e Blue Origin, tornar sua empresa pioneira neste vasto mercado na próxima década fará toda a diferença. O primeiro passo? Turismo espacial.
Neste último domingo, 11, Richard Branson se tornou o primeiro CEO a viajar até o espaço na nave da própria empresa, a companhia aeroespacial Virgin Galactic. O empresário viajou 80 quilômetros acima da Terra nove dias antes do bilionário Jeff Bezos, que planeja fazer o mesmo na próxima terça-feira, 20, a bordo da nave da sua empresa Blue Origin.
Bezos terá a companhia de seu irmão, a pioneira da aviação Wally Funk e um jovem de 18 anos, quebrando dois recordes ao mesmo tempo: pessoa mais velha e pessoa mais nova a viajar ao espaço. Mesmo perdendo o primeiro lugar para a Virgin Galactic, a viagem do fundador da Amazon terá mais uma pequena vitória: Bezos irá 20 quilômetros além do que Branson foi, chegando a 100 quilômetros acima do planeta.
O terceiro competidor, Elon Musk, ganha destaque de outra forma: o fechamento de um contrato milionário entre a SpaceX e a Nasa. Vencendo contra a Origin e a Galactic, a empresa irá construir a nave para a missão Artemis, cujo objetivo é enviar a primeira mulher e a primeira pessoa negra à Lua em 2024. A SpaceX não está fora do turismo espacial e tem planos de realizar o primeiro voo ainda em 2021.
Alguns venceram as batalhas, mas quem vencerá a guerra? Para Laura Forczyk, especialista em indústria espacial, fundadora da empresa de consultoria espacial Astralytical e autora do livro “Rise of the Space Age Millenials”, o momento não é de competição, e sim de otimismo: o crescimento de empresas privadas em um setor até então dominado por agências governamentais indica diversidade, maior conhecimento científico e a expansão da indústria espacial.
Entenda mais sobre a nova era da indústria espacial com entrevista exclusiva de Forczyk à EXAME:
Agências espaciais, como a Nasa, sempre contaram com a ajuda de seus governos e países parceiros para desenvolver projetos. Com o surgimento das empresas privadas, como as parcerias mudam?
A Nasa tem feito parcerias com empresas desde o seu início, na década de 60. A maneira como é diferente agora é que, em vez dela contratar empresas para construir coisas que seriam inteiramente da Nasa, ela compra os serviços destas companhias.
Antigamente, só as agências eram capazes de colocar pessoas em órbita, mas isso está mudando. Em vez de ser como na era Apollo, na qual o hardware era construído por empreiteiros para a Nasa, agora ela está comprando serviços de empresas e criando parcerias.
Considerando que a SpaceX, a Virgin Galactic e a Blue Origin têm sede nos Estados Unidos, o que isso significa para agências como as da Rússia e da China, que no momento estão desenvolvendo parceria para construir uma estação na Lua?
Depende da situação. A Rússia continua a ser parceira da Estação Espacial Internacional (ISS). Por muitos anos, ela foi a única organização que lançava pessoas para a ISS, então a Nasa costumava comprar voos dos russos para levar os astronautas [americanos].
Isso mudou desde o ano passado, já que a SpaceX foi capaz de transportar profissionais e parceiros internacionais da Nasa. Agora, a Rússia pode liberar alguns de seus assentos em seus voos para enviar outras pessoas. Por isso ela está enviando agora, por exemplo, uma atriz e um diretor de cinema para filmar um filme na ISS até o final do ano. Eles não podiam fazer isso antes, porque estavam ocupados enviando os astronautas da Nasa. Agora, eles podem enviar outras pessoas e turistas também.
Já a China tem uma nova estação espacial que acaba de lançar sua primeira tripulação. Eles também estão fazendo parceria com colaboradores internacionais. Do jeito que a política internacional está agora, a Nasa não pode fazer colaborações diretas com a China, mas quem sabe como isso mudará no futuro?
Com as intersecções entre investimentos do governo em agências espaciais, investidores regulares em empresas privadas e, como você citou, a própria Nasa colaborando com tais companhias mais e mais para a utilização de seus serviços, como está o mercado da indústria espacial agora?
A indústria espacial está definitivamente crescendo muito rapidamente, mas não é um setor. Há muita confusão quando se trata de calcular o que é a indústria espacial, porque não há nenhum acordo quanto ao que seja exatamente. [A indústria espacial] é o lançamento de foguetes para o espaço, os dados que vêm do espaço ou as formas como usamos os satélites?
Especialmente aqui nos EUA, existem muitos investidores e muito dinheiro fluindo para essas empresas privadas, mas é difícil saber o que é a economia espacial e como definir seu crescimento. Uma coisa a ter em mente é que não é realmente uma economia, é um lugar para fazer negócios, assim como os oceanos, a terra ou o ar são. Não falamos sobre a "economia aérea", falamos sobre diferentes companhias aéreas específicas ou formas de viajar.
No último fim de semana, Branson realizou o primeiro voo suborbital na nave da própria empresa, enquanto Bezos é o próximo. O que se pode falar sobre o turismo espacial?
No momento, o turismo espacial está apenas começando. Temos a Virgin Galactic que acabou de fazer um voo bem-sucedido no domingo. Eles voaram com uma tripulação completa, mas não eram passageiros comerciais. Não sabemos exatamente quando, mas eles planejam lançar sua primeira equipe comercial ainda este ano.
Já na terça-feira, 20 de julho, a Blue Origin planeja lançar seu primeiro passageiro comercial. Será um evento histórico, porque será o primeiro com passageiros pagantes. É realmente o início de uma nova indústria.
Elon Musk já vem transportando para a ISS desde o ano passado, mas até agora tem sido apenas pessoas conectadas ao governo. Ele planeja que a SpaceX faça a primeira missão comercial chamada “Inspiration 4” ainda este ano. A missão irá lançar pessoas por alguns dias, sendo a primeira missão puramente comercial e em órbita.
Houve críticas de que Branson não foi realmente para o espaço, apenas chegou "na borda". O que você tem a me dizer sobre isso?
A Virgin Galactic tem sede nos Estados Unidos e, segundo a Força Aérea, a Administração Federal de Aviação e a Nasa, 80 quilômetros acima da Terra já é considerado o espaço. Se você focar em cálculos científicos, não é exatamente claro, mas normalmente é citado a Linha de Kármán, que tem um arredondamento de até 100 quilômetros. Portanto, há um consenso geral na comunidade científica de que algo entre 80 e 100 quilômetros é o espaço.
As pessoas também criticaram que o turismo espacial seria coisa de bilionários. Você concorda?
Cada nova tecnologia começou com indivíduos ricos. Isso é o mesmo com todas as tecnologias: os primeiros passageiros das companhias aéreas, os primeiros clientes que possuíam smartphones... Toda tecnologia começa com os bilionários e depois o preço desce. As viagens espaciais, em teoria, serão da mesma forma, começando com clientes ricos e, em seguida, o preço caindo à medida que a tecnologia melhora e se torna mais acessível e comum.
Qual sua opinião sobre a competição entre Musk, Branson e Bezos? O aspecto "bilionário extravagante" desta corrida espacial torna as coisas melhores ou piores?
Não parece ser uma coisa negativa ter pessoas prestando atenção em voos espaciais. Além disso, os bilionários são capazes de patrocinar outras pessoas. No voo da Virgin Galactic, Branson não era o único: ele voou com dois pilotos e três tripulantes, e um deles fazia pesquisa científica sobre o voo.
No voo da Blue Origin, Jeff Bezos está patrocinando não apenas seu irmão, mas também Wally Funk, que espera há 60 anos para viajar ao espaço. Ela foi uma das primeiras mulheres que tentou se candidatar a ser astronauta durante o projeto Mercury, quando as mulheres não tinham permissão para ser astronautas da Nasa.
A missão da SpaceX, "Inspiration 4", será composta de um bilionário e três não bilionários, um dos quais é representante do St. Jude’s Children Research Hospital, hospital de caridade para crianças com câncer.
Musk, Branson e Bezos não podem voar sozinhos e eles normalmente patrocinam outras pessoas ou, de alguma forma, beneficiam instituições de caridade. De certa forma, eles estão tentando beneficiar a humanidade ao levar pessoas que merecem ir ao espaço.
O que podemos esperar da exploração espacial na próxima década?
Voos mais frequentes para o espaço suborbital e orbital. Isso provavelmente incluirá uma mistura de empresas. Agora temos SpaceX, Virgin Galactic e Blue Origin, que são as grandes, mas pode haver outras companhias capazes de lançar pessoas ao espaço, embora talvez não na próxima década.
Além disso, mais diversidade. Já estamos observando isso com algumas das tripulações que foram anunciadas ou já voaram. Há muitas oportunidades para pessoas que foram historicamente deixadas de fora do espaço.
Quando a Nasa foi criada, ela estava aberta apenas para homens brancos que eram pilotos e, claro, a agência mudou isso ao longo das décadas, mas ainda é um grupo muito pequeno de pessoas de elite. Isso está mudando.
Graças à abertura dos voos turísticos espaciais, teremos uma representação melhor da humanidade. Maior diversidade, eu acho, é melhor para todos. Queremos ter uma boa representação do planeta e das pessoas da Terra quando formos além.
Quando você mencionou mais diversidade, lembrei que o Brasil também está envolvido no programa Artemis. Em junho, o ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, afirmou que o país "não podia ficar de fora da corrida espacial" e que nunca tivemos recurso suficiente para deslanchar o Programa Espacial Brasileiro.
Vai ser interessante ver quais países irão se envolver, como o Brasil. Os Emirados Árabes Unidos estão crescendo rapidamente e alguns anos atrás você não pensaria que eles se envolveriam com a indústria espacial, mas eles estão definitivamente mudando e já planejam levar seu segundo astronauta para a ISS.
Definitivamente, há países emergentes que foram deixados de fora porque não tinham capacidade, infraestrutura para voar ou a economia necessária para que empresas privadas voassem. [Parcerias como a do Brasil] realmente darão chances maiores para mais da humanidade.