Pfizer pode pedir uso emergencial de vacina contra covid-19 até fim de novembro (Tetra Images/Getty Images)
Tamires Vitorio
Publicado em 14 de setembro de 2020 às 08h35.
Última atualização em 14 de setembro de 2020 às 16h36.
Uma das maiores fabricantes de vacinas, o Instituto Serum da Índia, acredita que não teremos proteções o suficiente contra o novo coronavírus até 2024. Em entrevista ao jornal britânico Financial Times, Adar Poonawalla, o presidente do instituto, afirmou que "as companhias farmacêuticas não estão aumentando a sua capacidade de produção rápido o suficiente para vacinar a população global em um período curto de tempo".
"Vai demorar de quatro a cinco anos para que todos recebam a vacina neste planeta", afirmou Poonawalla ao FT. O presidente do Serum Institute of India também estima que uma vacina contra a covid-19 terá de ser administrada em duas doses e que o mundo precisará de 15 bilhões no total.
A Pfizer, uma das farmacêuticas que está produzindo uma vacina contra o vírus, espera produzir até 100 milhões de doses até o fim do ano. Outras 1,3 bilhão de doses podem ser fabricadas no ano que vem. Já a AstraZeneca, que está produzindo uma vacina em parceria com a universidade britânica de Oxford, prometeu 100 milhões de doses somente para o Brasil, caso a vacina tenha sucesso em todas as fases de testes clínicos. A vacina da Covaxx, que será testada no Brasil em parceria com o laboratório Dasa, terá 60 milhões de doses distribuídas no páis. A expectativa da americana Moderna é produzir até 100 milhões de doses por ano.
Em uma entrevista recente à EXAME, o Dr. Celso Granato, infectologista e diretor clínico do Grupo Fleury, afirmou que não acredita que a escassez de vacinas seja exatamente um problema. "Algumas empresas, como a Moderna, estão planejando fazer 500 milhões de doses. Se você imaginar 100 milhões de doses da Pfizer, mais as da Moderna, já são 600 milhões de doses, o que é o dobro da população americana. Talvez seja um pouco cedo para sabermos exatamente sobre os acordos", disse.
O Instituto Serum, por exemplo, fez parcerias com cinco farmacêuticas internacionais, como a AstraZeneca e a Novavax, para o desenvolvimento de uma vacina e se comprometeu a produzir 1 bilhão de doses --- metade delas já foram prometidas à Índia, segundo país com maior casos de covid-19 no mundo, atrás somente dos Estados Unidos, e na frente do Brasil. A companhia pode até fazer uma parceria com o Instituto Gamaleya da Rússia para manufaturar a controversa vacina Sputnik V. Para Poonawalla, os acordos das empresas excedeu a capacidade de produção de vacinas que eles têm. "Eu sei que o mundo quer ser otimista, mas não ouvi sobre ninguém estar chegando nem perto desse nível agora", disse ao FT.
A afirmação de Poonawalla é preocupante --- uma vez que o Instituto Serum é o maior produtor de vacinas por volume do mundo, produzindo cerca de 1,5 bilhão de doses anualmente para o uso em mais de 170 países.
De acordo com o último relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS), do dia 9 de setembro, 180 vacinas estão sendo desenvolvidas atualmente, sendo que 35 estão em fases de testes. Dessas, 9 estão na última fase de testes, entre elas a chinesa Sinovac, que está sendo testada no Brasil, a do instituto CanSino, a russa do Instituto Gamaleya, a americana Moderna e a britânica de Oxford.
Nunca antes foi feito um esforço tão grande para a produção de uma vacina em um prazo tão curto — algumas empresas prometem que até o final do ano ou no máximo no início de 2021 já serão capazes de entregá-la para os países. A vacina do Ebola, considerada uma das mais rápidas em termos de produção, demorou cinco anos para ficar pronta e foi aprovada para uso nos Estados Unidos, por exemplo, somente no ano passado.
Uma pesquisa aponta que as chances de prováveis candidatas para uma vacina dar certo é de 6 a cada 100 e a produção pode levar até 10,7 anos. Para a covid-19, as farmacêuticas e companhias em geral estão literalmente correndo atrás de uma solução rápida.
Alguns tipos de vacinas têm sido testados para a luta contra o vírus. Uma delas é a de vírus inativado, que consiste em uma fabricação menos forte em termos de resposta imunológica, uma vez que nosso sistema imune responde melhor ao vírus ativo. Por isso, vacinas do tipo tem um tempo de duração um pouco menor do que o restante e, geralmente, uma pessoa que recebe essa proteção precisa de outras doses para se tornar realmente imune às doenças. É o caso da Vacina Tríplice (DPT), contra difteria, coqueluche e tétano. A vacina da Sinovac, por exemplo, segue esse padrão.
Outro tipo de vacina é a de Oxford, feita com base em adenovírus de chimpanzés (grupo de vírus que causam problemas respiratórios), e contendo espículas do novo coronavírus.
As outras vacinas em fases clínicas já avançadas também são baseadas em espículas, mas apresentadas em forma de RNA mensageiro, como as da Pfizer e da Moderna.
Sinovac Biotech: a vacina chinesa que começou os testes em fase 3 no Brasil na última segunda-feira, 20, pretende fabricar até 100 milhões de doses anuais. Por aqui, 9 mil profissionais da área da saúde receberão a vacina.
Sinopharm (Wuhan e Pequim): a vacina com base em vírus inativado, que se mostrou capaz de produzir resposta imune ao vírus, começou as fases 3 de testes neste mês nos Emirados Árabes Unidos. Cerca de 15 mil voluntários participaram do período de testes e a empresa chinesa acredita que a opção estará disponível para o público já no final do ano.
Oxford e AstraZeneca: os resultados preliminares das fases 1 e 2 da vacina com mais de mil pessoas mostraram que ela foi capaz de induzir uma resposta imune à doença. As fases dois (que ainda está ocorrendo no Reino Unido) e três de testes (acontecendo no Reino Unido, Brasil e África do Sul) devem garantir a eficácia completa dela. A opção é tida como a mais promissora pela OMS.
Moderna: a empresa americana iniciou última fase de testes de sua vacina baseada no RNA mensageiro no dia 27 de julho. O teste vai incluir 30 mil pessoas nos Estados Unidos e o governo investiu pesado: cerca de 1 bilhão de dólares para apoiar a pesquisa. A expectativa da empresa é produzir 500 milhões de doses por ano.
Pfizer e BioNTech: a vacina agora também está na fase três de testes e também usa o RNA mensageiro, que tem como objetivo produzir as proteínas antivirais no corpo do indivíduo. A expectativa é testar a vacina em aproximadamente 30.000 voluntários com idades entre 18 e 85 anos no mundo. Desse total, 1.000 serão testados no Brasil. Se tudo der certo, a expectativa é que a eficácia da vacina seja comprovada até o outubro. A empresa espera produzir até 100 milhões de doses até o fim do ano. Outras 1,3 bilhão de doses podem ser fabricadas no ano que vem.
Instituto Gamaleya: em 11 de agosto a Rússia registrou a primeira vacina do mundo contra a covid-19. A vacina russa é baseada no adenovírus humano fundido com a espícula de proteína em formato de coroa que dá nome ao coronavírus e é por meio dessa espícula de proteína que o vírus se prende às células humanas e injeta seu material genético para se replicar até causar a apoptose, a morte celular, e, então, partir para a próxima vítima. Na última segunda-feira, 31, o país anunciou que o primeiro lote de sua vacina, a “Sputnik V”, estará disponível já neste mês.
CanSino: a vacina chinesa usa um vírus inofensivo do resfriado conhecido como adenovírus de tipo 5 (Ad5) para transportar material genético do coronavírus para o corpo e, segundo a companhia, conseguiu induzir uma resposta imune nos indivíduos que foram testados. No começo de agosto, a China concedeu a primeira patente da vacina.
Janssen Pharmaceutical Companies: a vacina, em parceria com a gigante Johnson&Johnson, será "produzida em larga escala", segundo as empresas, e conseguiu induzir imunidade robusta em testes pré-clínicos. O plano da Janssen é produzir até 1 bilhão de doses que serão distribuídas mundialmente em 2021, após a aprovação. A tecnologia usada para a produção dela é a mesma utilizada no desenvolvimento da vacina da Ebola, que inclui o uso do vírus inativado da gripe comum, incapaz de ser replicado.
Para uma vacina ou medicação ser aprovada e distribuída, ela precisa passar por três fases de testes. A fase 1 é a inicial, quando as empresas tentam comprovar a segurança de seus medicamentos em seres humanos; a segunda é a fase que tenta estabelecer que a vacina ou o remédio produz, sim, imunidade contra um vírus, já a fase 3 é a última fase do estudo e tenta demonstrar a eficácia da droga.
Uma vacina é finalmente disponibilizada para a população quando essa fase é finalizada e a proteção recebe um registro sanitário. Por fim, na fase 4, a vacina ou o remédio é disponibilizado para a população.
Com isso, as medidas de proteção, como o uso de máscaras, e o distanciamento social ainda precisam ser mantidas. A verdadeira comemoração sobre a criação de uma vacina deve ficar para o futuro, quando soubermos que a imunidade protetora realmente é desenvolvida após a aplicação de uma vacina. Até o momento, nenhuma situação do tipo aconteceu.